sábado, 7 de dezembro de 2019

Tempo de lavar a casa



Gotejamento, Molhado, Gota De Água

I

Não há no ano inteiro, período de maior renovação do que este de princípio de fim de ano.
Nem mesmo a Páscoa, que é um ressuscitar, um renascer, um nascer de novo – supera este tempo de motivos natalinos.
À bem da verdade são eventos distintos: na Páscoa vem um baixo astral com a paixão e morte de Cristo, que renasce na Páscoa, mas aí o Coelhinho comercial ainda fala mais alto. Uma pena.
No fim de ano – o nascimento de Cristo ainda encanta as crianças, mas Papai Noel parece superar o coelho comercial.

II

Na verdade são três eventos básicos, que podem ser juntados em um só, que nos levam a fazer um balanço de vida interna e externa: o fim do ano, o Natal (nascimento de Cristo) e o ano novo.

 III

O que fizemos, o que deixamos de fazer, o que almejamos, o que esperamos, o que nos prometemos fazer no ano que chega, as esperanças que se foram, as esperanças que se renovam – tudo nos vêm à cabeça e aí não há castas.

IV

Quando a gente tinha lá os seus 7, seus 9, seus 11 anos – quem hoje tem seus 45 ou 50 ou ainda 60, 70 ou mais de 80 anos -, sabe que aquele tempo era também um tempo de fazer vários tipos de limpeza e de faxinas.

V

Quantos homens e rapazotes, quantas mulheres adolescentes e crianças se uniam em mutirão naqueles distantes fins-de-ano para faxinar.

VI

Quem não atendeu à porta um par de homens com escadas às costas oferecendo seus préstimos para lavar a casa?

VII

- Aiaiaiaiai, já tá tezembro e ainda não madêmo lavá o casa. Onde já se viu uma coisa déééésstas. Os vizinho já lavaram na semána passada e nós nem têmo um em vista. Hoje tu vai falá com aquele que lavô o casa ano retrasado. Será que ele ainda móra ali atrás do cemitério? Ô será que ele mora dentro!?

 VIII

- Primero tem que vê quánto custa. São capaiz de bedi R$ 500 pra lavar... e só por fóra!

IX

- Nón! Mais que R$ 300 ô R$ 500 não vámo bagá! Isso hoje em tia vai ligero pra lavar um casa. E vem água boa e bástande pela tornera... Com tudas estas chuva! E em tois dia láva tudo.

X

- E por dentro, já tá cerdo. Vámo lavá nóis mesmo. Toto mundo ajuda e também limbemo por dentro.

XI

Discussão sobre preço - pede aqui, chora ali, recua lá e mãos à obra. Escadas, mangueiras, sabão, esponjas, sobe, desce, cuidado para não cair, cuidado pra não quebrar as telhas, cuidado com o fio, não te agarra na antena da TV, sol, ameaça de chuva, chuva, raio, trovão, vento, desce, a água tá fraca, a água não chega, abre mais a torneira, um ‘pretume’, um limo que desce pelas paredes... As tábuas vão ficando branquinhas, novas, escovão, arreda as camas, os bidês ou seriam criados-mudos, o guarda-roupa, sobe na cadeira, sobe na mesa, jornal, papelão, sabão, ai que dor na nuca, ai não aguento mais o braço levantado, a água escorrendo pelo braço, pelo cotovelo, pelo antebraço, a água entrando nas axilas, ai, ai, a camisa molhada, a calça molhada, cuidado pra não pisar em cima do sabão, nossa que lambuzeira, limpa também o fio da luz, o bico, digo, a lâmpada, credo – quanta sujeira de mosca... é por isso que a luz era fraca!? Vamo pará que é quase meio dia! De tarde vâmo begá a sala e amanhám de manhám a cozinha e o pánhero. Credo – em cima do focom tá pura banha!

XII

- Precisava quase bintá outra vez, má fica pro áno que vem. Assim com uma poa lavada já muda bástande. Se não ficá nova; má tamém nem parece mais que é a mesma.

 XIII

- Más é mesmo. Pra ficá pem pom – uma móm de tinda precisava canhá! Iiia ficá que nem nôôôvo entóm!

IXV

O pó de um ano inteiro, a chuva em cima do pó, as manchas, o frio, a neblina, o sol de rachar, as noites, a sombra, a umidade – tudo surrando a casa de tábuas por um ano inteiro.

XV

É fim de ano, é Natal, é o alvorecer de um novo ano, é a esperança de banho tomado e roupa limpa e nova. E é tempo de lavar a casa, por dentro e por fora.

XVI

Por acaso, a última morada também (os túmulos) não ganham uma faxina em um ano – uma vez!?
O hábito da limpeza.
É a força da tradição.
É o instinto de não se entregar nunca, e sempre, sempre sonhar.
É a vocação das esperanças renovadas.
E neste mutirão da limpeza é onde residia, também, o sentido prático e vivo de família simples, porém, uma.


XVII


O Brasil se precipita para mais um fim de ano poucas vezes visto na sua história. De 2015 para cá tem sido meio assim. Pena a cegueira do Congresso para as demandas que não podem mais esperar. Vejam a desidratação que promoveram no projeto anticrime do ministro Sérgio Moro. Um acinte às pessoas de bem. Um totem ao atraso. Um Papai Noel bonachão a quem podem defender-se até o fim dos tempos, praticamente.

XVIII

A sujeira que Judiciário, Ministério Público e a Polícia Federal vêm revelando ao país, envergonha e enoja. E aqui não se fala da cor da casa, de bandeiras, de partidos – mas da Nação, do país, da Pátria, do Brasil.

XIX

E assim como a memória reaviva uma tradição que havia de se lavar a casa nestes tempos de fim de ano, queira Deus, e a sociedade brasileira, que a limpeza que as instituições judiciais e policiais vêm provendo, também não se deixe arrefecer e firme-se como um hábito, uma rotina, uma tradição nacional.

XX

Que este assunto de domínio nacional, escancarando a podridão ‘made in Brazil’ em diferentes instâncias, catapulte o país para um novo alvorecer, deixando claro a todos os que fazem a Nação – a certeza de que a Polícia Federal e as policias estaduais, o Ministério Federal e os estaduais, a justiça desde a Comarca mais modesta ao Supremo Tribunal Federal estão muito vivos, atentos e atuantes para fazer do nosso país um novo Brasil.


XXI

É tempo de lavar a casa.
Por dentro e por fora.
É tempo de limpar o Brasil.
Por dentro e por fora.
Abominável a sujeira.
Adorável a limpeza.
Chegou a hora.
É hoje.
É agora!


PS - Minha mãe Melita, mandou lavar sua casa na semana passada. E ficou como sempre fica nessa época. Limpinha. Saudades dos tempos em que ajudava.