Não há no ano inteiro, período de maior renovação do
que este de princípio de fim de ano.
Nem mesmo a Páscoa, que é um ressuscitar, um renascer,
um nascer de novo – supera este tempo de motivos natalinos.
À bem da verdade são eventos distintos: na Páscoa vem
um baixo astral com a paixão e morte de Cristo, que renasce na Páscoa, mas aí o
Coelhinho comercial ainda fala mais alto. Uma pena.
No fim de ano – o nascimento de Cristo ainda encanta
as crianças, mas Papai Noel parece superar o coelho comercial.
II
Na verdade são três eventos básicos, que podem ser
juntados em um só, que nos levam a fazer um balanço de vida interna e externa:
o fim do ano, o Natal (nascimento de Cristo) e o ano novo.
III
O que fizemos, o que deixamos de fazer, o que
almejamos, o que esperamos, o que nos prometemos fazer no ano que chega, as
esperanças que se foram, as esperanças que se renovam – tudo nos vêm à cabeça e
aí não há castas.
IV
Quando a gente tinha lá os seus 7, seus 9, seus 11
anos – quem hoje tem seus 45 ou 50 ou ainda 60, 70 ou mais de 80 anos -, sabe
que aquele tempo era também um tempo de fazer vários tipos de limpeza e de
faxinas.
V
Quantos homens e rapazotes, quantas mulheres adolescentes
e crianças se uniam em mutirão naqueles distantes fins-de-ano para faxinar.
VI
Quem não atendeu à porta um par de homens com escadas
às costas oferecendo seus préstimos para lavar a casa?
VII
- Aiaiaiaiai, já tá tezembro e ainda não madêmo lavá o
casa. Onde já se viu uma coisa déééésstas. Os vizinho já lavaram na semána
passada e nós nem têmo um em
vista. Hoje tu vai falá com aquele que lavô o casa ano
retrasado. Será que ele ainda móra ali atrás do cemitério? Ô será que ele mora
dentro!?
VIII
- Primero tem que vê quánto custa. São capaiz de bedi
R$ 500 pra lavar... e só por fóra!
IX
- Nón! Mais que R$ 300 ô R$ 500 não vámo bagá! Isso
hoje em tia vai ligero pra lavar um casa. E vem água boa e bástande pela
tornera... Com tudas estas chuva! E em tois dia láva tudo.
X
- E por dentro, já tá cerdo. Vámo lavá nóis mesmo.
Toto mundo ajuda e também limbemo por dentro.
XI
Discussão sobre preço - pede aqui, chora ali, recua lá
e mãos à obra. Escadas, mangueiras, sabão, esponjas, sobe, desce, cuidado para
não cair, cuidado pra não quebrar as telhas, cuidado com o fio, não te agarra
na antena da TV, sol, ameaça de chuva, chuva, raio, trovão, vento, desce, a
água tá fraca, a água não chega, abre mais a torneira, um ‘pretume’, um limo
que desce pelas paredes... As tábuas vão ficando branquinhas, novas, escovão,
arreda as camas, os bidês ou seriam criados-mudos, o guarda-roupa, sobe na
cadeira, sobe na mesa, jornal, papelão, sabão, ai que dor na nuca, ai não
aguento mais o braço levantado, a água escorrendo pelo braço, pelo cotovelo, pelo
antebraço, a água entrando nas axilas, ai, ai, a camisa molhada, a calça
molhada, cuidado pra não pisar em cima do sabão, nossa que lambuzeira, limpa
também o fio da luz, o bico, digo, a lâmpada, credo – quanta sujeira de
mosca... é por isso que a luz era fraca!? Vamo pará que é quase meio dia! De
tarde vâmo begá a sala e amanhám de manhám a cozinha e o pánhero. Credo – em
cima do focom tá pura banha!
XII
- Precisava quase bintá outra vez, má fica pro áno que
vem. Assim com uma poa lavada já muda bástande. Se não ficá nova; má tamém nem
parece mais que é a mesma.
XIII
- Más é mesmo. Pra ficá pem pom – uma móm de tinda
precisava canhá! Iiia ficá que nem nôôôvo entóm!
IXV
O pó de um ano inteiro, a chuva em cima do pó, as
manchas, o frio, a neblina, o sol de rachar, as noites, a sombra, a umidade –
tudo surrando a casa de tábuas por um ano inteiro.
XV
É fim de ano, é Natal, é o alvorecer de um novo ano, é
a esperança de banho tomado e roupa limpa e nova. E é tempo de lavar a casa,
por dentro e por fora.
XVI
Por acaso, a última morada também (os túmulos) não
ganham uma faxina em um ano – uma vez!?
O hábito da limpeza.
É a força da tradição.
É o instinto de não se entregar nunca, e sempre,
sempre sonhar.
É a vocação das esperanças renovadas.
E
neste mutirão da limpeza é onde residia, também, o sentido prático e vivo de
família simples, porém, uma.
XVII
O
Brasil se precipita para mais um fim de ano poucas vezes visto na sua história.
De 2015 para cá tem sido meio assim. Pena a cegueira do Congresso para as
demandas que não podem mais esperar. Vejam a desidratação que promoveram no
projeto anticrime do ministro Sérgio Moro. Um acinte às pessoas de bem. Um
totem ao atraso. Um Papai Noel bonachão a quem podem defender-se até o fim dos
tempos, praticamente.
XVIII
A sujeira que Judiciário, Ministério
Público e a Polícia Federal vêm revelando ao país, envergonha e enoja. E aqui
não se fala da cor da casa, de bandeiras, de partidos – mas da Nação, do país,
da Pátria, do Brasil.
XIX
E assim como a memória
reaviva uma tradição que havia de se lavar a casa nestes tempos de fim de ano,
queira Deus, e a sociedade brasileira, que a limpeza que as instituições
judiciais e policiais vêm provendo, também não se deixe arrefecer e firme-se
como um hábito, uma rotina, uma tradição nacional.
XX
Que este assunto de domínio
nacional, escancarando a podridão ‘made in Brazil’ em diferentes instâncias,
catapulte o país para um novo alvorecer, deixando claro a todos os que fazem a
Nação – a certeza de que a Polícia Federal e as policias estaduais, o
Ministério Federal e os estaduais, a justiça desde a Comarca mais modesta ao
Supremo Tribunal Federal estão muito vivos, atentos e atuantes para fazer do
nosso país um novo Brasil.
XXI
É tempo de lavar a casa.
Por dentro e por fora.
É tempo de limpar o Brasil.
Por dentro e por fora.
Abominável a sujeira.
Adorável a limpeza.
Chegou a hora.
É hoje.
É agora!
PS - Minha mãe Melita, mandou lavar sua casa na semana passada. E ficou como sempre fica nessa época. Limpinha. Saudades dos tempos em que ajudava.
PS - Minha mãe Melita, mandou lavar sua casa na semana passada. E ficou como sempre fica nessa época. Limpinha. Saudades dos tempos em que ajudava.