Jair da Cruz, o Miúdo.. Crédito: Arquivo de Família |
A Maurício Cardoso está mais triste. E mais vazia. Não sei se notaram. Sim, porque, ali no banco do canteiro central , bem em frente ao condomínio Erechim, falta alguém. Por anos e anos as folhas dos ligustros despencaram das copas e, algumas, se aninhavam no colo, no boné e ao lado do Jair da Cruz, o popular Miúdo como tornou-se conhecido de forma carinhosa.
Conheci o Miúdo através dos jogos de loteria que fazia e nos bares da vida.
Mas
o Miúdo se destacava por outras virtudes. Sempre com alto astral, sempre com
brincadeiras, sempre colocando o “Seu Grêmio” como um farol de entretenimento e
paixão, sempre com elogios ao “Canário” como gostava de se referir ao Ypiranga. Apaixonado por rádio, fazia dele um homem muito bem informado sobre a realidade - especialmente no mundo futebol - mas não só sobre o mundo da bola. Política era outro prato preferido, além das cenas e notícias importantes e curiosas.
"Miúdo", em casa e mais magro, com a camisa do seu "Canário". Crédito: Arquivo de Família |
O Miúdo era um sujeito que fazia das suas brincadeiras, da sua simpatia, da sua boa companhia e das suas gargalhadas, um contraponto ao seu biotipo de corpanzil alto, gordo e forte – aos seus bem mais de 100 quilos e, segundo alguns, de pé 48. Ninguém em sã consciência queria briga com ele, embora provavelmente não encontrasse nele um inimigo, talvez, quanto muito, um adversário se a tanto fosse levado.
Desde
minha adolescência eu guardo a escalação de um time que existia só na minha
cabeça. Eram nomes curiosos e, quando escalados por um técnico também meio
gago, fazia a gente rir. E a tal da escalação o Miúdo adotou como uma saudação
quando me via. E lá vinha ele com o time, imitando o técnico, como disse,
também existente só na ficção: “O meuuuu time vai jogáá com Oooberdã; Paaataclã,
Saaarará, Domingues e Caieira; Diabinho e Bem Feio; Marmelo, Elo, Pinguelo e
Martelo”, e aí o Miúdio dava uma gargalhada que fazia farfalhar as folhas dos
ligustros (hoje não mais existentes na Maurício).
Foi
uma pena perder uma figura, um personagem, um cidadão perfeitamente incorporado
à cena erechinense. Nunca vi ninguém falar mal dele. Nunca ouvi uma discussão
dele com alguém. Perfeito não era porquanto tratava-se de um ser humano. Mas que
ser humano. Que cara legal. Que amigo que se foi sem mesmo se despedir dos
amigos. Um dia sumiu do centro da cidade para cuidar
"Miúdo" ligado no "Tocando a bola" da Difusão. Crédito: Arquivo de Família |
Atribui-se
ao dr. Sigmund Freud que o “o luto deixa o mundo mais triste e vazio”. E com a
saída de cena, da cena da Maurício, da cena dos bancos dos canteiros centrais,
com o desaparecimento do boné, do colo, dos ombros, do corpanzil que as folhas
dos ligustros procuravam para não beijar o chão, fazendo-se repousar em
sintonia com aquela figura de corpo bem grande, de coração que acompanhava seu biotipo,
aquela figura que gargalhava fácil e sem economia e que, por vezes, mostrava-se
observadoramente silente, amistosa e admirada, pode-se garantir que a Maurício
Cardoso, a cidade, enfim, não é mais a mesma que a marcou por décadas.
Que
pena o Miúdo ter nos deixado tão cedo, mesmo aos 72 anos. Por que não sentei
mais vezes nos bancos ao seu lado para acalmar a alma com suas tiradas e
gargalhadas? As folhas de ligustros não caem mais porque foram arrancadas com
troncos e tudo – há tempos. Árvores floridas tomaram seus lugares, mas elas tiveram
pouco tempo para descansar no colo e no boné do grande amigo e personagem no
qual se transformou o Miúdo.
Mas,
quando passo pelo canteiro central em frente ao Condomínio Erechim, ao
lançar o olhar para o banco vazio, me vem a lembrança e ainda ouço: “Oooberdã; Paaataclã, Saarará, Domingues e Caieira...., ahahahahahahahah”.
Sim
– Freud tinha razão: “o luto deixa o mundo mais triste e vazio”. No caso específico do Miúdo podia, muito modestamente, "emendar" ao pensamento do genial psicólogo: mais triste e vazio - "do primeiro ao quinto".