Ruy Carlos Ostermann |
Não posso guardar só para mim o sentimento de orgulho que me invade, quando recebo a foto do livro dos Atlangas nas mãos do professor Ruy Carlos Ostermann.
Não é por acaso que este homem das letras, da cultura, secretário de Estado e, do futebol, é conhecido e tratado como professor. Todos sabem quem ele foi e o que ele ainda representa – fiquemos apenas enquanto comentarista de futebol.
Sereno, de fala afável de tão educada para com os ouvidos das
pessoas e, profundamente respeitável com a inteligência dos ouvintes, à minha
observação o comentarista Ruy Carlos Ostermann externava no microfone, um
predicado raro, e que continua cada vez mais escasso: os seus comentários sobre
um jogo de futebol, invariavelmente, sempre tinham duas equipes em campo. Ele
via e analisava um jogo como ele é – ou seja – produto de 22 jogadores. Ouvi-lo
era compreender de onde brotavam os resultados, salvo raras exceções que podem
ser rotuladas irmãs das circunstâncias ou contingências de um jogo de futebol. A
propósito, não faz muito, o técnico Josep Guardiola, ao sofrer uma virada para
o Real Madrid, aos 45 e 46 minutos do 2º tempo – disse resignado: “eu aceito
porque é futebol!”.
Os comentários do professor permitiam que todos entendessem
em detalhes o que acontecia no gramado. E até para quem estivesse no estádio,
ouvir um comentário deste homem, era ser alertado para coisas que tinham
acontecido ou estavam acontecendo – mas que a sombra da paixão do torcedor encobria;
não permitindo que percebessem o que de fato acontecera na realidade deixada no
campo.
Lembro quando criança/adolescente correr para casa e ligar o
rádio Semp do meu pai Alberto, sintonizar a Guaíba para ouvir o professor. A partir
da sua fala, eu entenderia o quê, por que e como as coisas tinham acontecido. E
isto era um deleite para mim.
Sim, entender através de uma fala mansa, as razões, o que
fizeram as duas equipes em campo para merecer o que colheram ou, então; até
onde houvera interferência dos “Deuses do futebol” - como diria o saudoso
Milton Jung. Esta era uma qualidade que ninguém tinha melhor que o
professor, para explicar ao grande público, sem estardalhaço, sem agressão, sem
exageros – mas com decência, lucidez, tranquilidade, português limpo e isenção,
o que de fato acontecera dentro das quatro linhas. Sabiamente, preservava os
técnicos, talvez por que só o professor para entender as circunstâncias limitadoras
deste profissional - depois que a bola começava a rolar.
Um dia, a vida me proporcionou trabalhar na mesma empresa
onde este homem, trabalhava. E aqui agradeço em especial ao ex-colega Marco
Antônio Baggio que me abriu as portas da imprensa em Porto Alegre – sem sequer
me conhecer.
E foi assim que em 1977/1978 ao cruzar nos corredores do 2º
andar da Caldas Júnior com o professor Ruy, não raras vezes eu me beliscava,
porquanto – mas como! – até “ontem” eu buscava sua voz no radinho Semp do pai e
agora ele, eu, nós ali caminhando cada um em direção à sua sala, lembro bem; ele
além da Guaíba – na Folha da Manhã e eu na Central do Interior, dois espaços
separados pelo corredor.
Pesquisei quase três anos para tentar recuperar a história do
maior jogo de futebol de Erechim, o clássico Atlanga (Atlântico x Ypiranga) –
uma espécie de “o nosso Grenal”. Com o auxílio de muitas pessoas, entrevistas
com ex-dirigentes, ex-atletas, torcedores apaixonados e seus testemunhos de
fatos pouco conhecidos que cercaram o clássico durante 40 anos, publicações
como o jornal A Voz da Serra, dos livros de Fernando Calliari e Nadir Pereira,
das minhas lembranças de presença viva nos clássicos e, especialmente do
visionário diretor-presidente da Editora Edelbra, Jaci José De Lazzari, o livro
ficou pronto.
E depois de vê-lo entre amigos de diferentes cidades do país
e do exterior, sinto-me privilegiado e plenamente contemplado, quando “Atlanga
– 40 anos de emoções” está na residência, nas mãos do homem que melhor soube
interpretar o futebol desde os anos 1960 para cá. O futebol com suas
clarividências indiscutíveis, mas também com suas áreas obscuras despercebidas
à maioria - e que o professor desnudava com brilhantismo inigualável - recuperava à razão vitoriosos quanto derrotados. Com as orelhas baixas - era um bálsamo ouvir este homem tocar em filigranas, que na hora da paixão, quase ninguém percebia.
E este sentimento de orgulho e honra – não cabe apenas em
mim. Preciso dividi-lo com tantos quantos puder. Com os atletas do futebol
erechinense daquele tempo de dentro e fora dos gramados, com as amigas Cleusa e Márcia, com colegas da imprensa local e, também, com os membros da Academia Erechinense de Letras (AEL).
Meu pai Alberto que me levava pela mão ao campo do Atlântico é falecido. O futebol de campo do Atlântico também não existe mais. O Ypiranga está forte há sete anos na série “C” do brasileiro. O rádio Semp Valvulado - não sei onde foi parar. Eu cresci e o futebol continua. Outros comentaristas vieram com outros estilos - onde grande parte troca a análise por uma espécie de relatório para comentar uma partida de futebol. O professor se aposentou dos microfones convencionais. Não temos mais acesso aos comentários esmiuçados, serenos e sábios deste homem que viu e analisou o futebol como poucos, ou, talvez como ninguém no estado e no país. Por isso mesmo nada detém, nesta hora, minha emoção de ver Ruy Carlos Ostermann, acomodado no sofá de sua residência - abrindo o Livro dos Atlangas. Que honra... Ah – queeee honra! - digo eu, plagiando o professor Ruy quando queria destacar um atleta de qualidades superiores, como um Zico, um Gessi, um Falcão, um Hugo De Léon, um Dirceu Lopes, um Zidane, um Fernandão, um Ronaldo Fenômeno, um Mauro Galvão, um Ronaldinho, um Dicá, um Airton Pavilhão, um Gamarra, um Benitez, um Andrade, um Gallardo (River), um De Bruyne, um Valdo, um Zé Carlos (Cruzeiro e Guarani), um Carpegiani, ou um... “ahhhh queeeee jogador senhores!”, dizia ele.
O livro dos Atlangas pode encerrar sua viagem agora. Sim
porque ele chegou às mãos de quem melhor soube e sabe avaliar a relevância de
um clássico de futebol – seja ele em nível de estado ou de país, de Porto
Alegre ou de Erechim. Sobre a figura humana do professor Ruy? Magnífica.
Encontro com o professor
Paulo César Carpegiani e o livro dos Atlangas |
Fui até ele dizendo que tinha trabalhado na Central do
Interior da Caldas Júnior quando ele estava na Folha da Manhã. Obviamente não me reconheceu, mas, como de praxe dos grandes, serenamente assentou: “ah sim..!”.
E caímos numa rápida conversação sobre Paulo César Carpegiani
– que jogou nas categorias de base do Atlântico e do Ypiranga.
Opinei ao professor que considerava o Carpegiani o maior jogador da
história do Internacional – mas que em Erechim dizia-se que o pai dele, Hermínio
Carpegiani (o Velho Borges) teria jogado mais que o filho.
O Ruy então largou sua famosa gargalhada que ecoou no estádio ainda vazio - fazendo os quero-quero levantar voo do gramado, para advertir: “não meu filho, não... Ninguém jogou mais que o Paulo César (Carpegiani). Toda vez que aparece alguém extra-classe, um jogador de futebol, um cantor, enfim um artista... sempre surge logo um ou outro com ‘...isso que tu não viu o pai dele'; Não. Ninguém jogou mais que o Paulo César,”, completou, provavelmente numa comparação com o pai, que sim, jogou demais ou; que talvez se restringia ao Internacional em termos de estado, foi o entendi.
Falamos mais um pouco, agradeci ao professor e fomos cada um para o seu lado. Eu – auxiliando
no que podia o pessoal da Caldas Júnior e o professor Ruy na cabine da Gaúcha
no Colosso da Lagoa.
Enfim - obrigado pela oportunidade professor Ruy – Ruy Carlos
Ostermann por esta honra. Agradeço ainda aos irmãos Benfica e à Cristiane Ostermann,
pela gentileza de cortar caminho entre o livro e o professor.