Por
José Adelar Ody
Vágner, Pedrinho, Naudi e Paulo Muller (Foto/Arquivo). |
Com o prematuro falecimento de Pedrinho Cunha, um dos líderes do maior conjunto de rock’nrol que Erechim já teve, recupero aqui um texto que escrevi no jornal A Voz da Serra no dia 7 de novembro de 1992 e que tenta retratar um pedaço da história dos Crazy Boys.
Pedrinho Cunha foi sepultado no cemitério Pio XII na manhã do dia 15 de julho de 2004 sob intensa chuva. Em 23 de fevereiro de 2019 era sepultado no cemitério Santa Cruz, Sergio Intkar. Ambas despedidas ao som de baladas da Jovem Guarda que os Crazy souberam interpretar como poucos por aqui.
O texto de 1992 – saiu no dia que marcou a volta dos Crazy ao CER Atlântico e deve sempre ser lembrado e, se se possível ir para os arquivos da historia que guarda as nossas melhores virtudes - desta feita, da música.
E porque estamos no mês do rock - reverenciemos os Crazy.
E se fosse possível, de verdade, entrar numa dessas músicas que os 'Crazy' tocam, e voltar aos anos 60 quando a gente andava meio sem dinheiro flertando à vida, a gente voltaria?
Lá se foi nossa emoção, por vezes flagrantemente exposta às custas do
nosso próprio rubor. Tudo, absolutamente tudo, levado por conta de uma espiada
mais ousada.
Os Beatles tocavam lá. Os Crazy, cá.
A vida ainda é nossa. A nossa vida.
Mas a vida mudou e do passado a gente lembra quase todo. Do bom ou do
ruim.
Quando se pensa nos ‘Crazy Boys’ a gente se lembra, principalmente, da gente!
Domingo, duas da tarde, 1966.
Vágner, Pedrinho, Paulo Muller e Naudi - bateria. (Foto Arquivo) |
Pedrinho Cunha e Naudi Dalpizzolo, 18 e 17 anos respectivamente, estão no centro da cidade. Amigos inseparáveis da mesma rua perto do antigo campo do Atlântico, fãs incondicionais de tudo o que acontecia no movimento ‘Jovem Guarda’, eles alimentam apenas um sonho. Querem cantar. Cantar e tocar. Era o sonho de todo o jovem. Era o comum. Era o natural. Era a glória.
Os dois amigos que tinham alguns conhecimentos rudimentares sobre
violão e bateria, subiram as estreitas escadarias do edifício Condomínio
Erechim levando com eles até o terceiro andar sua curiosidade. Eles estavam
perto de ver com os próprios olhos o Canal 2 - TV Erechim. Mais que isso,
estavam diante da possibilidade de assistirem ao ensaio dos cantores que se
apresentariam a partir das oito horas no programa ‘A noite é nossa’.
Donos de boa voz e muita harmonia, Pedrinho e Naudi conheceram naquela tarde aqueles que formariam a outra metade do conjunto ‘The Crazy Boys’. Paulo Muller e Vágner Brusamarelo, que sabiam tocar, mas tinham alguma dificuldade quanto ao canto.
- Eu senti que a dupla tinha condições muito boas para tocar e por isso
alguém correu até a Livraria ABC onde arrumaram um violão, disse Jovino Alves
Martins, apresentador do programa ‘A noite é nossa’. Sem que ninguém saiba
explicar com detalhes, ainda naquela tarde de domingo os quatro rapazes
cantaram alguma coisa e acertaram a presença do grupo no programa de televisão
naquele domingo mesmo à noite. Mas havia ainda um problema. ‘Na hora de
anunciar o grupo, que nome eu falaria', diz Jovino .
Pedrinho conta que sua irmã Eloá, sempre falava que ‘nós éramos meninos loucos’, que em inglês representa ‘The Crazy Boys’. À noite, quando Jovino Martins anunciou o grupo, ele chamou ‘The Crazy Boys’. Um grupo estreante no tradicional programa das noites de domingo num dos raríssimos canais de televisão do interior do Estado.
‘Tocamos La Bamba, lembra Pedrinho Cunha e depois daquela apresentação
o que aconteceu, passou a representar a metamorfose dos nossos sonhos para a
realidade'.
7 da manhã: ensaio!
Paulo Muller, Pedrinho, Naudi e Vágner. (Foto Arquivo) |
Quando o quarteto parou de tocar ‘La Bamba’ foi a vez do telefone tocar na emissora
da televisão. Era alguém que queria ver e ouvir de novo o conjunto. ‘Naquela
noite’, disse Pedrinho, ‘saímos do condomínio certos de que alguma coisa tinha
mudado já, e muita coisa iria mudar ainda. Foram dezenas de telefonemas. Acertamos
logo um ensaio para o dia seguinte às 7 horas da manhã na garagem da casa de
meu pai na rua do Recanto do Chimarrão'.
Convites para animar festinhas de aniversário de 15 anos que levavam o conjunto (banda) a se apresentar em até quatro locais diferentes nos fins de semana provocaram a cobrança de um cachê que Pedrinho nem lembra mais. ‘Mas era algo acessível. Nós queríamos tocar e cantar’
Logo os quatro rapazes decidiram que estava na hora de comprar instrumentos melhores. Chegaram duas guitarras para Paulo e Vágner, uma bateria para Naudi e um baixo para Pedrinho. Como num sonho, ainda em 1966 o conjunto estava em Londrina (PR) se apresentando para um grande público numa exposição industrial, comercial e agropecuária. Lá o conjunto acabou se apresentando num canal de televisão e numa emissora de rádio.
Tentando se lembrar das apresentações, Pedrinho se perde no itinerário certo das excursões e numera apenas Porto Alegre, Carazinho, Concórdia, Passo Fundo, Joaçaba, Foz do Iguaçu e Cascavel entre outras. O repertório não abandonava Renato e Seus Blues Caps, Roberto Carlos, Os Incríveis e os Beatles, aliás, mais que isso seria estar fora da realidade e dos próprios sonhos dos anos 1960.
As primeiras mudanças
Em 1967 o guitarrista Vágner deixou o conjunto e no seu lugar entrou Tito Livio Rosa (Zézo). Logo depois era a vez de Paulo Muller falar em sair.
Para sua vaga o conjunto foi buscar aquele que se constituiria num dos maiores
músicos já produzidos em Erechim. Sergio Intkar, o Sérginho. De 1967 a 1969 ‘The Crazy Boys’ teve sua melhor fase. Foi a
fase mais forte da Jovem Guarda. O conjunto tinha compromissos semanais em
show-bailes.
As pessoas que estão ao redor de seus 35 até 45 anos (hoje, em 2005 vai de 45 a 60) e que viram ‘The Crazy Boys’ naquela época, não esquecem mais. De certa forma são um produto daqueles anos inesquecíveis quando; de cuba libre à mão corriam os olhos pelas mesas em busca de outro par de olhos de gurias aparentemente bem comportadas, o que acabaria interferindo no próprio rumo e definição de boa parte de suas vidas.
Foi um tempo que nunca mais se repetirá, momentos que ficaram registrados apenas nos arquivos secretos da memória daquelas pessoas. Tudo isso embalado pelo som que representava o resto daquele romantismo inigualável, e que vinha através dos ‘The Crazy Boys’. Ninguém que viveu aqueles tempos em Erechim conseguirá buscar na memória do tempo, algum momento daqueles anos sem ouvir algo parecido como ‘Love Me Do’.
Fatalidade
Na madrugada de um domingo de 1969, um acidente envolve Zézo na rua Santos Dumont. O acidente o levaria à morte. O conjunto contorna o impacto e a perda, que jamais foi definitivamente absorvida. O episódio conduz à inclusão do tecladista de renome internacional, Paulo Casarin, também erechinense.
Ainda em 1969 começa uma nova fase dos ‘The Crazy Boys’. O avanço tecnológico chega mais forte à música instrumental e o conjunto tenta acompanhar a evolução. O profissionalismo também busca o seu espaço e aos poucos começa a surgir uma nova tendência musical dentro do grupo.
Em 1973, divergências na busca de um aprofundamento maior na música, levaram ao surgimento de alguns problemas. Era o início da primeira parada.
Em 1973, também, Pedrinho já casado se retira da banda.
Naudi, Serginho e Casarin ingressam no conjunto ‘Os Ipanemas’ – outra banda que marcou época.
Em 1974 Paulo Casarin decide ir para São Paulo. Serginho vai para Curitiba e Naudi também pára de tocar pela primeira vez. Parecia o fim.
A exemplo de conjuntos (bandas) consagrados no mundo inteiro e que serviram de inspiração para o grupo, os quatro rapazes se separam. Surge um vácuo que duraria mais de 10 anos.
Saudosismo não resiste
Paulo Casarin e Seginho Intkar. Ao fundo na bateria o eterno Naudi Dalpizzolo. (Foto Arquivo) |
1987. Era
muita coisa ter de continuar morando em Erechim, caminhar pelas mesmas ruas, ver
sempre as mesmas pessoas e ter que
passar pela vida, mas sem o Crazy... Por quê?
Ainda era tempo de ouvir e ver mais uma vez o conjunto e recuperar em parte alguns fragmentos de noitadas mágicas dos anos 1960.
Um grupo de
saudosistas lançou uma promoção inédita e conseguiu reunir os Crazy para um
baile no Atlântico.
Dia 6 de novembro de 1987. O Clube Atlântico foi pequeno para receber os fãs do conjunto. O show ‘pode vir quente que estou fervendo...’ reúne Pedrinho, Naudi, Serginho, Paulo Muller e Vágner tocando e cantando juntos. (E eu... pra variar, não sendo sócio e como sempre sem dinheiro, só fiquei ouvindo lá em baixo, na calçada. Pobre diabo).
Os tempos eram outros. Olhares que nos anos 1960 percorriam os salões em busca de um par 'compatível', estavam agora sentados à mesma mesa. Os olhos estavam casados.
A certeza do sucesso garantiu novo show desta vez no Clube do Comércio e duas apresentações no BB. Em 1988 o conjunto esteve em Cascavel, a pedido da colônia erechinense.
A mesma cidade levou os Crazy em 1989 para duas apresentações no Biélle Club para três mil pessoas. O sucesso foi tão grande que a TV Bandeirantes gravou um especial exibido no programa Flash de Amaury Jr.
Os 'Crazy Boys' na verdade nunca pararam, e nunca se separaram. Pelo menos na memória daqueles que os viram. Eles vivem dentro de cada pessoa que passou por Erechim nos anos 1960 e 1970.
Eles ajudaram a crescer os cabelos dos jovens erechinenses. Foram a presença mais viva e próxima dos Beatles e Renato e seus Blue Caps por estas bandas.
Desde aquele domingo de 1966 mudaram muitas coisas que a gente nem lembra mais, e esta é apenas uma tentativa de resgatar parte do que foi este conjunto extraordinário para os padrões locais.
Logo mais – 7 de novembro de 1992 – os Crazy estarão incrivelmente reais no Atlântico com ‘anos rebeldes’. (E eu, de novo não poderei estar lá. Diabos).
E se de repente alguém se enxergar num canto qualquer do clube, sem a atual e real barriga, e ainda com seus longos cabelos sobre a cabeça e em total desalinho, não será nenhuma coincidência. A magia dos sonhos pode nos levar à frente ou voltar no tempo.
Exagere um pouco na cuba libre.
Deixe a "inocência" se adonar de ti.
E claro, deixe os "Crazy" tocar e cantar.
Renato e Seus Blue Caps
Crazy/Crazy/Crazy/Crazy/Crazy
Renato e Seus Blue Caps
"Foi só no primeiro olhar/
E eu senti então/
Bater forte como nunca meu coração/
Demorei, mas encontrei o meu primeiro amor/
O meu primeiro amor/
Para mim tudo na vida agora tem razão...//"
Crazy/Crazy/Crazy/Crazy/
Creedence
Someone told me long ago
There's a calm before the storm
I know, it's been comin' for some time
When it's over, so they say
It'll rain a sunny day
I know, shinin' down like water
I wanna know, have you ever seen the rain?
I wanna know, have you ever seen the rain
Comin' down on a sunny day?
Crazy/Crazy/Crazy/Crazy
Renato e Seus Blue Caps
"Ah, deixa essa boneca
Faça-me o favor
Deixe isso tudo
E vem brincar de amor
De amor, hei hei hei
De amor
Oh, meu bem
Lembre-se que existe
Por ai alguém
Que tão sozinho
Vive sem ninguém
Sem ninguém, sem ninguém...
"Crazy/Crazy/Crazy/Crazy
Crazy/Crazy/Crazy/Crazy
The Beatles
Crazy/Crazy/Crazy/Crazy
The Beatles
"Just let me hear some of that rock and roll music
Any old way you choose it
It's got a back beat, you can't lose it,
Any old time you use it
It's gotta be rock roll music
If you wanna dance with me
If you wanna dance with me..."
Crazy/Crazy/Crazy/Crazy
Los Lobos
Crazy/Crazy/Crazy/Crazy
The Beatles
"She love you, ié, ié, ié
She love you,
ié, ié, íe
She love you
... - ... ié, ié, ié, iéééé!".
PS - Aos mais jovens que desejarem conhecer pessoalmente um dos fundadores da Banda, Naudi Dalpizzolo, ele pode ser encontrado diariamente na sua sua Loja "Êxito" na Av. Maurício Cardoso.