(Lembranças em tempos de confinamento)
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Um dia escrevi que seria difícil subir
com um gol de Ademar. Foi sobre a Batalha dos Aflitos. Deixaram para o zagueiro
Ademar do Náutico, aquele pênalti que o Galatto pegou. Pois, eu que me chamo
Adelar – nomezinho que também não recomenda decidir jogos importantes -, posso
falar de cadeira: corriam os anos 1960 (entre 1966 e 68) e o infanto-juvenil do Atlântico jogava
contra a Cruzada (formaram um time de futebol de campo ao menos naquele dia) na Baixada Rubra. Eu era o capitão do Atlântico.
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A partida estava empatada em 1 a 1 (nosso goleiro Toca já
tinha pegado um pênalti), quando deu um pênalti a nossa favor. – Bate o
Abeeeeeeeeeelar, gritou nosso técnico, o uruguaio massagista do Atlântico, seu
Martin.
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Eu era centro-médio de não errar passe.
Era calmo, mas reclamava do juiz e
cobrava o grupo.
Era capitão do time.
E era o batedor oficial de pênaltis.
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Foi naquele dia que antevi em quase 40
anos, por que os batedores oficiais do Náutico deixaram a encrenca para o
Ademar.
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Naquele sábado à tarde lá na Baixada, eu
senti minha perna com mais de 100 quilos assim que deu o pênalti.
Batia pênaltis todos os dias e era raro
errar, mas na hora da decisão não tive coragem – ainda mais contra a Cruzada.
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- Bate o Zeca, disse eu. O Zeca do Mato
da Comissão, era o nosso meia-esquerda, o melhor jogador do time e um dos
melhores já formados em Erechim.
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- Má nem falá, disse o Zeca. Eu é que
não bato...!
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E foi então que o nosso quarto-zagueiro,
Paulo Sonora (apelido de marca de um picolé na cidade), um caxiense com fala e jeito de malandro veio lá de trás da
defesa correndo como só os antigos boleiros, cheios de gingas, sabiam fazer: -
deixa que eu bato!, disse, e logo a maioria do time (que não queria bater o
pênalti) se levantou. Báááá, o Paulo não... o Paulo vai botá lá no Mantovani!
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E como nem eu, nem o Zeca nos dispomos a
bater, lá se foi o nosso quarto-zagueiro. O goleiro da Cruzada parecia maior
que a goleira. Só se via as traves e os cinamomos que davam para o Mantovani.
Estava 1 a
1 e meio time nosso virou de costas.
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O Paulo Sonora botou a bola na marca do
pênalti, começou a morder mais ainda o seu chiclet e foi indo para trás, e foi,
e foi, e foi... até parar na meia lua.
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Eu que batia sempre a três passos da
bola (nos treinos) já via a bola do Paulo lá no Mantovani. Ele correu, e correu
e tuuuuuuummmmmmmm – bummmmmmrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr! A bola saiu como num
tiro de meta e foi no meio do gol... alta... roçou o travessão e todos os nós
da rede. Meio centímetro mais para cima e daria no travessão. 2 a 1 para nós contra a toda
poderosa Cruzada.
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É por isto que firmei uma convicção
sobre pênalti: bate sempre quem tiver mais confiança na hora. Jogador que se
considera jogador e não souber bater pênalti tem que largar. Talvez por isso
larguei. Todos os 11 devem saber bater – mas deve bater sempre quem estiver
mais confiante.
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Se a perna pesar, se o coração disparar,
se o suor correr gelado pelo corpo – não bata.
Deixe que o batedor de tiro de meta
bata, se ele achar que o pênalti é como um tiro de meta. É difícil e arriscado
fazer uma tese sobre pênalti mal batido ou bem batido. Tem o pênalti que é gol.
Ou é gol ou é o fim.
Três cobradores de pênalti guardo na
memória: Noronha (Atlântico), batia colocado à meia altura; Dirceu (Ypiranga),
batia muito forte em qualquer lugar, e Lula (Inter), colocado a centímetros de
qualquer poste, com meia força e no chão.
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Só pra matar e curiosidade, aquele infanto-juvenil
do Atlântico teve: Toca; Paulo, Facão (João Cláudio Fachini), Paulo Sérgio da
Silveira (Paulo Sonora) e Zé Pirulito; eu e o Zeca do Mato;
Sidney, Toninho Dal Prá, Paulo Madalozzo e Glenio Sebben. Na prática, Toninho Dal Prá e Glenio Sebben ajudavam o meio campo e partiam de trás para juntar-se ao ataque. Técnico: ‘Seu Martin’ – um
uruguaio massagista dos profissionais do Atlântico.
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Em nomes o time da Cruzada era melhor. Tinha
Dimorvan, Poletto & Cia. O Paulinho (Carpegiani) não jogou. Mas
o nosso time, que também tinha bons jogadores – Zeca (que o Inter quis levar um
dia e ele não pode ir), Toninho Dal Prá, Paulinho Madalozzo e o goleiro Toca -,
pois o nosso time, contava com a força do conjunto. Treinos e partidas – sempre
mantendo aquele aquela base. Cada um tinha sua função e cada um sabia onde o
outro estava e o que ele podia fazer. Lembro que dois sábados antes de ganharmos
da Cruzada por 3 a 1, pegamos um adversário de um bairro da cidade e metemos 11
a 0. Mas, sem dúvida, aquela vitória nossa sobre a Cruzada, naquele sábado na
Baixada, foi como uma espécie de Inter 1, Barcelona 0. Eles não levaram muito a
sério e pra nós foi o jogo da vida. E isso pode decidir jogo.