segunda-feira, 13 de abril de 2020

Quem se lembra das Uvas-Japão da Baixada!?


 Muda De Uva Japonesa - R$ 35,00 em Mercado Livre
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Certa feita, pesquisadores e discentes do Programa de Pós-Graduação em Ecologia da URI foram em expedição ao Chile visando coletar dados sobre espécies invasoras daquele país, bem como analisar dados de distribuição de espécies invasoras no Brasil. Em especial, o trabalho buscava uma compreensão maior sobre a distribuição e modelagem de nicho da Uva do Japão, uma espécie arbórea muito conhecida e utilizada no Alto Uruguai, para diversas finalidades.
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Por se tratar de uma espécie invasora, os pesquisadores queriam entender o impacto que esta árvore pode trazer aos remanescentes florestais no sul do Brasil.
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Antes disso, um grupo de pesquisadores permaneceu junto à URI por cerca de dois meses. Depois, com a expedição ao Chile, os pesquisadores brasileiros visavam modelar a distribuição mundial da árvore e, em especial, no sul do Brasil.
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Eu não lembro de uma concentração maior, de pés de Uva-Japão, do que havia nos anos 1960/70 atrás das arquibancadas à esquerda do pavilhão, ou, como queiram, 'na goleira de cima' do campo do Atlântico que dá para a Torres Gonçalves na velha e extinta Baixada Rubra, no centro da cidade. O mesmo que... 'falecido' foi. (Para quem não é de hoje... os as árvores ficavam onde hoje estão as churrasqueiras do parque poli-esportivo).
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Nunca contei e nunca ouvi falar quantas árvores seriam, mas com certeza somavam dezenas. Quando a fome batia ou seria só vontade de mastigar alguma coisa, não se corria ao mercadinho mais próximo para alcançar o salgadinho da hora, nem o refri, pastel ou sanduíche natural. Nada de chatear os pais por um dinheirinho para comprar isso ou aquilo. Que nada. Pra que industrializado – se a naturalidade era a Uva-Japão!?
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Quantos gols aqueles pés de Uva-Japão devem ter testemunhado na Baixada Rubra? E quantas uvas nós apanhamos em fins de treinos quando o técnico botava os atacantes para testar a pontaria que era para ser no Miguel, no Paulinho, no Popy, no Valdir (goleiros  do Atlântico na minha infância) – e vá Uva-Japão descendo dos galhos para nossas mãos, por conta da falta de pontaria dos atacantes verde-rubros.
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Como a Uva-Japão veio parar com tamanha presença no Alto Uruguai é o que os pesquisadores da URI e do Chile pretendiam descobrir com aquele intercâmbio. Na Baixada nem precisam mais ir, porque lá, não só as uvas como as árvores foram engolidas por projetos mais modernos. Se alguma coisa sobrou talvez tenha sido em nome de outra modernidade: preservação da natureza – ou pelo fato que agora se pesquisa: trata-se de uma espécie perigosamente invasora, que reduz a diversidade das matas nativas e se multiplica rapidamente. Que tempos eram aqueles!
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Sentado na arquibancada de madeira e a 10 metros do Tomasi, do Noronha, do Índio, do Garcia, do Tiassa, do árbitro, da copa do Alemão Preto e suas Serramaltes, do amendoim do ‘Véio Gravi’, do cheiro de éter nas pernonas e canelas dos atletas, e do gramado. Tudo, tudo sob a sombra fechada das folhas verde-escuras dos pés de Uva-Japão – ou como diz a nomenclatura oficial – Uva do Japão.
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Invasoras ou não, me foram úteis para encher a barriga no meio das tardes, entremeadas com os coquinhos cor do Ypiranga em dia de sol. Quem diria que um dia faria matéria para a imprensa a respeito de pós-graduandos de uma universidade indo ao Chile para tentar descobrir mais coisas sobre a Uva do Japão?
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Mas uma coisa eu garanto: mesmo que não fosse matéria para universidade, um dia, eu acabaria escrevendo sobre aquelas frutas com formato de dedos destroncados, levemente encorpados e adocicados que nos 'matavam a fome', ou enganavam a barriga. E ainda por cima era Uva-Japão até encher e, de graça!
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O mundo pode não ser mais o mesmo dàqueles tempos. E não é. Alias, não é nem sombra do que foi. Quem viveu aquilo, não obstante, pode bater no peito que não precisa ir ao Chile para saber sobre as Uva-Japão. Embora os pés de Uva-Japão da falecida Baixada Rubra também tenham sido abatidos tal qual rês no extinto matadouro do Progresso, ou dos frigoríficos da saudosa Cotrel, em nome da economia, de saciar a fome, dos mercados além-estado, ou, até, digamos - do avanço, do novo; a memória, sim - esta, sempre ela, escapa às facas e facões, adagas ou serrotes, machados ou retroescavadeiras, pela singela razão que de intengível, assim o ser como o vento, como o ar que nos mantém vivos. 
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E assim como se lembra ainda hoje das extintas Uvas-Japão da Baixada, um dia haverá de lembrar - talvez com igual ou maior reverência - do que veio para tirá-las de cena e expulsá-las do grande palco da vida citadina. 

Pequenas ou grandiosas alterações da paisagem daquilo que foi e, sem importar as razões, a memória, sempre ela - ainda reina e haverá de reinar como um patrimônio; que de ninguém pode ser tirado, modificado ou sacrificado. 
Ela, sempre ela, a memória, nos representando mais que teoria - um lenitivo de calmaria à nossa consciência, às nossas lembranças, ao nosso passado, ao nosso coração.
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Quem se lembra das Uvas-Japão da Baixada?
Eu. 
Eu me lembro. 
Obrigado por fazerem parte da minha vida.