quinta-feira, 30 de maio de 2024

Quando é preciso aprender com a vitória

 

Lucas Marques, deu equilibrio ao meio campo. Crédito: Enoc Júnior

Quando um time produz o que o Ypiranga produziu no 1º tempo contra o Figueirense, e desce para os vestiários quase levando o empate, é de se imaginar que o 2º tempo vai ser de emoções. E não foi diferente.

Apesar da superioridade física, tática e técnica que o time de Thiago Carvalho demonstrou, faltou competência na primeira etapa para encaminhar uma vitória bem mais tranquila e, na segunda, o campo muito pesado e a natural reação da equipe da capital catarinense permitiram que o contestado goleiro do gauchão – Alexander -, mostrasse porque permaneceu. Foi chamado inúmeras vezes a intervir e, em pelo menos duas oportunidades a praticar grandes defesas. A última, ao final da tarde, enganou muita gente nas cadeiras que viram o empate. Mas Alexander conseguiu evitar o que seria, em análise mais ampla, um castigo muito grande ao time erechinense.

Não gostei do Figueirense de ontem. Esperava mais – considerando sua capacidade de investimento, concluindo por evidente, a partir do tamanho da cidade onde mora. Foi um time até certo ponto previsível, desarrumado, nervoso na sua defesa, dominado no meio campo e sem jogada na frente. Sua referência técnica Camilo - bem marcado andou sumido. Além disso, estranhou o gramado do Colosso – que acusou os excessos das chuvas escondendo sob a grama – a lama. O Figueirense não vem bem na competição, mas clube de tradição que é, deve buscar uma recuperação.

Já o onze de Thiago Carvalho, que na verdade são quase 18 a 20 atletas, mostrou que não esqueceu de todo o muito bom futebol jogado antes da interrupção do campeonato. O goleiro Alexander se firma e ganha confiança no campo e na torcida,. A opção por três zagueiros de ofício na ausência de laterais esquerdos, também tem se revelado o que de mais confiável se pode fazer neste momento e, na frente, Mateus Anderson e Jhonatan Ribeiro mostram-se muito úteis ao coletivo e puxam a maioria dos ataques que o Ypiranga opta por fazer pelos lados. 

Penso que o técnico Thiago Carvalho ainda não encontrou o titular da centroavância, pois as respostas dos que ali já jogaram, não mostraram tudo que se espera de que quem transita por aquele setor. Se não surgir alguém de ofício para atender o que se espera de um nº 9 – não descartaria o técnico improvisar um dos pontas naquele setor, mexendo um pouco na configuração tática do time. Ademais, para gramados com bola mais viva – Reifit deve ser reconsiderado a ocupar titularidade porque ele exerce várias funções -, embora menos incisivo na jogada de fundo. E para não passar o drama que virou a partida de ontem - Thiago Carvalho precisará fechar mais, e bem, os lados do campo. Dos laterais esquerdos lesionados - um precisa voltar e logo porque foi por ali que O Figueirense mais encontrou espaços. O problema não é quem jogou meio improvisado - que até pode voltar para o miolo da zaga -, mas um lateral de ofício. Ou - alguém que ajude, e muito, na marcação. Praticamente o mesmo vale para o lado direito.

Uchôa, capitão abre o melhor setor do time.
Crédito; Enoc Júnior
Mas se o Ypiranga não é nem sombra daquele grupo desarrumado e, aparentemente, desmotivado time que quase foi rebaixado no gauchão – o que mudou!? As principais ascendências da equipe estão no meio campo. Uchôa é um marcador de vitalidade que cresceu demais. Não bastasse isso tem a confiança do técnico para capitanear o time. 

Alisson Tadei, a referência. Crédito: Enoc Júnior
Alisson Tadei que veio credenciado para ser o “arrumador de time”, o armador da equipe e o encarregado de ditar o ritmo - o que implica numa responsabilidade que foge ao próprio atleta – com reflexos sobre a equipe como um todo, ou quase isso; está mostrando que é do ramo, com tendência de exercer ainda melhor sua complexa função quando o campo não se apresentar tão grudento e pesado como diante do Figueirense. E, finalmente, Lucas Marques – o dono do jogo deste domingo (30/5) até ser substituído por cansaço – dá ao principal setor da equipe, o equilíbrio indispensável para que as figuras mais técnicas possam fazer o que delas se espera.

Jhonatan Ribeiro autor do gol da vitória aos 32 minutos.
Crédito: Enoc Júnior

Considerando que uma partida de futebol é a conjugação de duas variantes possíveis em um jogo – acertos e erros -, quando os acertos não são convertidos em vantagens folgadas no placar - o receio, os passados, os medos e as vacilações ganham proporções dentro das quatro linhas, exigindo, por exemplo; pelo menos um milagre de um goleiro (Alexander), enquanto que nas gerais e nas cadeiras a gélida tarde do domingo passe quase despercebida – dando lugar a um outro tipo de frio, como foi o caso dos últimos 20 minutos diante do Figueirense, quando todas as almas que estavam no estádio na torcida pelo Canarinho, só sentiram a temperatura voltar ao normal em suas barrigas, quando árbitro pediu a bola e encerrou o drama.  

A hora é favorável – mas a hora não permite, não autoriza falar estar entre os oito. A hora é de continuar buscando cada um dar o seu melhor e o técnico, com a cabeça no lugar, observar que todos são essenciais na caminhada e que ninguém ameace subir em banquinho, porquanto nas equipes vencedoras, esse equipamento não existe. Por fim – que todos reavaliem que os três pontos de ontem, aparentemente certos na tabela do Colosso olhando só os primeiros 45 minutos – por pouco, mas por muito pouco mesmo, não escaparam. 

Ou seja – foi mais um exemplo de que é preciso aprender até mesmo com a vitória.

 

sábado, 25 de maio de 2024

Quando poetas escondem belezas em labirintos

 

Nelly Todeschini Cantele

Sendo honesto comigo mesmo e com todos os demais, admito que gosto mais de prosa do que de poesia. Para alguém que ocupa uma cadeira na Academia Erechinense de Letras (AEL) pode parecer estranho – mas a minha verdade é assim. Agora, uma virtude eu reconheço. Se é preciso ter algum talento para escrever um romance ou uma obra de ficção, ou com base em fatos reais, históricos e batidos com um pouco de ficção; como deve ser o talento de quem consegue dizer em algumas linhas, na maioria das vezes, o que demandaria centenas de páginas em prosa!? Embora – reconheça em ambas, essências afins, especialmente se olharmos para os andares mais altos da literatura.

Escrever uma história compondo um livro, normalmente parte da escolha de um assunto, de um mote. Já nas primeiras páginas sinaliza um caminho que pode e deve dar suas voltas no desenvolvimento, que chamamos de enredo, até desembocar como os rios da bacia do Guaíba e da Lagoa dos Patos, deslizam para o mar incorporando-se ao oceano. No trajeto das páginas todas as emoções, desgraças e ressurreições nos impelem a não desistir para ver como tudo termina.

Por isso, para ser atraente e não ficar na evidência do tradicional “início, meio e fim” – a prosa é como um filme com sua proposta inicial (geralmente) e um seguir à frente quase uniforme, com alguns  sobressaltos, quase sem incompreensões ou questionamentos, apresentando personagens, diálogos, papéis – vez por outra atingindo um determinado pico até ali impensável, em alguns casos -, mas, como disse, invariavelmente alcançando um desfecho à proposta inicial da história.

É óbvio que há talentos capazes de oferecer histórias que nos levam a imaginação (se não toda escrita seria inútil, como uma “fé sem obras”, segundo São Paulo), mas a prosa sugere uma compreensão, na maioria das vezes mais direta e acessível também para a maior parte dos leitores. Mesmo assim, aqui temos obras classificadas como clássicos ou obras-primas. Alguém lembrará que esqueci os best-sellers (os mais vendidos), mas nem todos, desta categoria incluo nesta abordagem.

Na poesia, no meu pouco entendimento, o buraco é mais em baixo e o alcance nem sempre é para todos os comuns, fazendo-se  o reparo quase desnecessário que depende – da poesia e das poesias.  Mesmo que todos os poemas tenham uma mensagem (e o autor sempre considera que sim – tem); me é particularmente de difícil compreensão de onde seus artífices tiraram a primeira palavra, a primeira linha, a primeira frase, o primeiro verso – ou a sequência daquela arte que em alguns casos só seus “pais” têm a exata dimensão do que escrevem.

Reconheço, de novo, que temos poesias e poesias, ou seja – poetas e poetas que nos ofertam obras de clara compreensão, de rimas curiosas e bem aplaudidas. Bem fechadas e atraentes – mas o quê se passa na cabeça ou na alma daqueles poetas que iniciam uma obra, (aparentemente para nós comuns), do nada, e assim, entre alternando altos e baixos como um eletrocardiograma espelhado, como a contemplação da brisa do mar desde a areia, e num repente, na linha seguinte - assodada nos assalta e aterroriza no meio da noite com quem foi arrancado de sua cama, de sua casa – assim como aqueles pobres escolhidos pelo infortúnio  da desgraça, que se viram apanhados pelo Taquarí, pelo Jacuí vendo-se tal qual expurgo entre madeiras, cadeiras, relâmpagos, pias, vidros, pedras, telhas, trovões, toras, a desgraça em matéria - e gritos sufocados em meio a negritude da noite entre canhadas e montanhas sem fim, esquecidas; de rochas, árvores e árvores, que ao mesmo tempo em que também ajudavam a açoitar – viam-se engolidas por terrenos inconfiáveis a desabar morro abaixo em direção também ao destino de cada qual. De que é feita essa inteligência de acomodar palavras, linhas e conceitos, aparentemente a mim, estranhos - mas eu, todos sabem - não o são. 

Me reconheço amplamente analfabeto quando identifico em algumas poesias de classe, poesias de categoria superior, porém recobro quando já no outra linha algum termo me acorda do meu caos, ou seria da minha ignorância;  colocando-me acomodado em uma cadeira bem acolchoada numa varanda sorvendo um mate com o cachorro aos  pés, amarrado-solto, atento à sua quietude em companhia, enquanto num erguer de olhos miro ao longe, fundindo-se ao verde da mata fechada, uma neblina entre-cortada por bandos voando em simetria bilateral. 

Poemas profundos - verdadeiros rosários de surpresas, ora feitos aparentes armadilhas, ora nos fazendo parar e pensar na tentativa de compreender o que está ali, como disse – ora nos arrastando, ora nos sustentando sob asas, nos conduzindo a sentir as labaredas do inferno para logo a seguir nos descortinar defronte à imaginação e sensações paradisíacas – pois, de onde os poetas maiores tiram, e como eles manobram com total destreza, intelectualidade e domínio a linha que costura obras tão vívidas, sobre a vida nesta vida, que não raras vezes, nos conduzem a colocar um pé noutras vidas e tão misteriosas, tão eloquentes!?

Pensando bem – palavra, linha, frase, pontuação, ideia, verso - não constituem feitos ao acaso. São filhas e filhos de mentes privilegiadas, superiores, que veem e sentem o que a maioria jamais perceberia; obras de um primor gestado por talentos que deviam e devem, sempre, merecer a mais distinta consideração de quem lhes chega aos pés e de quem aos seus pés não lhes alcança – mas tem também permissão para olhar, ler, tentar decifrar, contemplar, imaginar, refletir e saborear, se não com a conclusão a que não chegou, saciar-se com o que pode imaginar com sua muito própria capacidade de entendimento.

E sob este aspecto, permito-me, destacar o nome da senhora Nelly Cantele, como, muito provavelmente nossa poetisa maior ao longo da história desta cidade. Simples como só os grandes, inteligente -dom que procura guardar para si, meiga, desapressada, ouvinte a ser seguida e uma mulher ao mesmo tempo elegante e doce - fazem da senhora Nelly um padrão inato aos notáveis, aos vitoriosos numa vida de alardes ausentes e merecedora, não saberia se de muitas palmas ou de silêncios penitenciosos em obediência à grandiosidade. Na poesia de Campo Pequeno, é, como observei, muito provavelmente (sim - pois devemos sempre respeitar as controvérsias quando se fizerem), a maior poetisa que se fez de Paiol Grande a Erechim. Quando a vejo chegando às reuniões mensais da AEL, numa sala da URI, de braços com sua filha Vivien - inseparável companheira - sinto um regozijo de sabê-la bem; e por poder estar na mesma sala por alguns instantes. Nas reuniões enquanto no geral falo demais para dizer de menos - a poetisa só observa, imaginando quem sabe - "ah moço - quanto desperdício, quanta  superficialidade, quanta obviedade, quanto descarte...!", e aqui me refiro às minhas intervenções. Quando vejo a Nelly de braços com a Vivien surgindo à meia luz do pátio, sob vento e um guarda-chuva, desconsidero as cadeiras vazias.

A Nelly que faz da Academia Erechinense de Letras uma entidade mais encorpada, respeitada e admirada – também faz uso dos seus talentos, produzindo obras mais claras, diretas e, digamos, leves e adocicadas – dando-se vez por outra ao descanso de escritos mais sofisticados que nos sacodem em curiosidade, desfazendo teias,no buscar sobre o quê ela está mesmo querendo dizer com o que... diz! ? 

Maria Luíza

E se a Nelly Cantele permitir, colocaria ladeando-a na poesia erechinense, sua colega, a poetisa Maria Luíza Servelin Zanette, porquanto já desde tempos a magia dos seus poemas e a leveza com que os oferece, são obras quase sagradas no mundo da poesia erechinense. Também servindo, entre obras doces e de desafios, a mexer neurônios dos que insistem em resistir às primeiras chuvas nestes maios gaúchos. 

Desejo incluir aqui, com os devidos reconhecimentos pela poesia que constroem e ofertam, cada qual com seu estilo próprio de pintar o doce, o enigmático e o belo - Ana Maria Mikulski, Cleusa Masria Nehring Cappellesso, Maria Salete Mendes Jacques, Karina Albuquerque Denincol, Luiz Ademir da Rosa, Marco Antônio Scheurer de Souza, Ermindo Silva e Nesio Alves Correa - o Gildinho também como nomes que engrandecem e orgulham a AEL. 

Comecei confessando que gosto mais de prosa que de poesia. E as razões são claras para mim. Primeiro por que não tenho talento para tanto. Segundo por que não tenho a capacidade de síntese – dizer muito em poucas palavras. E terceiro por que eu não chego aos pés de quem aparentemente iniciando do nada – contempla em sua poesia o que nos faz rir e chorar, nos provoca em humilhações e exaltações, que fala de paraísos e infernos, de situações que nos emocionam, nos irritam, nos tornam maiores ou menores; as poesias de necessidades jamais satisfeitas, das impurezas, das virtudes, das circunstâncias, do passado, do impensado, do esquecido, do amor, da tristeza, da amargura, do inevitável, das intimidades inconfessas, da revolta, da felicidade, das traições, do infortúnio, da gratidão, da doença, dos profetas, da vida, dos gemidos de dores e prazeres, do outro, da mentira, da diversidade de crenças, das mídias, das águas e dos céus, dos grotões e das estrelas, das tecnologias e seus segredos ainda "insabidos", do bem e do mal, dos sonhos, dos precipícios, da miséria e da luxúria, dos abandonados, da misericórdia, das obviedades que negamos, do que é, do que parece, das celebridades, do ar que não vemos, da beleza circunspecta dos feios, de teimosias, de sentimentos de todas as ordens, da escuridão que nos esconde e nos expõe, das energias, das passarelas e seus encantos encobertos, de catetos e hipotenusas, das pedras, dos crucifixos, de balas perdidas que sempre tiram uma vida, da luz que nos ilumina e aquece, das flores e espinhos, das demandas que ignoramos, os acasos, dos ocasos, dos nossos pecados, dos espíritos, da simplicidade, dos conflitos internos e pessoais, das decepções, das incompreensões, das destruições e horrores, dos filantropos, do nascer, da caminhada e do desfecho, das casas americanas com suas janelinhas quadriculadas em madeira branca, dos casarões abandonados, do que não importa, do que está do outro lado, do porquê psicólogo, psicanalista até desistir ou trocar, da obra aqui deixada, da natureza e sua soberania, do que poderia ter feito e não o fez, dos arrependimentos, de preces de rotina, de preces da última hora, poesias de termos desconexos e empoeirados por desuso - feitos algoritmos, dos reclames e suspeições, dos cemitérios com suas noites envoltas em pavor, de paixões mui pessoais, dos que jamais deixarão de viver em nossas vidas, do que temos e vemos e do que não vemos, mas temos, da ostentação,. Poesia sobre os loucos. Sobre as loucuras. Sobre vizinhos anônimos. Sobre máquinas a inventar homens. Dos mortos sem saber de onde veio. Poesia dos afortunados sem saber o quanto e nem de onde. Da vulgarização do crime. Do controle íntimo até as intimidades. Sobre alucinógenos como felicidade. Poesia que de pouco à rápido trocará nome por número. Poesia feita por prazer que nada remói no aguardo de um retorno qualquer. Que faz porque quem é do bem. Que vem de quem sabe o talento que acolhe. Poemas claros e de fácil compreensão, contrapondo a outros de mui difícil cognição. Poesias com finais repentinos, inesperados, que remetem à primeira vista - um fio solto. deixando o leitor a perguntar "por que parou?". Lembro de "Onde os fracos não tem vez". Poemas sobre prostitutas, amantes e mães. Me fica, por fim, a desconfiança que o verdadeiro poeta opera em acalento à própria alma, brincando de modo sério de artificializar realidades. Poesia que traduz no seu compreensível e, especialmente no incompreensível a muitos – perguntas ou respostas brotadas do mais fundo de sua alma a Deus, do porquê  aqui andamos e para onde vamos. Quem sabe, na próxima linha ou no verso seguinte descubramos, desde que seu autor seja "Ele". Por que até aos mais talentosos poetas em última instância, imagino; tudo não passa de especulações e convicções pessoais - deitadas em linhas e versos bonitos,belíssimos, surpreendentes e intrigantes, fantasiados em meio a  labirintos - com o fio acreditado da saída - firmemente agarrado no ventre da alma de quem assim decidiu poetizar suas mazelas, seus prazeres, seus dons. A poesia é como a pintura. Algumas gritam sua evidência. Outras silenciam sua intrigante comunicação que pode ir do dramático ao lírico, pisando na ambiguidade, na plurissignificação - na estranheza. E, no por descobrir, eis onde reside sua beleza, seu cheiro, seu perfume.