quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Ypiranga: chegar aos 100 com saúde

 

Grupo sufoca Cariús no gol de empate com o São José/Enoc Júnior/YFC

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Bota é um personagem conhecido dos erechinenses. Estudou só até o 4º Livro como se dizia nos seus bons tempos. Mas é observador. Metido. Astuto. Dá palpite sobre tudo. Seria um chato não fosse um genuíno erechinense, porque ele se permite que riam dele por não reclamar de nada; e até ri junto com quem ri dele – mas é feliz.

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Há meses o Bota vinha sofrendo com muitas dores.

Não sabia se era coluna, as pernas, tinha fortes dores de cabeça, na nuca, nos ombros e na barriga nem se fala. Bota convivia com essas dores horríveis na frente, atrás e no meio – “minha Mãezinha de Fátima” dizia. Ninguém sabe o que é sofrer. Só quem vê com os próprios olhos.

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Não aguentando mais de tanto se queixar, a família mais a turma do cafezinho, vinham lhe orientando que fosse a um médico – até que um dia marcaram com o dr. César Detoni, seu amigo de 50 anos ou mais. Tinham marcado para uma quarta-feira – o dia não lembra e nem eu. Na véspera da consulta tomou um coquetel de remédios: de Gastrobion a chás de macela, de Buscopan e chás de Camomila, Boldo, Ora Pro Nobis (tem até um pé no seu lote); Tandrilax, Tandene, Bicarbonado de Sódio, Advil, Omeprazol, Olina, Castanha da Índia, Leite de Magnésia, Dulcolax e queria até fazer uma Benzetacil  - mas recuou lembrando como era doída.

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No dia da consulta acordou e a primeira coisa que saiu da sua boca foi "mãe, tô bão. Nem preciso ir no médico". A mãe pegou o Bota pela orelha (ele mora com ela e é cem por cento dependente dela): “tu vai tomá banho e depois do meio dia, reto pro dr. César que ele tá te esperando”.

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Às cinco e meia Bota entrou no consultório e já foi avisando que estava super-bem. Começaram as perguntas, mas quando dr. César ficou sabendo que no dia anterior o Bota tinha tomado um monte de remédios por conta, ele embrabeceu: “Bota, tu não pode fazer iiiisso, cara. Primeiro por que tu não sabe o que você tem. Segundo: os remédios são todos bons, mas cada um conforme o problema. Olha... que barbaridade. Terceiro e o principal é que tu mascarou o teu quadro clínico de dores. Tu tá querendo me enrolar cara!? Que é isso!? Vou pedir uma série de exames – quase um check-up. Por via das dúvidas já vamos marcar uma endoscopia e, urgente, urgentemente uma colonoscopia. Se tu viesse sem ter tomado nada, talvez nem precisasse. Agora está aí ó.  Já vou aproveitar para mexer no teu c. pra ver tuas hemorróidas – internas e externas. Te lembra que uma vez tirei? Devem ter voltado. ..Tá usando alguma pomada, tomando castanha da índia... isso aí, eu sabia, mas vamos dar uma geral. Vai ali, marca com a secretária, ah, e a colonoscopia o maiiissss cedo possível”.

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O Bota confiava plenamente no dr. César, mas saiu desolado, porquanto achava que podia enganá-lo passando um paninho, saindo com uma receitinha e nada de exames. Isso foi mais ou menos depois da vitória do seu Ypiranga em Bagé. Mas ele sabia que não estava cem por cento bem. Exames - ah não!

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Acontece que ele tinha pavor de tirar sangue desde os 17 anos quando um ex-borracheiro, trabalhando numa farmácia, lhe furou a veia fora a fora. Da colonoscopia só lembrava da ânsia que sentira certa feita quando teve de tomar aqueles líquidos passando quase 48 horas entre a cozinha e o vaso sanitário que sua mãe conseguira instalar numa patente no fundo do lote na antiga Legião ali perto da Brigada. Ele queria deixar tudo como estava não percebendo o precipício.

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Desde então o Bota vinha sendo, examinado, analisado revirado e medicado pelo Dr. César que, com paciência e conhecimento foi descobrindo tudo sobre as dores que atormentavam o Bota. Levou tempo porquanto o considerado  teimou em adiar sua ida no amigo mais experiente. "Amanhã vô tá melhor", mas só piorava. A verdade é que nem sempre se consegue o que se deseja. Por quê? - nunca se saberá. A vida é assim.

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Os fatos são que não se via resultado positivo e, que quanto mais o Dr. César investigava de cima a baixo, da cabeça aos pés – e também explorando muito sobre a vida que o Bota levava (Dr. César Detoni também ouve e investiga muito sobre os sentimentos e hábitos dos pacientes que vão muito além da urologia, sua especialidade mais específica) – mais ele descobria concluindo que o seu amigo e paciente, vinha - mal comparando e num exagero – tapando feridas com esparadrapo.  E isso era o que todos que convivam com ele sabiam por que viam, perplexos perguntando-se o que estava acontecendo. Se era o médico errado, o tratamento não entendido ou não seguido; ou se era algo a ver com o ambiente ou alguma coisa mais séria. Repito: nesses casos de saúde entendo que ambas as partes - médico e paciente - sempre, por óbvio, desejam o melhor, a cura mas cada um tem que fazer a sua parte. Trabalhar juntos.

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Pois é meu caro Thiago Carvalho, foi por um quadro assemelhado ao do Bota que o chamaram. A família (direção) e contratou. O Ypiranga tem sido e é exatamente aquilo que o senhor viu ontem, 7, diante do São José. Ninguém sabe quando começou e nem por que piorou tanto em relação, por exemplo a 2022 ou 23. 

Dói tudo.

De cima a baixo.

Na frente, atrás e, no meio – nem se fala.

Ainda bem que o Ypiranga não fez como o Bota, e se apresentou ao senhor sem tentar mascarar nada. Agora é tudo com o senhor. Talvez tenha que fazer como o dr. César fez com Bota e pedir exames de todas ordens e, em especial, investigar as entranhas deste Ypiranga.

Cariús pode ter aberto novo horizonte para o centenário doYpiranga .Foto: Enoc Júnior/YFC

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Assim como o dr. César precisava de tranquilidade e de tempo com o Bota – o senhor também vai precisar, mas tudo que não há é isso - tempo para devolver o Ypiranga à sua saúde plena. Por isso, o gol do Cariús no apagar das luzes contra o São José, pode salvar o ano. Tudo que não podia acontecer depois do senhor ver, ali, cara a cara a real situação do time e suas carências, pois tudo que não podia acontecer era descer para o vestiário com uma derrota. A esperança estaria enterrada. E uma vitória, com aquele futebol; seria como ganhar na loteria - mas iria mascarar tudo. Agora tens uns dias para ministrar os laxantes necessários e, se possível, trazer mais um pontinho de Santa Cruz. Se conseguires evitar o rebaixamento e o feito de estar entre os oito – o resto é lucro no gauchão depois de um período de ótima saúde. Certamente a saída, inevitável, de alguns atletas foi decisiva para este mau início de 2024.

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Descobertas as causas que atormentam o Ypiranga, em todas as partes do seu corpo, o senhor terá tempo e calmaria para tratar o time do clube que completa este ano seu centenário. Feito isso, fica a esperança de uma equipe organizada, pegadora e com ambição para uma promissora série “C”. Sem ilusões – mas também sem a perplexidade que se ouvia nos sanitários (no intervalo) e nas cadeiras do Colosso ontem,7, à noite. Do início ao fim.

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Como foi importante o Ypiranga ter se apresentado ao senhor – sem mascarar seu quadro atual e mostrando todas as suas dores que o afligem e à sua família e aos amigos (torcedores). Quem sabe o senhor segue o dr. César e coloca o paciente com novas perspectivas de vida. Chegar a cem anos e com saúde, é o que todos desejam ou alguém discorda.

O Bota está otimista.

PS - Crônica ficcional e realista