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Jorge Amado, Zélia Gattai e Paulo Dias Fernandes no CER Atlântico há 45 anos. Dezembro de 1979 foto: Arquivo |
Muito embora os tempos verbais sejam três, o
que se sabe ao certo – certo mesmo, diz respeito a dois tempos com seus modos,
conjugações e flexões. O passado reportando ao que já aconteceu. O presente permitindo
neste, exato agora, revisitas. O presente ainda traz à nossa permissão o
terceiro tempo verbal: o futuro. Nele cabem planos, ambições e ousadias. Sonhos
entendidos como se real fossem. Do presente ao passado, a lembrança. Do
presente ao futuro, o “olhar para frente”. Ao contrário do passado, porém, o
futuro, se aceita tudo – incerto é. Ele pode simplesmente não vir. Exagero ou
não o que temos em mãos ou em mente, de concreto, é o que já fizemos, vimos ou
ouvimos. O que vivemos. Mas, enfim, sejamos sensatos e, por que não,
respeitosos com a temporalidade da vida. Se for para recordar, recordemos então.
Neste agora.
Foi assim que há exatos 45 anos a cidade viveu
um momento cultural histórico. Era a 3ª Feira do Livro. De 7 a 15 de dezembro
de 1979. Por três dias tivemos a presença de um dos mais brilhantes escritores
do Brasil: Era 13 de dezembro. Chegava aqui – o casal Jorge Amado e Zélia
Gattai.
De lá para cá recebemos outros nomes de proa da
literatura, como o patrono daquela feira, Sérgio da Costa Franco. Em 1980 –
Carlos Nejar. Mas – consultando o passado no cenário autoral livreiro, ninguém
mais destacado que Jorge Amado colocou os pés em solo erechinense até o
presente.
E foi marcante não só por um autor universal, passeando pela Maurício, Praça da
Bandeira, prefeitura, Tiradentes,
Nelson Ehlers, Valentim Zambonato. Foi histórica a passagem do casal por
Erechim, porque aqui ele lançou em primeira mão a sua obra “Farda, Fardão, Camisola
de Dormir”. De mesma sorte, sua esposa Zélia Gattai, lançava a partir de
Erechim para todo o país, “Anarquistas graças a Deus”.
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Jorge Amado, Zélia Gattai e Paulo Dias Fenandes. Foto:Arquivo
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Das folhas para as telas
“Farda, Fardão, Camisola de Dormir”, tem como cenário o Rio de Janeiro.
Seus personagens transitam pelo mundo da Academia Brasileira de Letras (ABL) em
pleno Estado Novo. Intrigas em torno de uma eleição a uma cadeira da ABL nos anos
1940 estão no centro da história. Foi escrito entre janeiro e junho de 1979,
período onde o escritor sofria com a censura e a perseguição por sua filiação
partidária. O romance traz dois pretendentes à ABL com visões opostas sobre o
conflito da 2ª Guerra Mundial.
“Anarquistas
graças a Deus”, de Zélia Gattai revisita sua infância na primeira metade do
século 20, como filha de imigrantes italianos em São Paulo. Cinco anos depois
do lançamento em Erechim, Zélia veria “Anarquistas...” adaptada como minissérie
da rede Globo de Televisão.
Autor maiúsculo, Jorge Amado tem uma obra de
49 livros, traduzidos em 80 países, afora escritos de outras ordens. Várias
acabaram roteirizadas para o cinema ou viraram telenovelas visando alcançar um
público pouco familiarizado com o deleite da leitura. Destaque para o
inesquecível “Dona flor e seus dois maridos”, “Capitães da Areia”, “Tenda dos
Milagres”, “Gabriela, Cravo e Canela” e “Tieta do Agreste”.
Em 6 de abril de 1961, já com 19 obras - Jorge Amado é
eleito para a Academia Brasileira de Letras (ABL), sucedendo a Octávio
Mangabeira na cadeira nº 23.
Interações comerciais e
culturais
O Jorge Amado traduzido para 80 países, vendo seus
feitos no cinema, na televisão, no teatro, narrado em rádio, levado para
histórias em quadrinhos, em Braille ou
gravadas em fitas vídeo cassete para pessoas com necessidades especiais, o
Jorge da ABL, ora em Salvador, ora isolado em Ilhéus, em São Paulo, no Rio ou
Paris, pois; contar com um homem desta estatura cultural numa cidade do
interior, no Alto Uruguai gaúcho, em Erechim, tem um valor histórico e, por
certo, um custo.
Pois foi aí que despontou no mundo comercial
das letras e editoras, em nível nacional, a figura de um jovem então já há alguns anos abrindo seu próprio caminho. Depois de colocar o
“Livro dos livros” peregrinando de porta em porta pela escolhida Erechim e
cidades da região, Jaci, como era mais mencionado, encheu-se de brios e foi ao
encontro de quem tinha à época os direitos editorais de Jorge Amado. (Atualmente
os direitos de suas obras pertencem a outra empresa).
A essa altura, com seu nome completo e estendido para um
carregado sotaque italiano “De Lazzari”, como acabaria se firmando no mundo
editorial brasileiro, aos 27 anos Jaci José De Lazzari com sua Editora Edelbra
foi recebido pelo “staf’ da Record no Rio de Janeiro. Mais que um feito – era
um sonho contemplado. Depois de explanar seus objetivos, esteve pela primeira
vez frente a frente com Alfredo Machado, diretor-presidente da Editora Record.
Como quase sempre se dá com nomes de proa
nas diferentes esferas – a linguagem direta, clara e objetiva, precipitou o
encontro para a intenção de De Lazzari: ‘proporcionar via Record a presença do emérito
escritor baiano em Erechim’. Os detalhes pertencem a ambos dirigentes das
editoras, mas podem ser resumidas assim: A Edelbra comprava junto à Record 5 mil coleções de Jorge Amado (26 livros cada uma),
com direito de revendê-las e, Alfredo Machado, colocaria o escritor em Erechim.
No dia 13 de dezembro de 1979 dois homens do governo
Zanella (Elídio Scaranto e Luiz Felipe de Marchi) receberam no aeroporto de
Curitiba o casal Amado – Jorge e Zélia. Presentes ainda os enviados especiais
das rádios Erechim (Euclides Tramontini) e Difusão (Dary Ivo Schaeffer) que
seguiram em carro particular.
Com a
cobertura das emissoras e, especialmente do Correio do Povo, o que já se
prenunciava um evento grandioso, cresceu na consciência cultural da cidade e na
expectativa da população – consequência plenamente compreensível.
Amado “hospede oficial”
de Erechim
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Prefeito Eloi Zanella recepciona hóspede oficial - Jorge Amado. Foto: Arquivo |
Na cidade Jorge Amado e sua esposa foram recebidos pelo
prefeito Eloi João Zanella que assinou decreto declarando Jorge Amado –
“hóspede oficial” do município. No dia seguinte, 14, após visitar a Feira do
Livro o casal foi recepcionado com um coquetel na então sede social do Ypiranga
FC (antigo Boliche). No local o prefeito entregou uma placa de prata em
agradecimento ao escritor baiano, enquanto Linir Zanella recepcionava Zélia
Gattai com flores.
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Linir Zanella entrega flores a Zélia Gattai Foto: Arquivo |
À noite na sede social do CER Atlântico, Jorge Amado,
Zélia Gattai e Paulo Dias Fernandes participaram daquela que seria uma das
maiores noites de autógrafos do afamado escritor. Ele, alcançando mais de 800
autógrafos, Zélia com
cerca de 300 autógrafos e o conterrâneo Paulo Dias Fernandes com cerca de 500
exemplares do seu “Monarcas do Pampa”.
Na manhã de sábado, 15 de dezembro de 1979, o casal Jorge e Zélia despediu-se
de Erechim. No domingo, 15, encerrou-se a 3ª Feira do Livro.
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Jorge Amado autografando seu lançamento "Farda, Fardão, Camisola de Dormir". foto: Arquivo
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Político, títulos,
carnaval, amigos e selo
Esta figura única da literatura
brasileira com suas palavras nas Américas e além mar, inclusive na China; representante
autêntico do Modernismo Regionalista, especialmente baiano, voltado à crítica
sociopolítica acabaria em 1946 sendo eleito deputado constituinte por São Paulo.
Foi autor da
Emenda Constitucional que garantiu a liberdade de culto no Brasil. Igualmente
viu incluída na mesma Constituição, sua proposição que veda o lançamento de
tributos sobre o papel destinado exclusivamente à impressão de jornais,
periódicos e livros. Essa imunidade foi estendida aos livros, jornais e
periódicos pela Constituição Brasileira de 1967, reproduzida quase
integralmente na Emenda Constitucional de 1969 e ratificada em 1988, no que se
convenciona por alguns, como “imunidade cultural” ou “imunidade de imprensa”.
Jorge Amado acumulou nos seus 88 anos de vida,
17 prêmios nacionais e 15 internacionais. Recebeu 30 títulos de condecoração. Entre
seus amigos estavam José Saramago, Pablo Neruda, Sidney Scheldon, Pablo
Picasso, Federico Fellini, Oscar Neimeyer, Jean-Paul Sartre, Simone de
Beauvoir, Mário Vargas Llosa.
Nascido em
1912, no interior baiano em Itabuna, Jorge Amado foi tema da Escola de Samba
Imperatriz Leopoldinense (Rio) no centenário com o enredo “Jorge, Amado,
Jorge”. No mesmo ano foi tema da Mocidade Alegre, campeã do carnaval paulista
daquele ano, tendo como pano de fundo a obra “Tenda dos Milagres”. Antes, em
1989 a Império Serrano entrou na avenida cantando “Jorge Amado, axé, Brasi!”. Ainda
em 2012 saiu o selo “Jorge Amado – 100 anos” pelos Correios do Brasil,
reconhecendo a celebridade que abrilhantou a distante Feira do Livro de Erechim
em 1979.
Do presente – a outros dois
horizontes
Se aquele evento do qual recordamos 45 anos de passado,
representou em Jorge Amado mais uma obra desta celebridade – não constitui
exagero afirmar que outras duas personalidades do seleto mundo das letras e
editoras, foram seus engenheiros: Alfredo Machado (Editora Record) e Jaci José
De Lazzari (Editora Edelbra).
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General Moreira (Diretor Comercial Nacional da Record), Bertoletti (Diretor Comercial SP/Sul), casal Maltesi, Jaci De Lazzari, Aldredo Machado (Fundador/Editor da Record), Jorge Amado, Zélia Gattai e Ada De Lazzari. Foto: Arquivo |
E em assim sendo, retornemos à alma inicial deste texto:
o presente – dele vislumbramos dois horizontes. Um acontecido. Outro por vir.
Não obstante – como observado, o futuro pode não acontecer. Mas o simples
levantar dos olhos, e imaginá-lo com esperança, exige objetivo, plano e
ousadia.
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Zélia Gattai com Alessandra, filha de Ada e Jaci De Lazzari. Hoje, Alessandra, é diretoria/administradora da empresa. Foto: Arquivo. |
Quanto ao
passado, o direito a revisitá-lo ou quase revivê-lo, nos leva a uma única e intocável
certeza: ele não pode ser negado, nem apagado. A razão é tão lógica quanto
singela porquanto vive na memória, no nosso agora, desde sua consolidação.
No caso de Jorge Amado em Erechim há 45 anos – trata-se
de um lembrar justo. Em tempos de crescentes beligerâncias, que o passado
retorne ao presente, e mesmo que fugaz como aqui; remeta a um futuro de
menos “farda” e mais “fardão”. Um ótimo exemplo dessa aparente trama semântica,
aqui deitada, está em “quando a Edelbra trouxe o universal Jorge Amado”.
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Saudação escrita de Jorge Amado a Ada e Jaci De Lazzari quando da da presença do ilustre escritor Jorge Amado a Erechim em 1979. foto Arquivo
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