terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Aniversário no céu

 

Milton Amadeo Arioli, 24 de abril de 2018
1

Eu nunca perguntei por que ele me cumprimentava nas calçadas das ruas de Erechim. Ele, um homem  reconhecido em todas as instâncias da sociedade local e eu, um sem-rumo, que corria pra cá e pra lá o dia inteiro pra poder comer à noite. Enquanto eu espichava o passo acelerado, lá vinha ele, na frente do antigo Cine Luz, com seu jeito muito particular de caminhar, que denotava uma calmaria perturbadora. Isso mesmo: uma passada que parecia esperar a outra perna colocar o pé no chão (é claro que é com todos os caminhantes assim), mas ele parecia que o pé de apoio “esperava – dava um tempo” até o outro alcançar o chão para só daí levantar e dar mais um passo, o seu passo, levando-o à frente aparentemente recolhido à sua mais recôndita intimidade.

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E aí vinha dos seus olhos um olhar educado, e da sua boca, uma carinhosa saudação com um “boa tarde”, acompanhado de um leve sorriso - como se eu fosse um dos seus amigos ou antigos conhecidos de vivências mis quer fosse no futebol, no agronegócio, nos interesses da igreja, nas reuniões de família, do HC ou das festas do Aristocrático.” Ah, já sei – acho que ele me cumprimenta”, pensava eu, e podia mesmo ser por isso, “pela proximidade que tinha com sua esposa a senhora Lurdes, e aqui até eu já me confundo, não sei se aos tempos do JB ou da 15ª Delegacia de Educação, hoje 15ª CRE – quando esta se situava no térreo do São José.

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Eu só sei de uma coisa: passado todo esse tempo, pego lá dos anos 1981 em diante – ele e ela -, eram de uma educação, de uma simplicidade, de uma sortida posição social e ao mesmo tempo de uma discrição que, como disse antes, a mim parecia perturbar. Talvez porquanto somos levados a associar quem muito bem de vida – a ser “um nariz empinado”, um indiferente, um prepotente, um “sabe com tá falando?”. Não era o caso. Era o contrário.

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Não – ele e ela não misturavam suas joias de pulso com as relações humanas e isso, no meu caso, me colocava tão à vontade que eu nem percebia minha posição boquiaberta. Com o tempo fui me confundindo e passando a falar, a ver ou tratar como se fôssemos contemporâneos “sociais”. Santa ingenuidade. Eles com seu modo elegante de ser e eu com minha estupidez, como se diz, "se achando...!".

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Milton Amadeo Arioli, nascido em Erechim, tinha duas credenciais para jogar futebol e no Atlântico: primeiro, era um bom meia-atacante em 1952 (ano que nasci) e 1953 e, além disso, um familiar que viria a ser presidente do clube.

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Mas o que o colocou mesmo em campo ao lado do gênio Borges e ainda de Fábio Koff, Toinho, Fossatti & Cia, foi seu futebol. Disputou quatro clássicos Atlanga e fez dois gols. Venceu um, perdeu outro e empatou dois.

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Ou seja – Milton Arioli passou pelos Atlangas com o balanço fechado. Nos quatro jogos deixou dois gols e foi justamente nos dois empates e ambos na Montanha. A seu favor conta ainda ter jogado contra uma das melhores equipes montadas pelo Ypiranga desde 1924 – superada, é claro, pelo timaço de 1949.

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Como a comprovar sua polidez e discrição humana, Milton Arioli, extremamente solícito, não fala dele no livro dos Atlangas. Prefere enaltecer com quem atuou. E nessa história está com destaque  o "Velho Borges" – Herminio Carpegiani.

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“O Velho Borges era demais. Era um atleta completo. Batia com os dois pés, cabeceava, armava, comandava o time. Em um Atlanga que o Atlântico goleou, ele fez dois gols de falta. Na primeira ele deu uma bomba de direita que o goleiro até hoje não sabe por onde ela entrou”.



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 “Depois, ele colocou de esquerda por cima da barreira”, relatou Arioli. Segundo ele, o Grêmio teria observado Borges, ou por indicação de alguém, convenceram-no a ir para Porto Alegre. “Ele pegou uma malinha e um ônibus e foi. Mas como era tímido, muito tímido, chegou em Porto Alegre e nem saiu da rodoviária. Ficou por lá e no fim pegou um ônibus de volta e retornou direto para o Atlântico. Bom para nós...” como colorado, me disse ele para o livro dos Atlangas em 2018.

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Outro atleta que Arioli define como extra-classe na história do futebol local, foi o goleiro Waldemar, o ‘Pantera Negra’ – apelido do grande goleiro do Atlântico na década de 1950, que entre outras brincadeiras, hoje proibidas no futebol, gostava de fazer. “Depois de uma defesa, o Waldemar devolvia a bola para atacantes e mandava chutar de novo. Imaginem!” – me relatou. Ele até escalou sua seleção Atlanga: Waldemar; Bino, Garcia, Noronha e Chitolina; Fossatti, Borges e Marimba; Tomasi, Índio e Lauro.

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Houve um tempo em que eu ia à missa todos os sábados à tarde na Catedral São José. Tinha até um lugar preferido. À direita do altar e pertinho de onde estão depositados os restos mortais da minha irmã Maria Ceci – no ossário. Alguém pode ter interpretado que queria aparecer, pois quase sempre estava meio sozinho naquele canto da catedral, mas não. A razão é essa aí.

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E lembro desse tempo, porque todos os sábados (aiaiaiai – ou seria uma ou outra a missa dos domingos de manhã!), mas o fato é que encontrava sempre, sempre e sempre Milton e Lurdes, que, se já não disse vou dizer – pareciam  feitos um para o outro. Era o que me saltava aos olhos. E então quase sempre nos cumprimentávamos - para mim uma alegria – ser notado e receber um “boa tarde’ ou um “oi” – do casal que sempre admirei.

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E eu ficava contente vendo ambos se afastarem, de mãos dadas, rumo a uma das entradas mais importantes da Maurício. Eu, vocacionado ao pecado, recém saído da missa já me traía sobre o que prometera diante do padre. “Meu Deus – o que será que essa gente vai fazer agora, com tudo que tem!?”, arquitetava em pensamento simplista e desprovido de qualquer prova que meus olhos pudessem atestar por uma única vez que fosse. Idiota. Coisa de bisbilhoteiro de segunda categoria. Mas, francamente, não era por mal. Era por pobreza de espírito mesmo – confesso hoje.

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Era domingo 9 de agosto de 1953.

O Milton tinha feito 20 anos havia seis meses.

Eu chorava e agitava os braços e as pernas num bercinho de madeira em Sede Dourado. Em um mês faria meu primeiro ano de vida. Pelo que pesquisei o estádio da Montanha estava lotado. Era o 86º Atlanga. Aos 8 minutos o Milton aproveitou uma falha da zaga verde-amarela e abriu o placar no clássico. O time comandado por Ervino Ritter forçou e aos 34 minutos Quinzinho empatou o Atlanga. Na etapa complementar o Atlântico foi pressionado, mas suportou o ataque ypiranguista. O goleiro do Atlântico, Wilson, repetiu façanha de domingo passado, dia 2 de agosto de 1953, quando o Galo bateu o Canário por 2 a 1. Melhor que o goleiro só o exemplar comportamento dos 22 em campo facilitando a arbitragem de Ney Barbosa. Atlântico jogou com: Wilson; Rico e Alencar; Borges, Fossatti e Dirceu; Piaveta I, Milton Arioli, Toinho, Alexandre e Barbieri. E o Ypiranga teve: Miguel; Frainer e Celso; Rodo, Plínio Parenti e Ronchetti; Tuta, Quinzinho, Milton, Marimba e Paiva.

Gols: Milton Arioli (A) e Quinzinho (Y)


Atlântico em Aratiba/Arquivo Milton Arioli O 3º agachado
da esqerrda para a direita


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Ao iniciar o texto não sabia por onde começar. Se pelo futebol ou pelas outras referências lá em cima. Podia ser pela notícia do falecimento. Ou podia ser pelos cânticos do padre Sala na Capela do HC, pelo envolvimento comunitário do Milton no futebol com a camisa do Atlântico, ou pelo agronegócio, ou pelos passeios com sua Lurdes de mãos dadas na avenida, ou pelas festas no Clube do Comércio que presidiu, ou pela ajuda que nunca negou à igreja quase que anonimamente, ou pela participação no HC, ou por suas camisas de mangas arregaçadas, ou por seu par de Mocassin a lhe garantir um passo seguro e macio, ou pela hemodiálise que me disse... E se iniciasse pelo livro dos Atlangas que o ‘Seu Milton’ tanto me ajudou cedendo fotos, identificando pessoas, passando informações, contando histórias...

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Um dia criei coragem e liguei. Ele passou a data e o horário que poderia me receber e que entrasse pelo portão que dá da Maurício à sua residência. Fiquei com medo que tivesse cachorro, mas que nada, lá estava ele na porta me esperando no horário marcado. Convidou-me a sentar, parou seu trabalho e começamos a falar. Eu explicando sobre o livro e ele me passando fotos e contando histórias. De frente para a porta, seu filho, Reno, mantinha a rotina e virava folha em cima de folha ou nota em cima de nota, sei lá, e de vez em quando levantava a cabeça, ajeitava seus cabelos brancos que lhe encobriam os olhos e dava um sorriso.


Milton Arioli em seu escritório. 24 de abril de 2018.
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Depois disso seguiram-se encontros rápidos, mensagens por celular e ele sempre me auxiliando, tirando dúvidas. Um dia o livro ficou pronto. E por mais inacreditável que pareça, permaneço com a dúvida: “será que eu dei um livro para o ‘Seu Milton’?. Acho que sim. Não é possível que tenha tropeçado em tão irreparável equívoco, e com ela convivo nesta hora tão difícil para a minha colega e amiga Lurdes, esposa do ‘Seu Milton’ e para seus filhos, noras, genro, netos e demais familiares; enfim, para todas as pessoas que tiveram o prazer de conhecer este ser humano magnífico que leva consigo talvez aquela que pode ser a maior das virtudes entre as que as possuem: a discrição. Foi tudo que foi, fez tudo que fez, deixou tudo que deixou quase anônimo, averso a titulações, a reverências de seus semelhantes. Na igreja de sempre, ouviu (?) a sua derradeira missa no dia do seu aniversário – rezada em sua honra. Por isso achei muito feliz a iniciativa do padre Sala, na capela do HC, ao destacar que “hoje temos festa no céu. Chega um aniversariante. Uma salva de palmas ao ‘Seu Milton Arioli’, que hoje completaria, e completa, 89 anos”. Descansou um terço de Nossa Senhora de Fátima entre mãos da senhora Lurdes – e eu fui tomado por uma estranha calmaria. Bem parecida com àquela que um homem de tantos envolvimentos comunitários, expressava quando caminhava do CC, passando pelo antigo Cine Luz, ou da Catedral... até a entrada da sua casa e, ainda, encontrava tempo para me sorrir e saudar com sua voz macia – como se eu fosse alguém da sua estatura. Parabéns não só pelo seu aniversário desta feita - mas pela obra que construíste e pelo exemplo que deixaste a quem contigo conviveu ou, como eu, por ti tão elegantemente, tantas vezes, foi recebido e tratado. Como eu me orgulho deste privilégio. Vai 'Seu Milton' - vai comemorar seu aniversário no céu.

 

sábado, 12 de fevereiro de 2022

Vai Miguel. Vai...!


1

Havia tempo que não 

escrevia.

Muito por causa da pandemia.

Mas também por conta do tempo.

Não parece mas a energia, os objetivos, 

os sonhos vão se desmanchando, murchando, evaporando com o tempo.

Quem acha o contrário, parabéns.

Semana passada mandei uma mensagem 

para o celular do Miguel.

Mudo.

Instantes depois, recebi resposta.

Era sua filha Sonia.

Dizia que havia passado o recado para o seu 

pai e mandava agradecer.

Ele estava de aniversário.

Esta semana o Ricardo Carraro me avisou 

que o Miguel estava hospitalizado.

Pedi o que tinha acontecido e ele 

– sem entrar em detalhes – vaticinou: “pulmão”.


2


Ontem veio a notícia do falecimento do Miguel.

Uma noite perdida nos anos 1980 ele estava 

no corredor que dava para o plenário 

do Legislativo.

Fumava e mascava alguma coisa.

Caminhava da porta até a escadaria e voltava.

Saí do plenário e fui até ele.

Dava para ouvir os debates e ver os edis.

Eram tempos onde os temas de interesse 

da cidade ganhavam discussões acaloradas 

ao microfone.

Não havia ofensas.

As convicções políticas eram expostas 

às claras e respeitadas.

Eram tempos onde ideias prevaleciam 

sobre ideais.

E nós dois trocávamos observações 

sobre as intervenções dos representantes 

do povo, de todo povo e não do povo do 

governo ou do povo que não votara 

no governo da hora.

Naqueles tempos não se encolhiam as sessões.

Invariavelmente se estendiam até às 23 horas, 

meia noite – quando não invadiam as madrugadas.


3


Eram tempos de ilustres vereadores, 

entre os quais estava Miguel Gotler.

Os partidos e ideologias eram respeitados.

As convicções sobre a cidade – nem se fala.

Eram tempos em que a independência 

dos Poderes orgulhava.

Fazia a cidade mais livre.

Menos cabisbaixa especialmente no Legislativo.

Mas isso são águas passadas já misturadas 

ao oceano do tempo.


4


Hoje vivemos uma era moderna.

Um WhatsApp de meia dúzia de palavras 

perfila a “convicção” da maioria.

Como diria o saudoso governador Brizola, 

são “os interesses”.

E cá para nós – sempre existiram -, 

mas, aparentemente, se portavam 

com mais pudor.

Talvez por isso Miguel Gotler não 

se aventurou mais a cargos eletivos.

Não largou seu MDB, onde sempre foi 

voz de serenidade (junto a Chico Pungan), 

quando labaredas de uma ou outra insensatez 

ameaçava incendiar tudo.

Era o que se ouvia. Era o que se deduz.


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Então, Miguel partiu com tudo que tinha – 

conhecimento, energia, determinação, 

novos objetivos, paciência, inteligência e discrição -, 

à verdadeira dedicação comunitária.

Descobriu que ali podia fazer mais 

– bem mais. E fez.

Não vou relembrar as incursões do Miguel 

na sociedade erechinense, em missões sem paga.

Os jornais já fizeram.

Apaixonara-se pelo voluntariado pelo visto.

De todos seus feitos, junto a outras 

instituições e pessoas, 

nenhuma outra atividade acalentava mais 

a mente e o coração do Miguel, 

que dedicar-se, sem dia nem hora, 

à segurança pública, até onde todos 

os seus braços se multiplicam, estendem 

a alcançam. 

Consepro - "comosempre"?

Provavelmente descobrira sua

real vocação.


6


Não bastasse isso, emendo revirando 

a memória agora, que o Miguel, embora 

um homem de família – era um cidadão da rua.

Isso mesmo. 

Das calçadas.

Mãos nos bolsos e mascando uma goma - sei lá.

Caminhava a passos medidos.

Nunca tinha pressa.

E mesmo assim era um dos primeiros a chegar.

Parecia multiplicar-se.

Estava no Posto Ipiranga, 

numa loja, 

no Colosso da Lagoa, 

no Lions, 

no aeroporto,

nas Frinapes,

na URI,

na Câmara de Vereadores, 

junto a autoridades que aqui chegavam. 

Podia ser visto por mais de hora 

na fruteira do Beto conversando,

entre abacaxis, melancias, rapaduras e salames. 

Estava no Clube do Comércio, 

no sorveteiro,

no 13º

nos eventos cívicos da cidade,

e no ponto de táxi...

Quantas trocas no 13º?

Quantas formaturas no 13º?

Quantas posses na civil?

Nos bombeiros?

Quantas sessões na Colenda até como observador?

Sim - ele conversava com as pessoas.

Parecia adorar isso.

Era como um lenitivo diário pra ele.

Recolhia informações e, por certo, 

montou uma “biblioteca” em sua 

cabeça mesclando características, nomes, 

dificuldades, demandas, opiniões, 

penúrias, anseios e sonhos de erechinenses 

de todas as camadas sociais; 

capacitando-o, 

como poucos, a interpretar 

a verdadeira alma 

do 

erechinense.


7


O Miguel de fato gostava de conversar e 

de ler nem se fala.

Trocar ideias.

Mas entre tantas virtudes, 

nesta cada vez mais dificultosa arte 

do exercício do diálogo 

-  Miguel sabia ouvir.

Dava tempo para ouvir e, isso, 

convenhamos, 

também vem rareando.

Entre num bar, entre numa barbearia, 

sente-se numa roda de amigos num café ou, 

aí é pra encerrar essa parte, pegue o celular 

e entre num grupo ou só expecte as postagens 

não sobre política ou futebol, 

nem sobre religião ou gênero, 

muito menos sobre preconceito e 

menos ainda sobre todos 

os “ismos”, sem falar se a pandemia 

é pra enriquecer laboratórios, 

ou pra dominar o mundo, ou que a vacina 

é máscara e a máscara é pra acabar 

com a identidade das pessoas 

– mas sobre, digamos uma obviedade 

esdrúxula... 

será que Elvis não morreu mesmo?

Falta civilidade.

Não há paciência.

A concordância passa longe.

Sobram ofensas.


8


Então, o Miguel com sua calça frisada, 

seus confortáveis sapatos de couro marrom (?), 

sua camisa de mangas, 

sua blusa decote “V” e suas "japonas",

(jaquetas para os mais novos) 

ou casaco de 

de lã ou ainda o "sobretudo" preto em dias frios, 

e, de quando em vez com seu lenço ao pescoço;

– ouvia, ouvia e ouvia, e, quando abria 

a boca,

com voz macia - quase aveludada, 

buscava a concordância, 

não por agrado, 

mas com argumentos, e, sem pressa, 

vasculhando 

a história na sua biblioteca de memória 

– contrapunha.

E dali ou de onde fosse 

se saía sabendo mais.


Menos mal que o Miguel, 

ao que tudo indica, 

e ao contrário de outras lideranças 

- preparou um substituto 

para a continuidade das suas ações 

na Segurança Pública: provavelmente será 

Jaime Pereira de Lima.

Se for, que desafio aguarda o Jaime!

Boa sorte e siga seu “professor”: ouça mais 

e só então aja.


9


Ah o “seu Miguel”,

lá, lá bem ao fundo...

misturando a fumaça dos seus "pitos" 

aos cheiros, cores e estampas de todos 

os tecidos em grandes rolos

recém chegados da capital paulista  

- na afamada Casas São Paulo. 

Lembram?


10


O tempo, esse tempo, 

que não está nem aí para o “tempo” 

que estamos vivendo, ou que vivemos 

ou que virá – ele se encarrega de levar tudo.

Levou o Miguel Gotler por tantas entidades 

de Campo Pequeno.

Levou o Miguel Gotler ao Legislativo 

quando este questionava o Executivo.

Levou o Miguel Gotler do futebol do Ypiranga 

para o MDB.

Levou o Miguel Gotler para o Consepro.

Levou o Miguel Gotler por todas as ruas da cidade.

Levou o Miguel Gotler das Casas São Paulo.

Levou as Casas São Paulo.

E agora levou o próprio.


11


No entanto,

seu olhar de “feliz consigo mesmo”, 

sua presença afável e,

de inebriante discrição, 

com suas mãos esfregando os dedos

no fundo dos longos bolsos 

das calças frisadas, 

descansando a consciência 

dos deveres cumpridos;

este ficará entre nós,

como exemplo de admiração

da elite aos mais humildes,

a maioria 

- desconhecidos vizinhos da mesma cidade.

Parece que o Miguel queria

encurtar essa distância.

Aproximar os tão diferentes.

E para muitos conseguiu.

Seu legado é sem contestação.

Vai Miguel. Vai...!  

                                   (12)

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