terça-feira, 31 de março de 2020

O frentista da Administração (5 e último)


5º e último episódio


(Final do episódio anterior)
'Voltando ao mestre João. Não fosse ele com sua visão - e provavelmente não duraria nem dois meses na Administração pelo singelo motivo que não tinha como pagar. Ele não me desligou. Ofereceu-me serviços gerais no câmpus em troca da mensalidade. E lá fiz de tudo - como já disse. E foi, para mim, nas dificuldades da Administração, que Jayme Lago, um dia indicou-me para o jornalismo em A Voz da Serra, de onde parti para a profissão da minha vida.'

Aquela experiência da Administração foi de valia impagável. Sim, porque ela me colocou no centro de um grupo que se não mandava na cidade – de certa forma, boa parte dele passaria a mandar - cinco anos depois.

Tenho para mim por dedução óbvia, até por que eu era frentista – mas cego não. Sim, foi lá naquele contexto que nasceu o político Eloi João Zanella. Ou - foi polido.
Sim, foi lá naquele contexto que nasceu a Zebra (símbolo dos governos de Eloi Zanella que mudaram os rumos de Erechim, levando a cidade a desenvolver seu setor industrial...). 

Sim, foi lá naquele contexto que a 'Zebra' (símbolo das campanhas eleitorais de Zanella & Cia.), se arquitetou, organizou e deu seus primeiros e decisivos passos.

Sim, foi naquele contexto que a fermentação do poder de Campo Pequeno trocou de mãos, de roupa, de cabeça, de gente, de pensamento, de linha, de ideias e de ações.

Eloi Zanella foi prefeito de 1977 a 1983.
De 1989 a 1992.
De 2001 a 2008.
Jayme Lago – de 1983 a 1988.
Só em dois mandatos, Zanella e Lago ficaram 12 anos no poder.
No total são 24 anos.

Eram dois dos alunos daquela turma.
Foi naquele contexto que vi de perto a esquerda, como ela pensava, como se portava, o que almejava, o que queria para o Brasil.
Francamente, pelo que defendiam e pregavam, assim como em todas as esquerdas do mundo – me seduziu.
Tinha entre meus professores os mestres, Nédio Piran e Ernesto Cassol – de esquerda é claro. Havia ainda Nelly Zaffari, se não me equivoco. 

De quebra – na Matemática, João Dautartas, sempre um peemedebista que jamais largou a bandeira rubro-negra. Recebeu de presente no dia do seu sepultamento a presença de dois ou três partidários. Os demais continuaram uma reunião de partido naquela tarde de sábado. Não apareceram para levá-lo ao cemitério. Que falta de consideração. Que destino para um aguerrido homem de partido. E isso também me disse, e muito, sobre quem é quem e quem deseja o quê!

Destaco ainda como mestre daquela turma o grande professor de História, Adroaldo Lise. Dava aulas como quem conta um caso. Este era o seu método, entregando mastigado, os pratos dos principais eventos históricos lembrados nas grades curriculares. Professor Adroaldo - diria, um imparcial, com seu inconfundível pigarro. Como disse, um mestre. 

Pois, não vou me dar ao trabalho de tentar saber, onde cada um dos queridos colegas daquela época, anda hoje em dia, não por que não o mereçam, mas por que esta já é uma tarefa muito grande e que exigiria o tempo que neste momento não disponho. Já foi uma busca reabilitar a lista de chamada para não esquecer ninguém.

Por isto – fixo no Linor Pedro Klein que até teve uma vida como 'o diabo gosta': viu a família encaminhada. Pobre Linor – volta e meia se viu no sacrifício de peregrinar Velho Mundo afora. Que sina! – teve o primeiro presidente do Diretório Acadêmico do Cese (Centro de Ensino Superior de Erechim)!
Linor acabaria sendo mais tarde pró-reitor de Administração, cargo antes exercido por Eloi Zanella – na Reitoria da URI -, fruto definitivo daquele nem tão incipiente assim, alvorecer de ensino superior em Erechim. (Hoje o querido Linor mora no céu).

Há outros que tenho visto volta e meia por aí, e todo mundo tranquilo como o João Aldo Zanin, o Juca – Jorge Augusto Muller, o Zulmiro Zucchi, o Adão Oliveira, que virou pastor da Assembleia de Deus – ou enfim, comanda uma igreja. O Adalberto Valentini – fazia as contas dentro da Equipe Política Zebra. (Hoje, o Adalberto também mora no céu. Foi levado pelo Covid 19). E o Paris Bordignon (que faz compras no mercado cantando, anda pelas ruas cantando e defendendo a tese que levantar cedinho e se exercitar por quase uma hora e, cantar claro, dá mais longevidade...).

Enfim, há os que faleceram (querido João Picoli) - que ao longo do tempo entrevistaria inúmeras vezes - e tantos outros que nunca mais fiquei sabendo onde se meteram. 

O professor Girônimo, então um sacerdote, acabaria tornando-se bispo coadjutor e mais tarde, bispo da diocese de Erechim e, bispo emérito, aposentado aos 75 anos. Nesse meio tempo ainda foi reitor do Seminário de Fátima, vigário da catedral e em Aratiba, pároco, deu aulas em escolas públicas, no seminário e em 1994 assumiu a vaga de Dom João Aloísio Hoffmann. Ou seja, o professor foi bispo por 18 anos. De quebra – integrou o Conselho Universitário da URI – extensão daquele início com o Cese em 1972 e, em 3 de novembro de 2019, aos 83 anos, atendeu convocação de Deus e com Ele foi morar.

Foi lá naquele ambiente que eu tive a certeza que a matemática, a contabilidade, as contas, enfim, não eram para mim. Passava porque ajudavam – ou me empurravam, mas como seria depois, sozinho?

E foi pensando nesta certeza que decidi abandonar o curso depois de um ano e meio. Não dava. Não daria. Não adiantaria insistir na coisa errada. No meu interior eu sabia – mas ficava quieto.

Mas, um dia, Jayme Lago, me disse o que eu não me dizia: que eu não servia para aquela coisa, que eu não tinha jeito de economista ou administrador, que o meu negócio era outro. Depois de me alertar que daquela área eu não sabia nada e, devia manter distância, para meu bem, foi ele, Jayme Luiz Lago que observou pela vez primeira: “o negócio desse guri é escrever”. E foi assim, que por um pedido com jeito de ordem, que o Jayme Lago interpelou o amigo, também colega daquela inesquecível turma, Gilson Carraro: “Ô Gilson, arruma um lugar pra esse guri lá no jornal. Diz pro Geder pegar ele. O negócio dele não é aqui - é no jornal!”. E assim, sem mais nem menos, fui parar na redação de A Voz da Serra, ainda em 1972.

Os Carraro, para quem não sabe, tinham o jornal mais antigo da cidade - A Voz da Serra, de 1929, (na verdade, de 1929 a 1937 chamava-se O Boavistense – quando em 37 trocou para A Voz da Serra) hoje, tentando se reanimar ainda em família como Voz ou no Online. 

Entrementes posso dizer em alto e bom tom que tive a honra de ter como patrão - Estevam Carraro. Guardava um olhar de 'pai' para comigo. Só para registro: Quase todas as noites, por volta da 1 hora da madrugada, ele entrava na redação vestindo um roupão que lhe cobria até os pés, trazendo numa bandeja, duas grossas fatias de pão decoradas com recheios e uma enorme xícara ou caneca de café com leite. "Toma guri. Tu tá muito magrinho e a madrugada é longa", dizia.  

Trabalhava das 23h até clarear o dia, ao lado do Geder.
E deste ganhei outro presente: “ô guri! Se tu quer ganhar dinheiro, pega uma pastinha e vai vender (comercial). Se quer passar fome, como eu, vai bater notícia!”, dizia com sua impagável irreverência, seguida de uma apavorante gargalhada sob o bigode de fogo. É era pura verdade. Não peguei a pastinha. Sentei à máquina - e deu no que deu.

Evidente que fome ele não passava – mas o recado era claro e, rigorosamente, verdadeiro ao menos para jornalista que nunca confundiu os princípios de base, nem as alturas dos objetivos sagrados do jornalismo tal qual foi concebido, ao menos em tese.
Mais tarde haveria de deixar A Voz da Serra e tentar outras sortes em outras empresas da cidade – mas o vaticínio de Jayme Luiz Lago parecia ferver nas minhas veias até que um dia larguei tudo e fui embora.

Fui para uma escola de jornalismo de verdade da qual até hoje me orgulho do que dizem de quem pela Famecos passa: “então tu também és um filho da PUC!?. Sim – sou”. Entre os professores, Ana Amélia Lemos, Aníbal Bendatti e o marcante Antoninho Gonzales e, tantos outros nomes consagrados do jornalismo de escola e de redação - à época vivendo seus últimos anos do que se convencionou - jornalismo romântico.

Eram tempos onde ser jornalista significava uma honra, porquanto uma censura, mesmo que tímida, ainda teimava em mostrar suas unhas (1975 - 1979). Mas àquela censura a gente se obrigava, porque ela não tinha medo nem vergonha de se mostrar, de se assumir, ou, de ditar o que podia ou não. Mas passou. Porém também vivi isso.
Hoje em dia não sofremos mais deste mal: hoje a 'censura' tem vida própria e nem fica vermelha quando dita a pauta do que pode ou não pode  dentro da imprensa. Tudo em nome de qualquer coisa - menos do bom e sagrado jornalismo. Coisas de mercado - dir-se-á mundo afora. 

Ouço um barulho: deve ser o Geder mexendo os ossos no caixão e sussurrando no céu: “jornalismo de pastinha, Ódddyyyyyy - ahahahahahahah!”.

E foi esta a história daquela história.
Para muitos – nada.
Para outros – uma coisa de poucas consequências, 
com o que não concordo.

Hoje, aquela sala de aula é nada mais, nada menos que a Capela Santo Agostinho do Câmpus da URI, inaugurada 20 anos depois, em 25 de setembro de 1992. Capela ! - não seria obra do destino para aplacar os pecados lá cometidos, ou para homenagear aquele punhado de grandes, pequenos e 'ninguéns' que dali alçaram voos!?. 
Pois, 20 anos depois daquela minha primeira e apavorante aula, uma universidade nascia do empenho, da obstinação e do talento de muitas, muitas pessoas; mas que se pudesse resumir elencaria o trio, Cleo Joaquim Ortigara (Frederico Westphalen), Mara Regina Röesler (Santo Ângelo) e Glenio Renan Cabral (Erechim), o 'Grupo Tarefa', que deu origem e conduziu todo o processo de criação da URI.

Que os Santos da capelinha da URI - velem pelas almas ainda encarnadas ou desencarnadas dàquela primeira turma de Administração de Empresas do Cese/hoje URI - de bispo a prefeitos, de presidentes de partido a candidatos, de funcionários públicos a empresários autônomos, de professores a diretores, de pensadores da esquerda a pensadores da direita, de centristas a liberais, de mestres a frentista. De frentista a jornalista. Por que não!?


Nota: Se alguém sentiu-se ofendido ou não reconhecido, peço escusas, pois a intenção foi de reviver e saudar todos os personagens. Aos leitores minha sincera gratidão, fim maior de quem se aventura a transferir algo por qualquer meio de comunicação social.