quinta-feira, 2 de abril de 2020

Quando o Atlântico bateu a Cruzada


(Lembranças em tempos de confinamento)


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Um dia escrevi que seria difícil subir com um gol de Ademar. Foi sobre a Batalha dos Aflitos. Deixaram para o zagueiro Ademar do Náutico, aquele pênalti que o Galatto pegou. Pois, eu que me chamo Adelar – nomezinho que também não recomenda decidir jogos importantes -, posso falar de cadeira: corriam os anos 1960 (entre 1966 e 68) e o infanto-juvenil do Atlântico jogava contra a Cruzada (formaram um time de futebol de campo ao menos naquele dia) na Baixada Rubra. Eu era o capitão do Atlântico.

2

A partida estava empatada em 1 a 1 (nosso goleiro Toca já tinha pegado um pênalti), quando deu um pênalti a nossa favor. – Bate o Abeeeeeeeeeelar, gritou nosso técnico, o uruguaio massagista do Atlântico, seu Martin.

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Eu era centro-médio de não errar passe.
Era calmo, mas reclamava do juiz e cobrava o grupo.
Era capitão do time.
E era o batedor oficial de pênaltis.

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Foi naquele dia que antevi em quase 40 anos, por que os batedores oficiais do Náutico deixaram a encrenca para o Ademar.

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Naquele sábado à tarde lá na Baixada, eu senti minha perna com mais de 100 quilos assim que deu o pênalti.
Batia pênaltis todos os dias e era raro errar, mas na hora da decisão não tive coragem – ainda mais contra a Cruzada.

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- Bate o Zeca, disse eu. O Zeca do Mato da Comissão, era o nosso meia-esquerda, o melhor jogador do time e um dos melhores já formados em Erechim.

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- Má nem falá, disse o Zeca. Eu é que não bato...!

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E foi então que o nosso quarto-zagueiro, Paulo Sonora (apelido de marca de um picolé na cidade), um caxiense com fala e jeito de malandro veio lá de trás da defesa correndo como só os antigos boleiros, cheios de gingas, sabiam fazer: - deixa que eu bato!, disse, e logo a maioria do time (que não queria bater o pênalti) se levantou. Báááá, o Paulo não... o Paulo vai botá lá no Mantovani!
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E como nem eu, nem o Zeca nos dispomos a bater, lá se foi o nosso quarto-zagueiro. O goleiro da Cruzada parecia maior que a goleira. Só se via as traves e os cinamomos que davam para o Mantovani. Estava 1 a 1 e meio time nosso virou de costas.

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O Paulo Sonora botou a bola na marca do pênalti, começou a morder mais ainda o seu chiclet e foi indo para trás, e foi, e foi, e foi... até parar na meia lua.

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Eu que batia sempre a três passos da bola (nos treinos) já via a bola do Paulo lá no Mantovani. Ele correu, e correu e tuuuuuuummmmmmmm – bummmmmmrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr! A bola saiu como num tiro de meta e foi no meio do gol... alta... roçou o travessão e todos os nós da rede. Meio centímetro mais para cima e daria no travessão. 2 a 1 para nós contra a toda poderosa Cruzada.

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É por isto que firmei uma convicção sobre pênalti: bate sempre quem tiver mais confiança na hora. Jogador que se considera jogador e não souber bater pênalti tem que largar. Talvez por isso larguei. Todos os 11 devem saber bater – mas deve bater sempre quem estiver mais confiante.  

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Se a perna pesar, se o coração disparar, se o suor correr gelado pelo corpo – não bata.
Deixe que o batedor de tiro de meta bata, se ele achar que o pênalti é como um tiro de meta. É difícil e arriscado fazer uma tese sobre pênalti mal batido ou bem batido. Tem o pênalti que é gol. Ou é gol ou é o fim.
Três cobradores de pênalti guardo na memória: Noronha (Atlântico), batia colocado à meia altura; Dirceu (Ypiranga), batia muito forte em qualquer lugar, e Lula (Inter), colocado a centímetros de qualquer poste, com meia força e no chão.

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Só pra matar e curiosidade, aquele infanto-juvenil do Atlântico teve: Toca; Paulo, Facão (João Cláudio Fachini), Paulo Sérgio da Silveira (Paulo Sonora) e Zé Pirulito; eu e o Zeca do Mato; Sidney, Toninho Dal Prá, Paulo Madalozzo e Glenio Sebben. Na prática, Toninho Dal Prá e Glenio Sebben ajudavam o meio campo e partiam de trás para juntar-se ao ataque. Técnico: ‘Seu Martin’ – um uruguaio massagista dos profissionais do Atlântico.

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Em nomes o time da Cruzada era melhor. Tinha Dimorvan, Poletto & Cia. O Paulinho (Carpegiani) não jogou. Mas o nosso time, que também tinha bons jogadores – Zeca (que o Inter quis levar um dia e ele não pode ir), Toninho Dal Prá, Paulinho Madalozzo e o goleiro Toca -, pois o nosso time, contava com a força do conjunto. Treinos e partidas – sempre mantendo aquele aquela base. Cada um tinha sua função e cada um sabia onde o outro estava e o que ele podia fazer. Lembro que dois sábados antes de ganharmos da Cruzada por 3 a 1, pegamos um adversário de um bairro da cidade e metemos 11 a 0. Mas, sem dúvida, aquela vitória nossa sobre a Cruzada, naquele sábado na Baixada, foi como uma espécie de Inter 1, Barcelona 0. Eles não levaram muito a sério e pra nós foi o jogo da vida. E isso pode decidir jogo.