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Sim, eu sei. Você também já perdeu cada coisa!
Aliás, desde o
minuto quando chegamos a este mundo, sabe-se de antemão que o nosso futuro é
certo: vamos ter uma grande perda no fim de tudo. Um dia vamos perder a vida
que recebemos.
No final da
tarde de um domingo em mil novecentos e outubro – quando cheguei em casa,
descobri que nem todo o fim de domingo precisa ser necessariamente – um poço de
melancolia.
- Aonde é que
tá tua “japona!? (japona era o termo popular usado na década de 1960 para jaqueta. Trata-se de um acessório de roupa para o inverno). Quem viveu aqueles anos sabe; e quem não teve uma "japona"? Era a ante-sala ou o ante-roupeiro do "sobretudo", este sim, para o pior frio. Mas "sobretudo" era vestimenta de adulto pra fora.
2
"Santa Mãe de Deus! Aonde é que estava a minha "japona" ?! – só pode ter ficado no cinema!?".
Era nova e tão valorizada que meu pai voltou comigo ao cinema. Até hoje não sei como conseguimos entrar de novo no Cine Ideal naquele mesmo fim de tarde de domingo. Estava sentado na parte de cima. e nada, nada e nada.
Eu me
lembrava: tinha tirado a bendita, dobrado e colocado na cadeira. Sentei
em cima dela. Numa daquelas remexidas na torcida pelo Tarzan – a jaqueta, digo
a "japona", deve ter escorregado e caído debaixo da cadeira. Eram aquelas cadeira de abaixar o assento e entre o mesmo e o encosto ficava uma brecha. Fim de filme – feliz
e aliviado com a vitória do bem sobre o mal, esfreguei os olhos e me fui. Não
sentia frio e nem me lembrava de mais nada. Sabe lá Deus quem a achou, e aonde foi dormir!?
É evidente que eu podia dar adeus tia Chica à “japona”. Ou seja – já naquele tempo o jargão popular “achado não é roubado” estava vivo.
4
Outra vez, também depois de uma matinê no Ideal ou no Luz, não lembro, mas – perdi o guarda-chuva.
É incrível
como naqueles anos de mil novecentos e outubro – 1962 ou 1964 -, pois era
impressionante como naqueles tempos a gente ia ao cinema! Só hoje percebo isto!
Hoje... não se perde mais nada, muito menos guarda-chuvas nos cinemas. Quase nada se perde e pouco se vai a cinema em Campo Pequeno - uma pena. Mas também... os filmes vão à nossa casa!
De lá pra cá são novos tempos.
Até "japona" virou jaqueta e vai saber quem instituiu o termo daqueles anos inesquecíveis - até eles -, perdidos no tempo.
De lá para cá
perdi blusas, provas, dinheiro, calota de carro, chuteiras, rádios, pentes, fotos, chinelos, discos, livros, amizades, canetas, documentos, decisões - até ônibus eu perdi.
Perdi familiares,
parentes, amigos e namoradas.
Quem é que já não "perdeu a cabeça?!".
É incrível
como as pessoas perdem coisas.
Se bem me
lembro, naqueles tempos de guri, às segundas-feiras, era dia de vasculhar
debaixo do pavilhão de madeira e depois no de concreto da Baixada Rubra (estádio
demolido do Atlântico) e procurar dinheiro, carteiras, pentes, cigarros... que
haviam perdido na domingueira de futebol no Atlântico. Afinal "todo mundo" sempre alguém perde alguma coisa! E se alguém perde porque não se colocar a "achar"?
Na caixinha de lembranças de cada um de nós, as mais exóticas perdas se acumulam ao longo dos anos.
6
Ainda bem que o mundo tem também lá os seus achados: a prótese é um bom exemplo. As vacinas outro. Na tecnologia então nem é bom entrar. Às vezes achamos até o que alguém perdeu como foi esse caso da minha antiga "japona". Hoje em dia se eu perder uma daqueles ninguém vai saber, pois podem até confundir o termo que no caso aqui não passa de uma fotografia do vocabulário, sobre o significado de determinadas palavras naquela época.
Só sei que para
distração ainda não tem remédio.