domingo, 25 de outubro de 2020

Santo Antônio e a cobiçada “Eleição”

 


  


1

 

  

  “Eleição” é uma dama formosa. Nestes tempos – a mais cobiçada por muitos. Atentem para as listas e as promessas que fazem a quem ajudar a conquistá-la.

  Santo Antônio que só expia, é aceito pela população que tem fé como sendo o Santo que arruma casamentos.

   E talvez por isso mesmo ele se transformou num dos Santos mais populares da igreja católica. Quanta promessa, quanta novena, quanta missa e orações ganha o Santo!

   E depois tem outra coisa: é um Santo para todas as camadas. Com ele não tem essa coisa de status... Rezou, espera que sai. Pediu – levou. Aliás – Santo Antônio, também sob este aspecto de atender a pedidos mais íntimos é um “cara” (perdão meu Santo) – que sempre se preocupou e, ainda se preocupa, com o social.

   Santo Antônio tem grande apelo principalmente entre o público feminino. Será que elas sonham mais com esse... sonho do que com o resto da vida?

   Não é à toa que Santo Antônio então tenha grande aceitação entre as mulheres, admiração de homens, e para que não crucifiquem ao Santo, nem a mim, é aceito por todos os demais gêneros. Olha só o Papa Francisco e o que disse esta semana. “Todos são iguais perante a igreja”. E deve mesmo.

 

2

 

   Lembro do velho e querido amigo Penhinha da Difusão (hoje, aposentado e gozando seus dias à beira ar), pois nos bons tempos em que ainda se procurava o par perfeito, era só ligar no Peninha, à tarde, para descobrir o que tinha de mulher e de homem mandando cartinha e mais cartinha se apresentando, dando detalhes e querendo ter um relacionamento. Era a carência afetiva que tantas doenças provoca. Raiz de males do corpo, da cabeça e da alma.

   “Rosa Perfumada, 1,53 metro, 72 quilos, olhos castanhos escuros, fundos - cabelos cheios e crespos (estilo bombril), sonhadora, sincera, torcedora do Inter, fã do Fábio Jr., Odair José e do Grupo Karisma, catequista, 1º grau completo, virgem, 34 anos – gostaria de corresponder-se com rapaz alto, olhos verdes, que tenha entre 19 e 23 anos, inteligente, sincero, trabalhador, educado, carinhoso,  independente financeiramente, sem compromissos amorosos e com grandes perspectivas na vida. Cartas podem ser enviadas para a emissora ou então ao posto central dos Correios na Linha Pummm – município de...

    Olha, com uma folha corrida dessas, com as preferências da “Perfumada”, – talvez não tenha Santo Antônio que dê jeito. Mas - certamente, sem a invocação dele – tudo pode ficar mais impossível ainda.

 

3

 

   E qual é o problema da gente se agarrar num Santo? Ainda mais por uma razão tão importante assim na vida.

  Não pregam que a família é uma instituição que está passando por grave crise?  – Todas as denominações religiosas não vivem defendendo a família? Claro que sim.

   Então tudo isso justifica os meios que podem nos levar a ter alguém na vida, porque, pensando bem, que droga essa solidão. Olha só essa pandemia! Ruim com alguém em casa – pior só. Não ter quem nos feche o “reco”, melhor – o fecho do vestido ou que nos pregue os botões que estão caindo da camisa! Que castigo esse negócio da gente cozinhar pra gente mesmo! Não se ter nem com quem reclamar da luz acesa ou sequer poder discutir pra trocar de canal. Não ter alguém pra reclamar que não sai do banheiro e a gente aqui nem se urinando! Pode sair e voltar e ninguém fica te cobrando. Nenhuma reclamação de que a gente só quer ver futebol. E quando é hora de encarar sozinho aquele latifúndio (cama) improdutivo!? E o inverno que se foi... Como é que se vai sobreviver ao próximo, assim, só, nesta solidão solitária. Como!? – me diga Meu Santo Antônio!?

 

4

 

   “É minha gente”, como diria o cassado, “não me deixem só!”. E é por isto que podemos dizer de novo - não tenham vergonha não. É por isto que se justificam todas as orações, todas as novenas, todos os terços, todas as preces em honra ao Santo Casamenteiro.

   Quanto estresse este Santo já livrou e curou!? (Não me perguntem quantos se instalaram! Mas, tragam água. Ligeiro. Água que o Santo precisa lavar as mãos).

 

5

 

   Houve um tempo em que políticos desta comuna tinham suas sérias dúvidas sobre o poder do Considerado. Mais – muito mais - por vaidades pessoais, claro, o que também é do jogo, afinal, nem todos os casais de papel passado, grupos ou ajuntados trazem como selo o carimbo de Santo Antônio. Porém, nunca duvidei que lá no fundo, nenhum dos políticos se salvou sem pedir uma mãozinha a Antônio, o Santo, para encontrar a “outra metade da laranja”. A outra metade da... Meeuuuuu - quanto pó – Santo!

  E melhor ainda se a metade faltante se chamasse exoticamente “Eleição”. Com ou sem perfume. Pois, nesta última quadra do incrível 2020, não anda nada promissor, para muitos pretendentes - conquistar a donzela. Até com a mão do Santo.

 

6

 

  Debochada, ela só mostra as canelas, causando frenesi porque ela não só é demais, se parece demais, como sabe que é demais. Imagine uma lua de mel de quatro anos com ela.

   A donzela “Eleição” é tão orgulhosa, tão dona de si, tão narcisa das suas “virtudes” (ela sabe o que tem por baixo e o que pode ofertar), que nem liga à interferência do Santo Casamenteiro.     É só ela se fazer anunciar e é aquela correria. Quanto mais se atiram atrás dela, mais ela judia. Além do mais, ela está ciente do mundo em que vivemos, dos tempos que enfrentamos – mas, atenção, atenção - se o “escolhido” titubear e deixar o cachimbo cair, cuidado; o segundo da lista estará prontinho.

 

7

 

    Então aí está. Se é duro ficar sozinho, se é quase insuportável a solidão – dessas de quatro anos ainda vai, mas de oito, 12 ou mais - dessas de uma vida inteira até aqui ou até o final do excepcional 2020;  Minha Mãe do Céu isso é quase humanamente insuportável. E se o diagnóstico indica que Santo Antônio pode não dar conta, sozinho, por que então não apelar para todos os Santos e até às Santas?

 

   Jurem: “prometo ser fiel/Amar-te e respeitar-te/Na alegria e na tristeza/Na saúde e na doença/Na riqueza e na pobreza - (mais na riqueza)/Por todos os dias da nossa vida/Até que a morte nos separe” (ou um cartório ou outra “Eleição” – mais jovem. Nunca se sabe. Porque até a beleza mais atraente satura. Enjoa. Bicho insatisfeito o homem. Sempre pronto pra outra!).

 

8

 

   “Eleição” – amanda, desejada, cobiçada; imagina quando lhe botarem as mãos! Ó meu querido e amado Santo Antônio, vós que sois um exemplo de fé, e fostes tão bondoso e auxiliador com as donzelas de sua época, ajudando-as a contrair o sacramento do Matrimônio, ouça agora à minha súplica. Sinto-me tão só. Preciso de... E, assim, serei sempre grato a ti e a Nosso Senhor Jesus Cristo. Assim seja. Amém”.

    No aguardo do milagre, revisito Bin Laden derrubando o WTC, Moisés abrindo o Mar Vermelho, Bolsonaro elegendo-se sem TV, e o Inter com Edinho, Monteiro, Rubens Cardoso e Gabiru - ganhando o mundial do Barcelona. Neste caso “dona Vitória” apaixonou-se pelos caras e Antonio também jogou Lá De Cima – por certo.

    Se este milagre de fato se concretizar, vou Lhe pedir, mas daí já com certeza, que o Ypiranga case ainda este ano, sob suas benções, com a cobiçada donzela “Série B”.  

 

9

 

    A despeito de uma pré-preferência especulativa, é lógico, de “Eleição” por este ou aquele – pois, para seguir sendo rigorosamente verdadeiro e fiel à minha consciência, confesso e rogo-lhe desde já, Santo Antônio; perdão e compaixão, porque o paradoxo se impõe no meu íntimo, ao menos nesta hora onde até inverto as bolas: “sigo confiante, mesmo sem esperança!”. Evidente, fosse eu um dos interessados na bem-dita.

 

10

 

  Sim, porque, olha só o caso da médica seqüestrada. Quando a maioria com que se falava já tinha jogado a toalha (de terça pra quarta - num escape de desesperança), assim mesmo em confiança, rezavam. Aliás, foi o meu caso.

  E é o caso de quatro pretendentes, oito ou mais de 250, confiarem; sim, confiarem que a cabeça da donzela, perfumada ou não, pode virar e surpreender, conduzindo interessados à beira de um colapso, com seu sorriso e sua aura de “perfeitinha”; deixando os escolhidos por 48 meses de boca aberta - tentando entender o milagre. Seria Macho Picchu em Campo Pequeno. Das palavras à concretude - “baixou o Santo!”. Antônio, ô Antônio, fala com a donzela. Honra tua fama!

 

 

domingo, 18 de outubro de 2020

As razões do pai de São Francisco de Assis


 

 I


“É dando que se recebe

É perdoando que se é perdoado

E é morrendo que se vive

Para a vida eterna”.

S. Francisco)

 

II

 

Giovanni di Pietro di Bernardone, mais conhecido como São Francisco de Assis, nasceu em 26 de setembro de 1181 e faleceu em 3 de outubro de 1226 em Assis, Itália. Venerado pela Igreja Católica. Sua canonização foi em 16 de junho de 1228, pelo Papa Gregório IX.

 

III

 

Era filho do comerciante italiano Pietro di Bernadone dei Moriconi e sua esposa Pica Bourlemont. Os pais de Francisco faziam parte da burguesia da cidade de Assis e, graças a negócios bem sucedidos na Provença, França; conquistaram riqueza e bem estar. Dedução: trabalharam!? Eis a questão.

 

IV

O menino cresceu e se tornou um jovem popular entre seus amigos por sua indisciplina e extravagâncias, por sua paixão pelas aventuras, pelas roupas da moda e pela bebida e, por sua liberalidade com... o dinheiro E é aqui que mostrava uma índole bondosa.

 

V

 

Queria glória. Teve um sonho ou uma visão, e ouviu uma voz: quem te pode ser de mais proveito? O senhor ou o servo? Como Francisco respondesse: o senhor ouviu novamente a voz: então por que deixas o senhor pelo servo e o príncipe pelo vassalo? Francisco se confundiu: que queres que eu faça? - e a voz replicou: volta para tua terra e te será dito o que!

 

VI

 

Durante uma algazarra com seus amigos, teria sido tocado pela presença divina, e desde então, começou a perder o interesse por seus antigos hábitos de vida e mostrar preocupação pelos necessitados. Eleito “rei da juventude” em um festejo folclórico retirou-se para uma caverna. Queria meditar.

 

VII

 

Certo dia ouviu o sino que os leprosos deviam usar para indicar a sua aproximação, e logo se viu frente a frente de um deles. Francisco sempre sentira repulsa dos leprosos, mas desceu de seu cavalo e cobriu o homem com o próprio manto. Espantado, olhou nos olhos do outro, e viu sua gratidão, e enquanto ele mesmo chorava, beijou aquele rosto deformado pela moléstia. Ali - ele virou. Teria tentado seguir o ofício de seu pai, mas faltava-lhe devoção ao trabalho. Estava cada vez mais interessado em ajudar os pobres.

 

VIII

 

Na igreja de São Damião, ouviu pela primeira vez a voz de Cristo. A voz chamou sua atenção para o estado de ruína da Igreja.Voltou para sua casa, recolheu tecidos caros da loja de seu pai e os vendeu a baixo preço no mercado. Voltou para a igreja doando o dinheiro para o padre a fim de restaurar o prédio decadente.

 

IX

 

O pai se enfureceu e mandou que o buscassem. Atemorizado, Francisco se escondeu em um celeiro. Passado algum tempo, decidiu revelar-se e, diante do povo de Assis, se acusou de preguiçoso e desocupado. A multidão o tomou por louco e divertiu-se apedrejando-o. O pai ouviu o tumulto e o recolheu para sua casa, mas o acorrentou no porão.

 

X

 

A mãe, por compaixão, livrou-o das correntes, e Giovani foi buscar refúgio junto ao bispo. O pai seguiu-o e o acusou de dissipador de sua fortuna, pelo que ele havia tirado sem licença de sua loja.

 

XI

 

Então, para a surpresa de todos, Francisco despiu todas as suas belas roupas e as colocou aos pés do pai, renunciou à sua herança, pediu a bênção do bispo e, partiu, completamente nu, para iniciar uma vida de pobreza junto do povo, da qual jamais retornou. O bispo viu nesse gesto um sinal divino e se tornou seu protetor pelo resto da vida.

 

XII

 

A história do Santo é contagiante. Em certas geografias do planeta, fez seguidores; mas o contágio vai além do filho do comerciante Pietro, porquanto, quando observado pela fresta da benevolência, do bom coração e dádiva para com os pobres que pessoas e governos “cuidam” – conclui-se com a frieza de um juiz que aplica a lei severa: parece que o pai do Santo também tinha suas razões.

 

XIII

 

Afinal, uma coisa é caridade pelo outro. Outra coisa é compaixão, é dar tudo com o suor, com a benevolência, com a determinação, com as roupas, com os bens, com as obras, com o capital... com o dinheiro dos outros, e não do que exatamente lhe pertence – como o fez Giovani com seu pai.

 

XIV

 

Lembro de uma das falas de João Paulo I – tão logo eleito Papa. Deu a entender sua Santidade – que chegara a hora de dividir o ouro da Igreja. Trinta e três dias de Papado depois e algum mal fatal lhe papou a vida. “Deus o chamou”

 

XV

 

Em “O poderoso chefão”, obra escrita por Mário Puzzo e eternizada no cinema sob a direção Francis Ford Copolla a história ganha asas...

 

XVI

 

O fato crucial, essencial e central é um só e leva a reflexão: caridade sim! – mas, com os dinheiros de quem? Diante do bom coração do filho, mas com o dinheiro paterno, o pai Pietro acorrentou-o.

 

XVII

 

A mãe e o bispo tiveram que intervir. Quando renunciou à herança, começando a carreira de “ajudante ou salvador dos pobres”, é provável que já sentia-se Santo – quase Deus.

 

XVIII

 

São Francisco então estava errado ao dar? Ao dar até suas roupas! É claro que a caridade é um bem, uma necessidade, um ato de amor. Mas como fica então o ditado “ensinem a pescar...!”.

 

XIX

 

Certo ou errado, acorrentado pelo pai para que o filho parasse de limpar a loja e dar tudo que não será seu, mas libertado pela mãe e acolhido pelo bispo – as teses que digladiem-se entre si “ad eternum” sobre a obra do hoje Santo reverenciado.

 

XX

 

Noves fora as pessoas que fazem caridade com o que é seu, de uma coisa, não se tem notícia sobre Giovanni di Pietro di Bernardone: nunca se ouviu falar que tenha se candidatado a algum cargo, prometendo fazer o que fez com o que era seu ou com o que não era seu.  

 

XXI

 

Conheço muita gente laboriosa, com anos e anos de caniço e anzol, que não se candidata porque teme ter de ver-se seduzida a dar – o que não lhe pertence.

 

XXII

 

Giovani iniciou sua índole bondosa tirando do seu pai. Mas Pietro di Bernadone dei Moriconi tinha sua razões.

 

XXIII

 

Dar aos outros o que não lhe pertence é pecado – aos olhos da Justiça Divina. Que Pietros abram os olhos com os Giovanis ou Giuseppes, como eu, para não ser mal interpretado.

 

 

PS – Pietros e Giovanis somos todos nós.

 

domingo, 11 de outubro de 2020

Quando as romarias não conheciam pandemias

 

      Crédito: Padre Antonio Valentini Neto/Diocese de Erechim

(Personagens e diálogos fictícios de uma romaria de Fátima, quando ninguém nem sonhava ter de esconder a cara na frente da Santa numa festa destas).

Domingo. 8 horas. Estou saindo de casa, perto do Santuário. Incrivelmente, não chove depois de uma semana e de todas as previsões que falavam em muita chuva neste domingo. Até está com cara de que o dia vai ficar nublado – mas sem chuva. Mas faz calor. É quase um milagre. Ganho a rua, dobro à esquerda que leva ao Santuário.

-       Tá pom assim. Tá pom.

- Vem, vem... Pode vir mais um poquinhno. Isto, aí tá pom. Abaga as luz e enchaveia pem.

São Fuscas brancos e verdinhos, Brasílias amareladas, vermelhas - muitas Brasílias, Gols, Corsas e Unos que vão procurando um lugar. Deixam homens queimados do sol e que carregam grossos chaveiros. Mulheres precavidas que vão se desfazendo das blusas e sombrinhas. Adolescentes que saem do fundo dos carros com os olhos esbugalhados. Estão na cidade! Num deles o homem precisa abrir de novo o Fusca. Esqueceram uma mamadeira. São carros com a ‘saia’ embarrada que vem de Áurea, Sertão, São Valentim, Três Arroios, Viadutos, Mariano Moro, Campinas do Sul, Itatiba do Sul... Já se ouve o som do alto-falante.

- A procissão nem saiu ainda lá da catedral e aqui no santuário já são milhares os romeiros...

Entro na Sete. Os táxis do ponto em frente ao Master foram colocados alguns metros à frente.

-       Que horas vocês saíram!?

- Tiramos leide das vacas, tratamos a criação... mais ou menos 6 e meia nóis saímo! Mas tá boa a estrada. Eu pensava que com tánta chuva...

O Guarda Municipal apita e faz sinal mandando que os carros parem para mais um grupo atravessar as duas vias da Sete  pela faixa de segurança até o portão do santuário. Vou junto. Meninas colam o emblema verde claro no peito dos que chegam. Não me viram e segui ‘sem identificação’ pela reta que leva à esplanada.

- Pedimos às pessoas que não deixem a carteira à vista porque no meio da multidão que vamos ter hoje aqui, sempre tem um...

- Tec, tec, tec... senhor romeiro... uma ixmolinha po pobre... uma ixmolinha...

- A procissão começa a se deslocar lá no centro da cidade. Vamos cantar: Muito obrigado, Mãe/Mãe do Menino Deus/nascido em Belém/há dois mil anos!/

-       Aonde a gente compra a ficha pro churrasco!?

- Não por aí... a grama tá toda molhada. Olha o baaarro – pai!

- Será que lá também tem pão, cerveja, refrigente, cuca...!

- O povo em romaria, de carro ou a pé,/ vem te pedir, Maria:/ “Aumenta a nossa fé!”

- Atenção romeiros: A coordenação da romaria avisa que apenas os objetos religiosos que são vendidos dentro do santuário é que são autorizados pelos organizadores. O que é vendido fora do santuário não é da nossa responsabilidade e não ajuda a igreja...

- Olha a medalhinha da Santinha. Olha a fitinha... Um Realzinho!!.

De repente uma garotinha de 9 ou 10 anos me gruda um emblema da festa de Fátima no lado esquerda do peito.

- Agora, a procissão já caminha duas quadras da catedral.

- Nesta segunda dezena do terço, vamos... Pai Nosso que Estais no Céu...

Junto à imagem de Nossa Senhora de Fátima, toda engalanada de lindíssimas rosas e flores mis o chão arde. As velas derretem e se acendem queimando sobre a grama embarrada. bouquês são depositados. Terços desfiados. Gente de joelhos engolinndo rezas. Um homem fita o infinito por trás dos eucaliptos lá pra baixo donde se dá a fronteira do seminário com a URI. Um abre com ...‘Pai Nosso que Estais no Céu’ e o outro ao lado já vai no... ‘O Pão nosso de cada dia...’.

No altar os padres animadores não param de se agitar. Microfones são testados. Violão, guitarras, violino, um pequeno coro, botões da mesa de som... “baixa, baixa... levanta, levanta um ponto... Aí, aí tá bom... Nossa Senhora, Mãe dos peregrinos,/Vem conosco caminhar!/Eis aqui o teu povo, Maria de Nazaré!/

Encostados num Gol sujo de barro – adolescentes de calça de brim sobrando por cima dos grossos tênis brancos, acendem cigarros alheios à concentração das preces  e falam da matiné dançante marcada para o fim do mês na comunidade... Avanço até onde dá pelo asfalto, mas tenho que enveredar pela grama barrenta que nem a serragem resolve. Entro no santuário. Todos os bancos estão tomados, a maioria – pessoas de idade. Nas imagens espalhadas pela igreja, grupamentos de pessoas que não param de rezar. Pais se abaixam para que os filhos de colo toquem com as mãozinhas a imagem. Os adultos não saem sem também tocar a Santa. Mais flores depositadas. Outros escolhem lembracinhas em fitas coloridas e abençoadas. Saio da igreja e vou para os fundos do seminário. Mais gente. Filas num corredor. Alguém pergunta pelo banheiro.

- Senhor, senhor – quer confessar? Entre naquela fila.

Retorno, atravesso a igreja, saio com pressa, mas agora sim, muita gente. Volto até o pórtico. A aglomeração de pessoas aumentou muito. O trânsito está fechado. Na frente do (antigo) Daer vem avançando a procissão. São cabeças e cabeças.

- Em procissão, em romaria/ romeiro ruma para a casa de Maria./ Em procissão, feliz da vida,/ romeiro vem buscar a paz da Mãe querida – cantam e rezam.

- Para trás, para trás, por favor – vamos deixar a procissão passar, gesticulam alguns organizadores. Policiais militares também ajudam. Um câmera de uma TV sobe no pórtico.

A procissão troca a Sete pela reta de acesso à esplanada, fazendo uma curva em boa velocidade.

- Quinze mil. Não tem mais que isso, comenta um brigadiano, sem saber que a procissão ainda se arrastava lá pela sorveteria Massoka.

- Olha – daqui da entrada até lá na frente tem quase 200 metros. De largura são uns 20. Só aí dá 4  mil metros. Tu divide isso por nove, mas vamo deixá por oito pessoa em cada metro ... só aí tem... 50 mil. Cruzes! (Não entendia nada...).

- Fora os que tão debaixo dos eucalipto, ajunta rapidamente um rapazola – daqueles curiosos e atentos sempre prontos a meter-se numa conversa.

- É... tem uns 50 mil... Quem teve no ano passado... Hoje tem mais, muito mais.

- E pensa no que choveu e parô logo hoje! Só pode sê milagre de Nossa Senhora, acrescenta o curioso atilado.

A imagem da Santa vem sendo carregada nos ombros de quatro ou seis homens. Ela anda depressa pelos pés deles. Balança e balança de um lado para outro, parece que vai cair, mas mesmo que despencasse, nunca chegaria ao chão. São milhares os romeiros que a circundam.

- Viva Nossa Senhora de Fátima, grita uma mulher, puxando uma perna e em lágrimas –atrás de mim. Uns viram, cheios daquela vergonha dos tímidos e, “viva!”.

- Um carro de som abre passagem, afugentando o grupo que se espreme no portão para ver a Santa de pertinho.

- Lá no altar – o animador também invoca e grita: - Já estamos vendo! Sim... Lá vem chegando Nossa Senhora. A Nossa Mãe já está entrando no Santuário neste momento – o som se descontrola um pouco, mas logo volta. “Nossa Senhora está entrando na Sua Casa. Vamos saudá-la com nossos lenços brancos”, grita o animador e logo milhares de lenços brancos se agitam.

- Nossa Senhora, Mãe dos peregrinos/vem conosco caminhar!/: eis aqui o teu povo...”.

Lágrimas se confundem com orações. Olhos procuram o melhor ângulo. A multidão caminha até onde dá e depois se esparrama sob as árvores, pisando o barro que se esconde o gramado molhado. São 10 horas e já há quem saia com dois espetos na mão, abrindo caminho por quem acabara de chegar. Lá no canto, em cima de pelegos, uma família se acomoda. A mãe dá de mamar ao bebê. A imagem de Fátima é depositada no altar.

- Com minha Mãe estarei/Na Santa Casa um dia/Ao lado de Maria...

Dom Girônimo (hoje já falecido) é anunciado. Inicia a missa. Mais acima dele – fotógrafos e policiais com binóculos têm a visão do largo de Fátima. Conferem sensação de segurança. Pobres e ricos, brancos e pretos, gentes da cidade e da colônia, batedores de carteira, pagadores de promessa, festeiros, idosos, criancinhas, indigentes, freiras, vendedores de chapéu, brigadianos carregando mulher desmaiada, casais de namorados – tudo se agita, e se mexe, e se ajeita e se acomoda do jeito que pode, que precisa, ou que dá.

Me reencosto numa árvore para ouvir D. Girônimo:

-       Queridos romeiros...

Atrás de mim, alheios à homilia dois rapazotes coxixam. Tu viu o estoro que deu na cidade?(Até hoje não descobri de onde eram – provavelmente de outro estado).

- Se for verdade... será que chega no fim?

- Este ano Jubilar é para a glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo...

- Tão dizendo que vai dá cadeia.

- Maria, saúde e dignidade para todos...

- Tu acha que isso vai se revolvê até quando?

- Um novo milênio de justiça, solidariedade e paz... Queridos romeiros, me lembro que ano passado quando encerrava a 48ª romaria eu falava do Ano Jubilar, recordava Dom Girônimo.

Eu queria me virar e olhar, mas... minha discrição optou pela imagem da Santa. E continuavam...

- Tu te lembra do que um cara falava...

- Tende piedade, tende piedade, tende piedade de nós, ó Senhor!/ Vosso povo é santo, mas também é pecador.

- Aí tem muita sujera...

- Cantemos alegres a uma só voz: “Francisco e Jacinta, rogai por nós!”.

- E aquele juiz desgraçado do grenal...

- ... e perdoai as nossas ofensas....

- Diz que o Lula vai de novo...

- Santo, Santo, Santo é o Senhor!/Glórias, hosana e louvor.

- Éééé´... não sei se não vai mesmo...

- E Livrai-nos do mal amém!

- Oi, senhor romeiro... uma exmolinha pro alejado...

- Ôôôôô... passa aqui! Fica perto desse teu pai infeliz!

- Santa Maria,  rogai por nós...

- Ô negra... fica cás criança que vô se ainda arrumo ficha pro churrasco.

- Vê se não vai tê perdê já na cachaça. Demônho!

-  Segura na Mão de Deus/Segura não mão de Deus....

Saí dali e voltei para o interior da igreja. Dezenas de “ministros” da igreja foram buscar a Eucaristia. Eram mais de 35 mil hóstias. Me espremi o que deu – mas não consegui comungar.

- Quem não comungou, pode dirigir-se depois para o interior do santuário... anunciava um padre.

Era quase meio dia. Fui almoçar em casa. À tarde voltei para benção da saúde. De novo, a multidão em pé, atenta, cheia de fé. A benção da saúde é um dos pontos altos da romaria. Se a fé cura – muita gente vai ficar bem pelo que vi. Logo em seguida, o último passeio da imagem de Fátima por entre a multidão que arrancou as flores e   pequenos galhos de cipreste eram disputados quase ferozmente. Fitas eram recortadas em pedacinhos para quem quisesse levar consigo de lembrança. Sob as árvores, homens bebiam e jogavam. Um deles tinha dois garrafões de vinho aos pés e tentava um terceiro. Brrrrrrrrrrr – girava a roleta. “Olha os últimos números”. “Me dá dois, não me dá a cartela toda!”. Bebês dormiam sacudidos. Fiz o sinal da cruz, beijei minha medalhinha que comprei de manhã e decidi ir embora. Faltam 15 pras 5.

Às 9 da noite – quando todas as Brasílias, Fuscas, Gols, Unos, ônibus, Vanz, Kombis e Corsas descansavam em suas garagens, depois de um dia de espera em dia abafado, a chuva da semana inteira, recomeçou serena. Serena como o semblante de Nossa Senhora de Fátima.