Cleo Joaquim Ortigara nos seus 80 anos. |
Nos anos 1950 e 1960 o colono (respeitosamente como era de praxe naquele tempo) produzia de tudo: era trigo, milho, porco, mel, feijão, banha, ovos, vacas leiteiras, melado, arroz, nata, salame, queijo, mandioca, alface, repolho, melancia, laranja, uvas, frangos, cana-de-açúcar e... padres.
Lá
pelos
anos 1950, nos cafundós de Frederico Westphalen, um menino de nome Joaquim foi
selecionado por seus pais para o seminário. "Vai estudar pra padre". Eu andava
pelos cafundós de Sede Dourado e, se a alegria dos pais do menino Joaquim era
igual a dos pais de amigos meus – meu Deus. Aos domingos quando havia missa e a
comunidade se reunia, os pais dos seminaristas que conheci, eram o orgulho (no
sentido de honra), em carne e osso.
O
Joaquim
submeteu-se às regras que não permitiam infrações e ao estudo de todas as
matérias, de tal sorte que jamais teria algo parecido em casa. Padres de batina
preta, dia e noite, minha Mãe do Céu, não temiam nada e, imaginavam – penso eu
que se for diferente já peço perdão aos padres, aos padres é pouco – que
me perdoe o clero todo vindos de todos os cafundós. Como ia dizendo, não temiam
nada, menos seus alunos tirando notas abaixo de 8 ou 10 ou que se desviassem
dos caminhos que eram respirados em regras e normas pelos corredores do
seminário. Eram invisíveis e intocáveis – mas que existiam, existiam. Um aluno
nota 10, que demonstrasse submissão incontestável às leis e ordens internas
vigentes era a colheita perfeita para os “batinas pretas”. Se soubesse tocar um
instrumento ou cantar, então; era certo que já teria seu ingresso em mãos para entrar
direto no céu.
O
tempo foi passando e o pequeno Joaquim crescendo, se desenvolvendo até que um
dia, assim como São Paulo foi atingido por um raio em seu cavalo e ficou cego –
pois com o Joaquinzinho o raio que o atingiu produziu efeito contrário. Ele abriu, e bem – os olhos.
Ao
vislumbrar
um outro horizonte para sua vida, não jogou sua bíblia fora, muito menos o que
aprendeu sobre princípios, valores, amizade, respeito, educação – mas deu-se
conta que sua vocação o chamava para fora do regramento sacerdotal e suas
obediências para fazer jus a uma batina diária ou a um hábito que o
identificasse não apenas como um enviado do Senhor – mas um filho do Senhor,
irmão de Jesus, no entanto destinado a cumprir uma outra missão. Abraçou-a e ao
passar dos anos acabaria comprovando-se um desafio repleto de armadilhas, um
verdadeiro campo minado, que precisava ser superado não para poupar uma perna
ou os pedaços do Joaquim – mas para dar vida nova a centenas de municípios e
milhares de pessoas.
Antes deste aceite missionário, entrou em dezenas ou centenas de salas de aula por sua região para retribuir o que aprendera no seminário – lecionando na ampla área de letras e, repassando ou dividindo com seus alunos e pares -, as melhores práticas de civilidade que remetiam ao respeito, à amizade, a valores para a convivência em sociedade, a princípios humanitários e à confirmação mais que a uma religião – à um profundo sentimento de fé em um Deus. Um homem de diálogo que não se deixa guiar pelo sempre afrontoso oito ou 80.
Ao
contrário
de textos anteriores, não queria estender-me por demasiado, mas como disse um amigo que hoje mora no céu, "não leio o Ody porque ele é muito prolixo". Pior que isso é que gosto de ser. E então para apressar, já
pulo do Joaquim com seus 10 ou 15 anos, para um Cleo com seus 47 anos e o elejo
como, muito provavelmente, uma das figuras mais importantes – se não a mais -,
na transformação de toda uma imensa região do estado – Alto Uruguai, Médio Alto
Uruguai e Missões -, quanto à própria
ressurreição educacional (não que estivesse morta – mas encontrou um novo viés)
ao costurar um acordo memorável que deu origem à FuRI e à URI.
Não
foi com uma agulha
apenas e com só uma mão que esta obra nasceu e vem se desenvolvendo. Inúmeros
foram os atores que desempenharam papéis, nem todos de mocinho. Como num filme,
mesmo tendo um final feliz em 19 de maio de 1992 – o longa viveu cenas de
aventura, de ação, de suspense, de terror, de fantasia, de espionagem, de
ficção, de momentos de quase western, de comédia, de quase guerra, de suspense
para sacramentar-se como uma obra baseada em fatos da vida real.
Convencer
entidades educacionais de ensino superior que já tinham suas mantenedoras, a
abrirem mãos delas para construir em parceria uma nova – ora isso era muito
mais Joaquim um dia padre, jamais conseguiria mesmo rezando sua
melhor missa. Colocar essa ideia na cabeça de prefeitos, de políticos, de
professores, de instituições empresariais com seus objetivos específicos, de
jovens, adultos e idosos, de homens e mulheres, de bispos e pastores das mais
diferentes representações evangélicas, convencê-los não a renunciarem aos seus
passados, mas a virar as páginas destes e irmanarem-se numa jornada insabida –
era um desafio que exigia mais que uma batina preta.
Afora
essa
verdadeira barca de Noé, dependia ainda e, fundamentalmente de costurar
políticas em Brasília, e de aceites ou sims de governos, em especial do governo
Federal através de autoridades do MEC. Isso daí já era pano para bem mais que
uma agulha – e foram dezenas ou mais -, que aceitaram o fio da concordância,
porém, sempre contando na linha de frente com um ex-Joaquim, agora Cleo; um gringo
teimoso e obstinado por completar sua missão.
Nove vez fora todos os detalhes que cercaram esta extraordinária obra, que a bem da justiça teve ainda na linha de frente Glenio Cabral por Erechim e Mara Rösler por Santo Ângelo – e reitero, com dezenas ou centenas de outros figurantes e cada um com um papel específico -, o fato é que nem Erechim, nem Santo Ângelo, nem Frederico Wesphalen, nem Santiago e, nem São Luiz Gonzaga e Cerro Largo – e nenhum dos mais de 100 municípios desses arredores -, seriam o que são hoje. Eu sei, não sou tolo para reconhecer que cada uma dessas cidades e localidades não é só educação, não é só Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões. Mas sei também que – feche os olhos e pense na cidade que quiser dessas aí, sem a URI. Pois é!
Irmão Valmor e filhos Francisco e Eduardo |
Filhos Francisco e Eduardo. Teve até torta. |
Aplausos durante o "Parabéns a você". |
Os colonos de ontem são hoje - agricultores ou empresários rurais. Mesmo que muitos continuem produzindo o que produziam nos anos do Joaquim seminarista – a questão é que estão nos tempos de Cleo/80 -, tempos de produção tecnológica, vivem uma vida em tempo real, um tempo onde os acontecimentos do outro lado do mundo estão na palma da nossa mão. Mas atenção – pois a vida de internet, maquinário agrícola com controle remoto, celular e Inteligência Artificial, assim como aquela de cheiro de chiqueiro, salame defumado em porão fresco, alfafa e arado -, como diria Kafka pode não passar de uma realidade, mas de aparência - porquanto tudo ainda encontrará seu fim.