sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Rei Pelé no Colosso da Lagoa.

 

Danton Hartmann,  Pelé, Isaac Osório e Francisco Basso Dias (Chico), ao fundo.
Foto/Ypiranga FC 



Pelé com Nilsa e Jovino Alves Martins (Reconhecido radialista)/Foto/Arquivo


Dr. Danton Hartmann, Pelé e erechinenses. ao lado do Patrono do Ypiranga na época, senhor  Hermes Campagnollo. /Foto/Arquivo



Eu tinha 17 anos. 

Estava no Colosso da Lagoa.

Trabalhava no Posto Atlantic como frentista.

Pertinho do Hotel Erechim.

Ali estava hospedado o Santos - ou melhor - 

o maior jogador de futebol da história.

Tudo girava em torno de Pelé.

As ruas Valentim Zambonato e Tôrres Gonçalves 

foram fechadas na quadra próxima ao hotel.

A segurança era quase como normal,

sem estardalhaços.

Pelé saiu para vários compromissos.

Tirou fotos ao lado de pessoas e de 

erechinenses com suas famílias.

Era um cavalheiro.

Um modesto com coroa de rei.

Ali já era um dos homens mais

reconhecidos do globo terrestre.

Nascido em família pobre e de negros,

através da sua genialidade foi coroado rei 

- rei do futebol.

As maiores personalidades políticas, econômicas,

religiosas, do entretenimento e sociais, do seu

tempo - estiveram com ele.

Pelé chegou a Erechim e foi embora deixando

sua marca nas redes recém colocadas pelas

primeira vez no Colosso da Lagoa e nos corações

dos erechinenses que conseguiram ter acesso a

ele sem cerimônias - e não foram poucos.

Pelé estava no jogo inaugural do novo estádio.

Era uma quarta-feira de lua e céu estrelado.

Antes de entrar em campo, ainda nos vestiários,

os dirigentes do Santos exigiram o pagamento

da cota para o amistoso.

Talvez o Ypiranga se programara para pagar a 

cota ao final da partida.

Dirigentes do Ypiranga correram e alcançaram 

dois cheques de 50 mil cruzeiros cada um

e aí o Santos - com Pelé em carne osso -,

apareceu na boca do túnel e, na retina do

público que estava no estádio, permanece até hoje.

Erechim, a Campo Pequeno, imaginem só, deu cama,

comida, abraços, e abriu-se para uma apresentação de 

luxo daquele que é para todo o sempre, insuperável, no

futebol.


         Pelé com Nilton Campagnolo; 
         Nilton Campagnolo, Alzira e Hermes Campagnolo. No colo de Pelé, Daniela Campagnolo Fonte: Arquivo de Família           


Repórter Dary Ivo Schaeffer (ainda sem seu famoso bigode) entrevistou Pelé. Foto/Arquivo Familia

Santos 2  x  0 Grêmio (1º Jogo)

 

Era dia 2 de setembro. 

Ano: 1970. 

Havia cerca de 60 dias que o Brasil conseguira seu maior feito no futebol mundial. A conquista da Jules Rimet em definitivo. O título da Copa do Mundo do México.

 

Jogadores extraordinários corriam pelos gramados do Brasil naqueles anos. Pesquisas apontam a seleção de 1970 como o 1° ou o 2° melhor time de todos os tempos no mundo.

 

Em Erechim o Ypiranga F. C. concluía seu majestoso estádio. Um festival de jogos foi organizado, reunindo a maioria dos maiores jogadores em atividade no Brasil. Oito deles eram da seleção tricampeã e viriam para jogar no magnífico estádio.

      

Quando o 2 de setembro chegou, Erechim tinha 48.677 habitantes. Moravam na cidade 34.517 pessoas. Dizia-se que toda a população cabia no estádio, o que jamais foi verdade e por duas razões: 1) A cidade tinha mais de 30 mil habitantes. 2) Jamais o belo estádio conseguiu receber mais de 25 mil pessoas, configurando como lotação máxima.

 

Naquela bonita noite já com ares de primavera, Colosso da Lagoa ficou longe da sua lotação máxima. Talvez por conta dos preços considerados altos para os padrões interioranos. Luiz Pungan, patrono do clube e falecido em 2017, lembrou que os carnês para o festival foram colocados à venda por Cr$ 66. Não era barato. Muita gente comprou em prestações. Mas foi um evento inesquecível.

 

O Santos venceu o Grêmio por 2 a 0. Pelé aos 45 minutos do 1º tempo e Léo aos 35 do 2º tempo marcaram os gols.

      

O gol de Pelé foi o 1.040 na sua carreira. Um repórter da equipe esportiva da Rádio Tupi (SP) conhecida como a equipe esportiva 1.040 invadiu o gramado e colocou uma camisa nº 1.040 no “rei” do futebol que também está na história do Colosso da Lagoa como o autor do primeiro gol do estádio.

      

Os times

Santos: Edevar; Carlos Alberto, Ramos Delgado (Paulo), Djalma Dias e Rildo (Turcão); Léo e Lima (Nenê); Davi, Douglas (Picolé), Pelé e Abel.

      

      

Grêmio: Breno; Espinosa (Ivo), Ari Hercílio, Beto e Jamir (Di); Jadir e Everaldo (Paíca); Flecha, Caio, Alcindo e Loivo.

      

Árbitro: Roque José Gallas.

Renda: Cr$ 200 mil



       Pelé com erechinenses e crianças./foto/Arquivo.




 Pelé com a família Zardo. Arquivo da Família Olírio Zardo.

 


Pelé com Danton Hartmann e Francisco Basso Dias da rádio Difusão/foto/Arquivo

Onde eles estavam quando Pelé esteve aqui

(Quando escrevi a história do Colosso da Lagoa e o Festival de Inauguração em 2020 - 50 anos do Colosso - falei com várias pessoas sobre onde elas estavam naqueles dias de 1970. Algumas - hoje - também já não estão mais entre nós, assim como o Rei do Futebol. Vamos lembrar onde estavam?)

 

       Em 2000 eu fundei um jornal. O J.Albet em homenagem ao meu pai – Alberto, mas que em alemão, e me acostumei assim, pronuncia-se Albet. O jornal teve vida curta por falta de apoio na cidade. As poucas edições que saíram – tratavam cada uma de um tema específico. E um deles foi dedicado aos 30 anos do Colosso da Lagoa. Naquele período ouvi algumas pessoas que deram seu depoimento sobre onde estavam há 30 anos. Reproduzo aqui, com a licença, adaptando para 2020. E colhi novos depoimentos sobre pessoas que não foram ouvidas em 2000 nos 30 anos Colosso.

 

 Prefeito vendia loteria em 1970

 Luiz Francisco Schmidt tinha 16 anos em 1970. Nasceu no dia em que Getúlio Vargas, supostamente, se matou. Jamais poderia sonhar que no cinquentenário do estádio seria o prefeito da cidade. “Sim, estive no estádio algumas vezes durante a construção e, também em ou dois jogos do festival. Não vi o gol do Pelé. Apenas ouvi pelo rádio”, recorda-se Schmidt.

Em setembro daquele ano “eu trabalhava na fábrica de móveis da minha família. Estudava no 1º ano do Científico. Também vendia loteria esportiva, recolhendo as apostas e os volantes para perfurar em São Paulo. Trabalhava também com artesanato de couro e, o melhor da vida naquela época eram os ensaios e apresentações da Banda Marcial do Colégio Mantovani”, destaca aquele que hoje não é só prefeito do município e, mas um desportista que nos últimos, não perde um jogo no Colosso da Lagoa podendo sempre ser encontrado nas cadeiras do Colossão.

 

Atlantista só viu a goleada do Botafogo

 

- Eu estava com 16 anos. Imagina. Era estudante, trabalhava e era torcedor do CER Atlântico. Gostava do que todo mundo gostava naqueles anos: cinema e futebol.

        No festival de inauguração só pude ver Internacional e Botafogo. Em setembro de 1970, Erechim viveu um grande momento de sua história. Mostrou para o Estado e para o Brasil, o dinamismo e capacidade empreendedora de sua gente aqui representada pela família verde-amarela. Nesta época, como todo mundo, eu vibrava muito com o grande momento de nossa história.

        O Colosso da Lagoa foi uma grande obra idealizada e construída por um grupo de pessoas empreendedoras com ideias arrojadas e que deixaram uma marca indiscutível neste trabalho. Sem dúvidas – o Colosso da Lagoa é uma das maravilhas de Erechim. (Júlio Cezar Brondani hoje é o presidente do CER Atlântico).

 

 Visionário e líder empresarial trabalhava na roça

 

        Quando o rei do futebol pisou no gramado do Colosso da Lagoa em 2 de setembro de 1970 – o líder empresarial e diretor de uma das maiores editoras de livros do Brasil – carpia na roça.

        Jaci José De Lazzari tinha 18 anos. Morava com os pais e irmãos em Lajeado Ipiranga no interior de Campinas do Sul. Caminhava quase 10 quilômetros de manhã para ir à escola. De tarde – no cabo de uma enxada, a roça. Aos domingos se divertia jogando futebol e nas festas de igreja.  Não conhecia nada de Erechim, mas já acalentava um sonho. Naquele ano terminaria o ginásio e queria estudar no Mantovani – preparando-se para fazer Engenharia.

- Aí os livros atrapalharam a minha vida, disse Jaci De Lazzari, fazendo uma frase de efeito. Sim, porque quem conhece sua vida sabe que foi pelos livros que o jovem colono saltou para ser um dos empresários de maior sucesso que esta cidade já viu, e por que não, talvez o maior empreendedor de Erechim pós anos 1970.

        Para Jaci De Lazzari, que acompanhou o festival de inauguração do Colosso da Lagoa só pelo rádio, lá no interior de Campinas do Sul, o estádio não foi um exagero. “As obras de sucesso não são para a sua época. O Colosso da Lagoa estava à sua frente do seu tempo no mínimo 50 anos”, afirma aquele que viria a ser chamado de “visionário” em Erehcim no meio empresarial. E não é que também aqui tinha razão! Ele seria nãos mais tarde o mentor e o executivo do Pólo de Cultura.

        

Empresário já era 'elétrico' em 1970

 

        Em 1970, Osmar Tonin, diz que já “era muito elétrico”. Quando o Colosso da Lagoa foi inaugurado – Osmar tinha 16 anos, mas já naquele tempo era torcedor do clube verde-amarelo.

        Estudante, gostava mais de futebol do que cinema. Seu hábito de fim-de-semana era igual a da maioria da gurizada daqueles anos inesquecíveis. Cine Ideal ou cine Luz – mas, principalmente, reuniões-dançante ao som dos “Beatles”.

- Tinha uma turminha onde nos reuníamos no mínimo duas vezes por semana para as festinhas animadas ao som dos “Beatles”, recorda.

        Outro hábito que o garoto de então cultivava, era ouvir programas de esporte pelo rádio. “Não perdia um Mundo Esportivo’ – programa de esportes da Rádio Erechim”, recorda.

        Formado em Engenharia Eletrônica, o Colosso da Lagoa “foi um projeto arrojado”. Segundo Osmar – que já presidiu o clube e sempre com  participação ativa  -, o estádio foi e continua sendo ainda um “ponto turístico” em Erechim.

 

Filha de fundadora viu desenvolvimento

 

        Maria Amorim Smaniotto sabia tudo sobre o Ypiranga. Filha da fundadora do clube, Ercília Di Francesco Amorim, “dona Maria” tinha 44 anos em 1970.

        Trabalhava no cartório do pai, José Maria Amorim, um dos fundadores do clube. Dona Maria já nasceu ypiranguista. Assistiu a todos os jogos de inauguração, mas não esquece de Grêmio e Santos e o gol 1.040 de Pelé.

        Para ela, o estádio não foi um exagero. “Foi uma obra arrojada e que projetou Erechim nacionalmente”.

        Mas dona Maria via outra vantagem que o Colosso da Lagoa trouxe à cidade: “O desenvolvimento do trecho compreendido entre a Praça da Bandeira e o Colosso começou com o estádio. Os terrenos se valorizaram e hoje vemos ali, grande parte do comércio. Concentra também o maior movimento de jovens. O Colosso da Lagoa foi a alavanca desta parte da cidade. Também trouxe outros eventos esportivos e culturais para Erechim”.

 

O patrono do clube

 

        Hermes Campagnolo, que foi patrono do Ypiranga F. C. era um homem de “ferro”. Tinha 58 anos em setembro de 1970. Era  casado com Pepita – com quem gerou dois filhos: Nilton Edison e José Antônio.  Entre as atribuições da época neste episódio da história ypiranguista e citadina, Hermes Campagnolo comandava a Comissão de Finanças que permitiu, graças a uma gestão de sucesso, a construção do estádio.

        Diariamente, após o trabalho na direção do Frigorífico Boavistense, Hermes Campagnolo teve durante quase sete anos o mesmo programa: seguir diariamente até o fim da avenida Sete de Setembro acompanhar as obras.

        Quando entrevistei em 2000 o dr. Hermes entendia que o  clube adquiriu um grande patrimônio e com muita competência e seriedade, “construímos um estádio com base na grandeza do Ypiranga”. Erechim ficou conhecida nacionalmente e fora do país com a inauguração do estádio olímpico – lembrando que oito campeões mundiais do México estiveram nos jogos inaugurais.

- Entendendo que o estádio significa um ponto turístico e um orgulho para Erechim – Hermes Campagnolo teve a honra e a responsabilidade de representar o clube na condição de seu patrono.


Um repórter entre os astros

 

        Osvaldo Afonso Chittolina estava há seis anos na rádio Erechim. Fora levado pelo narrador Edivar Francisco Ápio. Em setembro de 1970 – aos 26 anos – Chittolina abriu o mês com uma missão inesquecível para quem estava acostumado a cobrir o nosso futebol doméstico.

        Na pista do aeroporto, o intrépido repórter rompeu a discreta segurança e colocou o microfone na boca de Pelé. O maior jogador de futebol que o mundo já viu, recém estava contando as diabruras que fizera havia menos de dois meses pelos gramados do México.

J. B. Scalco, (já falecido) um dos maiores fotógrafos jornalísticos que o país já teve, imortalizou a cena do jovem repórter interiorano com o “rei’ do futebol”. No dia seguinte, Osvaldo Afonso estava nas páginas da Folha Esportiva da capital e, claro, pelo Brasil porque aonde Pelé seguia, as objetivas iam atrás.

        Chittolina contou-me em 2000, que de abertura do mês de setembro as rádios só falavam no evento. “Passei uma semana entrevistando jogadores famosos (Pelé, Tostão, Jairzinho...), dirigentes, autoridades”. Quando Pelé fez o primeiro gol no Colosso, Osvaldo Afonso saiu correndo atrás do repórter da Rádio Tupi, invadindo o gramado. Era a marca do verdadeiro repórter.

        Na opinião do repórter, o Colosso da Lagoa poderia ter sido feito um pouco menor, permitindo que o restante da infra-estrutura de lazer também fosse implantada. “O estádio projetou Erechim. É raro receber um visitante que não pergunte para ir ver de perto o estádio”, acrescenta.


Futuro reitor da URI acompanhava pela Difusão


Cleo Joaquim Ortigara, já era casado em 1970. Residia em Frederico Westphalen, onde lecionava e estudava. Antes disso, em 1961 e 1962, foi aluno no Seminário Nossa Senhora de Fátima. “Lembro bem que a Sete de Setembro, em frente ao Seminário, ainda não tinha pavimentação, muito menos asfalto. Onde foi construído o Colosso da Lagoa era um descampado, um banhadal. Lembro da rivalidade entre Ypiranga e Atlântico. Soube sobre o estádio pelo Correio do Povo. Sempre que possível ia ao estádio, gostava de esportes. De 1990 até deixar Erechim acompanhava de perto os diferentes momentos do Ypiranga. Meu rádio estava sintonizado na Difusão. Pessoalmente, não interagi mais com o clube por pura falta de tempo”. (Cleo Joaquim Ortigara – membro do Grupo Tarefa que implantaria a URI em 1992; de 1990 a 1992 foi coordenador dos Centros Integrados do Alto Uruguai e das Missões, e primeiro reitor da URI de 1992 a 2002).

 

Ypiranga no sangue

 

Eu tinha 16 anos no dia 2 de setembro de 1970, recém o Brasil havia se sagrado Tri campeão mundial no México. E Erechim estava recebendo quase todos os titulares daquela que foi a melhor seleção brasileira de futebol de todos os tempos. E tinha o Rei! Pelé já era reverenciado em todo o planeta, era marca de produtos brasileiros, referencia mundial no futebol. E estava ali, na nossa cidade, no nosso estádio que estava sendo inaugurado para orgulho dos erechinenses.

Eu estudava o primeiro ano do curso científico no Colégio Estadual Professor Mantovani no período da manhã e simultaneamente cursava Contabilidade à noite no Colégio Medianeira.

Assisti ao jogo Grêmio e Santos na quarta feira dia 2. No dia 06.09.1970, eu completava 17 anos, e fui ver Internacional e Botafogo. Na outra quarta-feira, dia 9, o professor (não vou citar) que não gostava de futebol, prometeu dar zero na nota para quem faltasse à sua aula para ir ao futebol! Depois ficamos sabendo que ele ficou sozinho na sala de aula naquela noite. Era o Cruzeiro de Tostão, Piazza e Zé Carlos, timaço contra os argentinos do Independiente.

Passaram 50 anos....Nesse meio tempo ( foi ontem!!!!) dediquei alguns anos de minha melhor idade para dirigir o Ypiranga Futebol Clube. Três anos como presidente e, muitos outros em outros cargos diretivos. Muito prazer me deu, nosso grupo de trabalho era grande e entusiasta!

E o Canarinho aí está, hoje competindo à nível nacional sob a presidência do nosso querido amigo Adilson Stankievicz, melhor presidente da história recente, pela sua inteligência, sensibilidade, dedicação e paixão com que se dedica ao nosso Canarinho! Feliz em estar acompanhando essa história de sucesso, parabéns jovem Colosso da Lagoa pelos seus 50 anos, parabéns Ypiranga FC! (Antonio Luiz Dal Prá – da Família Dal Prá – ypiranguistas históricos).

 

Presidente do Conselho – Célio Fahl


Quando da inauguração do Nosso Colosso da Lagoa, que chegou a ser chamado de “Estádio Olímpico”, minha Família tinha um estabelecimento comercial (bodegão), chamado Bar Amarelinho, na Avenida Pedro Pinto de Souza - próximo à Praça Dalto Filho. E como não poderia deixar de ser, o comentário futebolístico na época era, além do Tricampeonato do Brasil no México e da supremacia do Atlético Mineiro no Robertão, era a inauguração do Colosso da Lagoa, ou melhor....a vinda do Rei Pelé para Erechim.

Pois bem, chegou a data, numa quarta feira de clima maravilhoso, a cidade em polvorosa, fomos - Eu e meu Pai - ao grande espetáculo....ver ao vivo, o famoso time do Santos FC, e principalmente o REI PELÉ. E lá estava Ele, com seu uniforme impecavelmente branco (pois craque termina o jogo sem sujar o uniforme ) brilhando no gramado, também impecável , do todo majestoso COLOSSO DA LAGOA. E o maior atleta de todos os tempos, Pelé, deixou sua marca anotando um belo gol na goleira à esquerda das cadeiras sociais, e tido como o de número 1040.

Esse é o fato histórico, que minha Família me proporcionou, pois lembro que meus Pais fizeram uma mágica tamanha para que isso acontecesse, em razão das dificuldades econômicas do momento. Mas o fato inusitado do chamado Festival de Inauguração do Colosso da Lagoa, como assim foi chamada a sequência de jogos que aconteceram, se reporta ao domingo pós inauguração, quando minha segunda paixão futebolista - o SC Internacional - enfrentou o também poderoso Botafogo do Rio de Janeiro. Expectativa enorme...dois grandes times, o goleiro do Inter - Gainete - há mais de 1000 minutos sem tomar gols. E daí....como fazer para assistir esse jogo, se o dinheiro faltava. Lá foi o Chico (Célio Fahl) para o Estádio, com a cara e a coragem. Após muita negociação com o porteiro, o mesmo possibilitou minha entrada no intervalo do jogo, e com muita tristeza, e abaixo de um temporal, assisti o meu Inter perder de 5x2 para o Botafogo. Esses momentos são inesquecíveis, pois lembram nossas Famílias, nossas dificuldades, nossas histórias, nossas vivências, nossa cidade, nosso futebol, mas principalmente o maior espetáculo de todos os tempos - A VIDA. Vida longa ao Nosso Ypiranga, vida longa ao Nosso Colosso da Lagoa, e principalmente....Vida longa para nós.


Gerente da Difusão 'caçava' autógrafos no aeroporto

 

Luis Antônio Badalotti, gerente da rádio Difusão, Guido pela mão do pai Idylio Segundo Badalotti, viveu intensamente o setembro de 1970. Ainda mais que sua família era uma vertente de saudação ao futebol. Seu pai fora inclusive árbitro de um

Atlanga que acabou “em paz”, algo raro nos anos 1960. Além disso, outros familiares do ramo/Badalotti sempre participaram ativamente do futebol erechinense e, muito familiarizados com o 14 de Julho.

Lembra daquele setembro de 50 anos atrás: “Das idas ao nosso aeroporto na busca de autógrafos dos ídolos, até e, especialmente, por ter estado em todos os jogos da inauguração do Colosso da Lagoa. Fui um dos milhares de torcedores, de todas as idades (eu com 8 anos), que acompanhou extasiado os jogos. Em 2 de setembro de 1970 estava nas arquibancadas do Colosso onde testemunhei Pelé fazer o primeiro no novo estádio”.

 

Presidente ainda em fraldas

 

Quando do festival de inauguração do mais belo estádio do interior gaúcho, o atual presidente do clube, Adilson Stankiewcz, andava de fraldas. Contava com apenas 2 anos e 3 meses. Obviamente, o mundo era o colo da minha mãe, as brincadeiras com meu pai, e a espera pelo meu irmão André, que nasceria em 23 de outubro (mesmo dia e mês de Pelé) de 1970. Meu pai tinha a Casa do Rádio, na rua Aratiba, bem pertinho da estação rodoviária, que ficava no mesmo prédio do Hotel Rex. Fazia consertos de TVs e rádios a válvula, e eletrolas, aparelhos caros e um tanto raros, e também vendia estes produtos, principalmente para os agricultores que vinham para a cidade desembarcando do ônibus na rodoviária. A TV ainda era preto e branco, a TV a cores só chegaria em 1972.

    Na verdade o futebol sempre esteve no “sangue” da família. As décadas de 1960 e 1970 foram riquíssimas em clubes de futebol na cidade e no interior, que eram a melhor, senão a única diversão das famílias no final de semana. A equipe da família era o Minuano F. C., e o campo ficava nas terras do meu avô. Nós morávamos logo na entrada do campo, e os atletas eram os tios e vizinhos. Todo domingo jogos, triangulares, quadrangulares. Pessoas circulando, comprando bebidas na copa: cerveja coberta por barras de gelo e serragem para manter o gelo por mais tempo. Campeonato de pênaltis na goleira suplementar. Prêmio uma ovelha e uma caixa de cerveja. 

   Erechim contava com muitas equipes assim, mas as maiores eram o Ypiranga, o Atlântico e o 14 de Julho. Estes faziam história disputando os campeonatos estaduais e fazendo embates históricos nos campos de Erechim. A cidade respirava futebol, todos esperavam os confrontos do final de semana.

    Houve um período no início da década de 1980, em que o Ypiranga estava parado, mas o Colosso era usado para os campeonatos municipais. Jogar lá, assistir os pais jogar era incrível. Ver o tio Lau fazer defesas na mesma goleira que o Pelé marcou o gol 1040, era mágico. Depois, ver o desfile de grandes jogadores como Paulo Gaúcho, Luis Freire, Aílton, Moreno, Mabília, Menezes... sem contar o pessoal da região Jussie, Quadros, Scolari, Ildo, Perin, Marasca, Gerson, Hermes, Clóvis, e tantos outros que eram nossos amigos e vizinhos. Fica nosso reconhecimento a todos os abnegados que fizeram esta linda história, dos fundadores, aos construtores, ex-presidentes, diretores e torcedores, cada um deu o que tinha de melhor por este grande clube.

   Enfim, se apaixonar por este templo do futebol brasileiro é muito fácil. Muita gente diz que o endereço Av 7 de Setembro, 1932, é sua segunda casa. Alguns gostariam de ser enterrados atrás das goleiras para assistir os jogos eternamente, como se isso fosse possível. Ser ypiranguista é ter orgulho de ter um estádio em que cabia toda a cidade na sua inauguração. É ter orgulho da sua casa ter sido inaugurada por um gol de Pelé. É saber que você tem uma história quase centenária, recheada de sacrifícios, algumas derrotas e grandes vitórias. E que esta história ainda tem muitas páginas para ser escrita.

 

EU E AQUELES DIAS

No dia 2 de setembro de 1970, quando foi realizada a primeira partida de futebol no Colosso da Lagoa, eu estava a 16 dias de completar 18 anos. Trabalhava no Posto Atlantic do “Seu Abílio (Machry)”. Era frentista. Comprei um carnê de Cr$ 66 para todos os jogos do festival na Banca da Salete, no canteiro central da Av. Maurício Cardoso, em frente ao Cine Ideal e ao Café Grazziottin.

Do posto de combustíveis testemunhei toda a movimentação no entorno das delegações que se hospedaram no Hotel Erechim. A multidão, quando da estada do Santos, tomou todas as ruas próximas. Um dia, o famoso Nocaute Jack, massagista da seleção brasileira e do Cruzeiro, apareceu de abrigo branco no Posto. Tinha uma lista de marcas de cigarro para comprar, porque os atletas não saíam do hotel. Grande figura humana. Deu atenção a nós, funcionários/frentistas.

Em nenhum dos jogos do festival de inauguração, o estádio recebeu sequer a metade da sua capacidade. Falavam que o preço era muito alto. Mas em Grêmio e Santos deu umas 8 a 10 mil pessoas. Sentei quase na linha divisória do campo nas arquibancadas. Era uma noite de lua clara.

Pelé fez o primeiro gol no final do primeiro tempo, na goleira que dá para o centro da cidade. Um repórter da Rádio Tupi invadiu o campo, entrevistou Pelé, que jogou o restante da partida com uma camiseta de número 1040 – o prefixo da emissora. Osvaldo Affonso Chittolina, o intrépido repórter da Erechim correu atrás também.

No domingo, 6, a chuva começou no início da tarde e foi aumentando até virar aguaceiro intermitente quando Inter e Botafogo se enfrentaram. Assisti sob guarda-chuva, em pé atrás da goleira que dá para o centro, o Botafogo golear o Inter por 5 a 2. O público era muito pequeno. Quase todos abrigados nas sociais - cadeiras ou sob a marquise no pavilhão social.

No domingo  seguinte, 13 de setembro, o tempo bom estava de volta. E com ele apareceu o melhor futebol que o Colosso da Lagoa viu em seus 50 anos. O Cruzeiro de Piazza, Zé Carlos, Dirceu Lopes e Tostão, passeou diante do Independiente (ARG) com um clássico 3 a 0 e jogou com uma técnica fora dos padrões normais.

Depois vi muitos Atlangas, quedas do Ypiranga para o Acesso, voltas à Divisão Principal, brigas campais, o Canarinho na Copa do Brasil, nas Série D e C do brasileiro, vi jogadores bons e ruins, atletas que vestiram a camisa e honraram o clube e, invariavelmente, uma presença de público que deixava – e  ainda deixa – na sua maior parte de eventos quase sempre muito vazio o estádio considerando sua capacidade. Isto desde quando a cidade tinha 34,5 mil habitantes (setembro de 1970) ou no século 21 quando a população é de pouco mais de 105 mil pessoas. Sem dúvidas, este é o grande ponto negativo que se atrela ao majestoso estádio, em quase 50 anos.  Não por culpa do próprio e nem de quem o projetou e construiu, mas porque esta parece ser uma sina que persegue os clubes de futebol do interior do Estado e de resto do Brasil. As grandes marcas do futebol concentram, cada vez mais, as atenções quase totais das entidades diretivas do futebol, da imprensa e dos torcedores. E olhando-se o panorama do futebol sob este aspecto desafiador, o Colosso da Lagoa cresce ainda mais em curiosidade e importância no cenário nacional.

O festival de inauguração do Colosso da Lagoa foi sem nenhuma dúvida o maior acontecimento esportivo nos 100 anos de Erechim. Imagine você a cidade receber hoje seis dos principais clubes do país e entre eles oito titulares da seleção brasileira! Isto é impossível até porque os titulares da seleção hoje jogam fora do país. E o custo?

Erechim devia tratar melhor o Colosso.

Ir aos jogos.

Bater fotos da família no Colossão.

E o que dizer daqueles que tiveram a idea?

Levaram-na adiante.

A tornaram realidade.

Há certas coisas que não voltam mais.

Como aquela ambição.

Aquele projeto em execução.

Aqueles meus dias. 

Dias de cabelos.

Encaracolados.

O tempo. 

O tempo é inexorável.

Morre Edson Arantes 

do Nascimento.

Pelé nunca morrerá na memória

do futebol.

De ontem.

De hoje.

De amanhã. 

De sempre. 

 

 

 

 


 

 



 

 


segunda-feira, 14 de novembro de 2022

O sucesso da 23ª Feira do Livro

 

Membros da AEL (Neivo, Helena, Zeni, Cleusa, Neusa, Lucia, Monalise, Gleison e Arnaldo) na abertura da 23ª Feira do Livro (Foto/AEL)

Já havia um sinal no ar sobre o sucesso da Feira do Livro deste ano, inserida na Cidade da Cultura e na Frinape, quando do lançamento do evento no Centro Cultural 25 de Julho. A eloquência do patrono - o professor e confrade da Academia Erechinense de Letras (AEL), Neivo Zago e, o homenageado especial, também confrade da AEL – Ermindo Silva; deixaram este sinal nas suas manifestações.

Prefeito Paulo Polis (Foto/AEL)

Ermindo Silva, homenageado especial (Foto/José Ody)



Presidente da Câmara de Vereadores, Dal Zot, secretária de Cultura, Carla, patrono da Feira de 2021, maestro Gleison, patrono da feira 2022, Neivo, presidente da AE, Lucia e prefeito Polis. (Foto/Monalise/AEL)



Guiomar e seu esposo o patrono Neivo com a presidente da AEL, Lucia Pagliosa (Foto/AEL)

Seguiu-se depois um mergulho do patrono em busca de brindes, o pedido por livros a serem trocados ou doados na feira e o desafio gramatical Quizz, que acabaram por asseverar na prática o que se prenunciava. Some-se a essas iniciativas pessoais do patrono – um bom engajamento do poder público e de membros da AEL, também sempre solícitos, disponíveis e parceiros, o que demonstra o comprometimento de todos com um evento que também de todos é.

Interesse pelos livros atrai leitores (Foto/AEL)

Resta agora o público em geral continuar comparecendo em grande número na Cidade da Cultura e na Feira do Livro, especialmente nesses dias que estão por vir, que anunciam-se de clima seco e, por isso mesmo, mais convidativos, não deixando margem para que sejamos minimamente solidários com a própria entidade a quem cabe, em instâncias mais detalhadas, fazer o evento acontecer e mantê-lo vivo e atraente até o final da Frinape.  


Neusa Garcez e o patrono Neivo (Foto/AEL)

Cleusa Nehring e o patrono Neivo (Foto/AEL)

Banner com os membros da AEL. (Foto/AEL)
 
Destaque-se ainda o fundamental  envolvimento do Sesc – Unidade de Erechim. Sua presidente, Sandra Mariga Bordini, é a coordenadora da Cidade da Cultura que desempenha um papel fundamental nesta feira regional – incentivando de forma elogiável todas as manifestações da arte, como é o caso do grupo Tribu Di Arteiros do município de Morro Reuter. Enfim - Erechim vive mais uma Frinape. Portanto, "Viva o seu tempo", como diz o tema da 23ª Feira do Livro.

Sandra Mariga Bordini (Foto/AEL)


Tribu Di Arteiros na Cidade de Cultura e Feira do Livro (Foto/AEL)

 
                             

Nota: A maioria das fotos identificadas como autoria AEL - são da confreira Zeni Bearzi.

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

O Atlanga nas mãos do Professor

 

Ruy Carlos Ostermann

Não posso guardar só para mim o sentimento de orgulho que me invade, quando recebo a foto do livro dos Atlangas nas mãos do professor Ruy Carlos Ostermann.

Não é por acaso que este homem das letras, da cultura, secretário de Estado e, do futebol, é conhecido e tratado como professor. Todos sabem quem ele foi e o que ele ainda representa – fiquemos apenas enquanto comentarista de futebol.

Sereno, de fala afável de tão educada para com os ouvidos das pessoas e, profundamente respeitável com a inteligência dos ouvintes, à minha observação o comentarista Ruy Carlos Ostermann externava no microfone, um predicado raro, e que continua cada vez mais escasso: os seus comentários sobre um jogo de futebol, invariavelmente, sempre tinham duas equipes em campo. Ele via e analisava um jogo como ele é – ou seja – produto de 22 jogadores. Ouvi-lo era compreender de onde brotavam os resultados, salvo raras exceções que podem ser rotuladas irmãs das circunstâncias ou contingências de um jogo de futebol. A propósito, não faz muito, o técnico Josep Guardiola, ao sofrer uma virada para o Real Madrid, aos 45 e 46 minutos do 2º tempo – disse resignado: “eu aceito porque é futebol!”.

Os comentários do professor permitiam que todos entendessem em detalhes o que acontecia no gramado. E até para quem estivesse no estádio, ouvir um comentário deste homem, era ser alertado para coisas que tinham acontecido ou estavam acontecendo – mas que a sombra da paixão do torcedor encobria; não permitindo que percebessem o que de fato acontecera na realidade deixada no campo.

Lembro quando criança/adolescente correr para casa e ligar o rádio Semp do meu pai Alberto, sintonizar a Guaíba para ouvir o professor. A partir da sua fala, eu entenderia o quê, por que e como as coisas tinham acontecido. E isto era um deleite para mim.

Sim, entender através de uma fala mansa, as razões, o que fizeram as duas equipes em campo para merecer o que colheram ou, então; até onde houvera interferência dos “Deuses do futebol” - como diria o saudoso Milton Jung. Esta era uma qualidade que ninguém tinha melhor que o professor, para explicar ao grande público, sem estardalhaço, sem agressão, sem exageros – mas com decência, lucidez, tranquilidade, português limpo e isenção, o que de fato acontecera dentro das quatro linhas. Sabiamente, preservava os técnicos, talvez por que só o professor para entender as circunstâncias limitadoras deste profissional - depois que a bola começava a rolar.    

Um dia, a vida me proporcionou trabalhar na mesma empresa onde este homem, trabalhava. E aqui agradeço em especial ao ex-colega Marco Antônio Baggio que me abriu as portas da imprensa em Porto Alegre – sem sequer me conhecer.  

E foi assim que em 1977/1978 ao cruzar nos corredores do 2º andar da Caldas Júnior com o professor Ruy, não raras vezes eu me beliscava, porquanto – mas como! – até “ontem” eu buscava sua voz no radinho Semp do pai e agora ele, eu, nós ali caminhando cada um em direção à sua sala, lembro bem; ele além da Guaíba – na Folha da Manhã e eu na Central do Interior, dois espaços separados pelo corredor.

Pesquisei quase três anos para tentar recuperar a história do maior jogo de futebol de Erechim, o clássico Atlanga (Atlântico x Ypiranga) – uma espécie de “o nosso Grenal”. Com o auxílio de muitas pessoas, entrevistas com ex-dirigentes, ex-atletas, torcedores apaixonados e seus testemunhos de fatos pouco conhecidos que cercaram o clássico durante 40 anos, publicações como o jornal A Voz da Serra, dos livros de Fernando Calliari e Nadir Pereira, das minhas lembranças de presença viva nos clássicos e, especialmente do visionário diretor-presidente da Editora Edelbra, Jaci José De Lazzari, o livro ficou pronto.

E depois de vê-lo entre amigos de diferentes cidades do país e do exterior, sinto-me privilegiado e plenamente contemplado, quando “Atlanga – 40 anos de emoções” está na residência, nas mãos do homem que melhor soube interpretar o futebol desde os anos 1960 para cá. O futebol com suas clarividências indiscutíveis, mas também com suas áreas obscuras despercebidas à maioria - e que o professor desnudava com brilhantismo inigualável - recuperava à razão vitoriosos quanto derrotados. Com as orelhas baixas - era um bálsamo ouvir este homem tocar em filigranas, que na hora da paixão, quase ninguém percebia. 

E este sentimento de orgulho e honra – não cabe apenas em mim. Preciso dividi-lo com tantos quantos puder. Com os atletas do futebol erechinense daquele tempo de dentro e fora dos gramados, com as amigas Cleusa e Márcia, com colegas da imprensa local e, também, com os membros da Academia Erechinense de Letras (AEL).  

Meu pai Alberto que me levava pela mão ao campo do Atlântico é falecido. O futebol de campo do Atlântico também não existe mais. O Ypiranga está forte há sete anos na série “C” do brasileiro.  O rádio Semp Valvulado - não sei onde foi parar. Eu cresci e o futebol continua. Outros comentaristas vieram com outros estilos - onde grande parte troca a análise por uma espécie de relatório para comentar uma partida de futebol. O professor se aposentou dos microfones convencionais. Não temos mais acesso aos comentários esmiuçados, serenos e sábios deste homem que viu e analisou o futebol como poucos, ou, talvez como ninguém no estado e no país. Por isso mesmo nada detém, nesta hora, minha emoção de ver Ruy Carlos Ostermann, acomodado no sofá de sua residência - abrindo o Livro dos Atlangas. Que honra... Ah – queeee honra! - digo eu, plagiando o professor Ruy quando queria destacar um atleta de qualidades superiores, como um Zico, um Gessi, um Falcão, um Hugo De Léon, um Dirceu Lopes, um Zidane, um Fernandão, um Ronaldo Fenômeno, um Mauro Galvão, um Ronaldinho, um Dicá, um Airton Pavilhão, um Gamarra, um Benitez, um Andrade, um Gallardo (River), um De Bruyne, um Valdo, um Zé Carlos (Cruzeiro e Guarani),  um Carpegiani, ou um... “ahhhh queeeee jogador senhores!”, dizia ele.

O livro dos Atlangas pode encerrar sua viagem agora. Sim porque ele chegou às mãos de quem melhor soube e sabe avaliar a relevância de um clássico de futebol – seja ele em nível de estado ou de país, de Porto Alegre ou de Erechim. Sobre a figura humana do professor Ruy? Magnífica.

 

Encontro com o professor

Paulo César Carpegiani e o livro
dos Atlangas 
Em um dos três grenais jogados no Colosso da Lagoa, há alguns anos, fui cedo ao estádio. O professor estava sozinho sentado nas cadeiras esperando sua hora de ir à cabine da Gaúcha.

Fui até ele dizendo que tinha trabalhado na Central do Interior da Caldas Júnior quando ele estava na Folha da Manhã. Obviamente não me reconheceu, mas, como de praxe dos grandes, serenamente assentou: “ah sim..!”.

E caímos numa rápida conversação sobre Paulo César Carpegiani – que jogou nas categorias de base do Atlântico e do Ypiranga.

Opinei ao professor que considerava o Carpegiani o maior jogador da história do Internacional – mas que em Erechim dizia-se que o pai dele, Hermínio Carpegiani (o Velho Borges) teria jogado mais que o filho.

O Ruy então largou sua famosa gargalhada que ecoou no estádio ainda vazio - fazendo os quero-quero levantar voo do gramado, para advertir: “não meu filho, não... Ninguém jogou mais que o Paulo César (Carpegiani). Toda vez que aparece alguém extra-classe, um jogador de futebol, um cantor, enfim um artista... sempre surge logo um ou outro com ‘...isso que tu não viu o pai dele'; Não. Ninguém jogou mais que o Paulo César,”, completou, provavelmente numa comparação com o pai, que sim, jogou demais ou; que talvez se restringia ao Internacional em termos de estado, foi o entendi.

Falamos mais um pouco, agradeci ao professor e fomos cada um para o seu lado. Eu – auxiliando no que podia o pessoal da Caldas Júnior e o professor Ruy na cabine da Gaúcha no Colosso da Lagoa.    

Enfim - obrigado pela oportunidade professor Ruy – Ruy Carlos Ostermann por esta honra. Agradeço ainda aos irmãos Benfica e à Cristiane Ostermann, pela gentileza de cortar caminho entre o livro e o professor.

sábado, 1 de outubro de 2022

Quando a glória é quieta e sofrida


 

Foto: José A. Ody

Choveu a noite inteira.

De manhã a umidade dava 

o tom e o tempo convidava 

para ficar mesmo era no hotel.

Fiz meu chimarrão, 

acomodei-me num sofá pra lá 

de confortável e, 

como um genuíno aposentado sem 

compromisso algum, fui correndo a vista 

desde 

o rio do Peixe, lá embaixo, e subindo 

um morro 

que parecia não ter fim.

Da água do rio onde alguém, imagino eu, 

consultava uma rede de pesca ou sei lá 

se arremessava linhas à água equilibrando-se 

num pequeno barquinho (era isso que a 

minha vista alcançava considerando a distância), 

pois, assim entre uma e outra cuia, ladeado pela 

minha companheira Sonia, fui subindo o olhar 

para o outro lado do rio.

Havia mata ciliar, depois plantações que não 

dava para ver do que, mais matagal, uma casa 

à esquerda e, de repente, despertei e fixei 

a vista 

num minúsculo pontinho branco que, 

à tão distância, 

me chamava atenção pela simples razão de 

me convencer que aquele pontinho branco 

- se movia.

Atrás de mim, hóspedes acertavam 

suas contas e ajeitavam as malas. 

Outros vinham se arrastando 

pelo saguão depois do farto café, em busca 

também de um lugar para se acomodar. 

Fazia frio lá fora e como disse 

o que não estava molhado, estava

úmido – e então melhor ficar em 

casa nessas horas.

O chimarrão estava como sempre – muito bom 

e, ademais, para aquele dia, caía em especial. 

Mas aquele pontinho branco, agora parecia estar

 noutro lugar. E movia-se lentamente sempre e

m linha reta, horizontalmente. 

Ia até um 

determinado lugar e logo voltava. 

E assim ia 

e voltava me desafiando, porque, em 

linha reta daria um quilômetro.

Pelo chão - ah mais de dois a três. 

Não sei, talvez menos, mas 

era assim que a minha vista alcançava 

e o cérebro processava.

Não foi difícil localizar no arquivo da minha 

infância, de férias em Sede Dourado, que sim 

– lá longe, aquele pontinho branco era 

uma junta 

de bois, submetidos à canga e, silentes e 

sem outra opção e expectativa, arrastavam 

um arado que um agricultor afundava na terra. 

Aquilo despertou muitas lembranças 

e imaginações.

Aos poucos fui percebendo que onde 

a terra 

já tinha sido lavrada a cor era diferente 

da parte 

que estava por lavrar. Uma cuia, duas, 

uma 

parada e mais cuias de chimarrão e 

lá ia a dupla 

de bois brancos até o fim da linha, 

ou pedaço 

de terra a ser lavrada, onde obedientes e 

solidários faziam a volta sincronizada (pela 

canga e ordens de quem conduzia o arado), 

para lavrarem nova linha no chão.

Pensei nas grandes extensões de terra. 

Nos maquinários modernos. 

E contrapus com 

aquela realidade que colocava em cena, lá 

longe, mas real; aqueles animais à canga, 

ao arado e, a alguém, sabe-se lá se não de 

pés descalços – com  um deles enfaixado 

com um pano branco em proteção, 

ao menos 

na proteção possível à ferida que fizera 

há poucos dias ao ver, inadvertidamente, 

uma lasca de grápia intrometer-se 

em seu corpo. 

Provavelmente tratara-se com 

água, vinagre, sal e banha, 

e aqueles panos que parecem 

mesmo servir bem para isso.

enfastiado de chimarrão, e da vista 

até meio 

que pedindo por outras imagens, deixei o 

saguão e levei tudo de volta ao quarto bem 

acomodado numa sacola feita especialmente 

para a cuia e a térmica – com o símbolo do 

Lions Erechim Cinquentenário, ao qual 

pertence a Sonia e muitos queridos amigos.

Quando a tarde caía e só então o céu 

refletia alguns primeiros e últimos raios 

de sol nas 

nuvens cor de fogo, sem notar, voltei de novo 

a vista para o que tanto me prendera a atenção 

de manhã.  Um pedaço pequeno de terra 

estava sim todo arado e, enquanto 

o que parecia fumaça 

saindo da chaminé de uma modesta 

casinha de madeira, como que alcançando 

sua liberdade, 

no potreiro reencontrei a dupla de bois. 

Estavam soltos. Libertos da canga como 

dois escravos que receberam uma folga. 

Distanciados também gozavam da merecida 

liberdade – e pastavam matando a fome. 

Refazendo as forças.

O que aquele agricultor haveria de plantar 

naquele pedacinho de terra? Lhe daria 

uma ajuda 

para o sustento? Será que alguém o 

convenceria a procurar socorro médico 

para seu pé inflamado 

e, talvez, ainda com lascas da grápia 

traiçoeira 

na sola do pé enfaixado (avançava eu em 

pensamento sem saber se isso era mesmo 

realidade ou alguma lembrança perdida na 

minha memória porque um dia vira 

cena igual)... 

E aqueles animais, tão dóceis e fiéis ao 

seu patrão, quanta terra haveriam de revolver 

em arado! 

Quantos vai e vêm fariam em sua jornada 

de terra e, o que lhes reservava o futuro? 

Seriam sacrificados para matar a 

fome do agricultor e sua família, 

ou num dia qualquer, 

surpresos, seriam empurrados para 

a carroceria 

de um caminhão e, esperançosos de 

mais liberdade, 

ver-se-iam logo ali adiante, traídos  ao se 

depararem com o chão gelado de um

 abatedouro qualquer!?

Não sei por que as coisas têm de ser assim. 

Para uns, – humanos e animais – tão sofrida, 

até o desfecho derradeiro, que olhando 

para a trajetória de anos, a despedida 

por lamentável que se apresente 

– em verdade, representa 

um alívio, 

ou a certeza que o penar diário e sem-fim, 

até que enfim, encontrou seu próprio final.

Foto: José A. Ody

No canteiro central da Maurício Cardoso

em Erechim, ao lado da Catedral

São José existe um busto, 

em homenagem

ao agricultor, ou falando mais claramente, 

ao colono onde se pode ler aos pés

do homem em bronze descansando,

apoiado no cabo de uma enxada: 

“Ao defrontares com este símbolo,

pensa naqueles que, alheios

aos gozos mundanos,

só tem como glória o suor do seu esforço”.

Como se vê, nem sempre é preciso 

recorrer um monumento para dar-se conta 

que a glória íntima, 

quieta e sofrida, está mais próxima 

de nós do que podemos imaginar. 

Preste mais atenção aos modestos 

e humildes, com seus rostos suados 

e suas íntimas glórias, e deixe 

os famosos 

também com as suas, 

mais conhecidas, iluminadas 

em holofotes e até invejadas. 

Cada qual com seus méritos 

- ou com suas sortes de 

sobrevivência.

O certo é que mais dia, menos dia, 

todos 

haveremos de nos encontrar no 

pós-socorro médico da vida, 

no depois de um matadouro 

qualquer, à porta de um novo 

capítulo na história 

de humanos e animais 

– onde as diferenças 

(é o que dizem) 

serão um imenso, 

um monumental 

nada. 

E vestido de esperança, 

poderei retomar 

meu chimarrão e voltar à uma 

nova realidade. 

E então esta será a minha íntima, 

quieta 

não mais sofrida 

– glória.

Independente do conforto 

do sofá 

em que estiver acomodado.