sábado, 7 de março de 2015

A praia não mente



Sem preconceitos e sinceros com nossa própria sinceridade, nunca se mentiu tanto.
Alguém ainda tentará salvar a assertiva com o Salmo Preferido do Século 21: ‘que nada. Sempre foi assim. Acontece que antes a gente não ficava sabendo e quando a notícia vinha – já havia muito tempo. Hoje é igual ao que sempre foi só que hoje a gente clica e vê o tsunami de 2004 na hora quantas vezes quiser. Leva numa caixinha de fósforos (das pequenas) digital algo que se conhece por pen drive e ali estão centenas de músicas ou de fotos ou de filmes...

Mas acho que em termos de mentira ela caminhou sim junto com o tempo.
Sempre se mentiu – disso ninguém duvida.
Mas nunca antes na história desse... mundo mentiu-se e mente-se tanto.
Desde dentro de casa à sacristia.
Do emprego à política.
Da fidelidade à qualificação.
Do amor à saudade.
Do que se deseja a que se pode.
Do que se tem ao que jamais haverá de ter.
De quem se pegou a quem não quer pegar a gente.
Da economia à... economia.
Da ilusão ao real.
Do que gostaríamos de ser – ao que de fato somos.

Deitado a 45 graus numa cadeira de praia e vendo até onde a vista alcança do gigante de água,
na areia toda a mentira se desfaz como um punhado dela em mão fechada com água salgada.
Caminhando na areia a mentira se veste de verdade e aí, bem aí, nada do que parecia é, nada do que diziam é, tudo que se imaginava – não é.
Só uma coisa é: tudo é verdade. E não é mentira!

Aquele cabelo, aquele quadril, aquela barriguinha de tábua de pinho lustrado, aqueles seios de pêra, aquelas pernas longilíneas, aquele vestido de festa da alta, aqueles cílios postiços, aquelas unhas, dentes, lábios de pura carne, aquele daquela BMW, aquela daquele Lamborghini preto, aquele patrão super bem de vida, aquela do 23º andar, a do Ray Ban vermelho, aquele cientista, aquela empresária de fazer inveja ao mundo do ramo masculino, aquele peitoral de Johnny Weismuller, aquele alto e arrojado como Liam Neeson, aquele ‘dono’ da minha cidade, aquele todo poderoso da minha cidade, aquela estrangeira, aquelas calças de marca, aqueles bonés de marcona, daquelas bolsas de marca proibida aos comuns, aqueles ternos de atores de Hollywood, aqueles braceletes de Cleópatra, aqueles modelitos em carne e osso encabidados no último ditado da moda que dita a moda – aonde estão que não os vejo!

Biquínis e tangas ou calções não mentem.
Jamais.
E mais que isso, além de nunca mentirem,
trazem consigo,
oferecem gratuita e democrática e socialmente o que os adereços omitem, escondem em mentira desavergonhada que uma simples praia desnuda e coloca à pés.

Fosse a praia com seu sol ou nuvens, o mar com seus azuis, esverdeados ou até acinzentados,
fosse a praia com sua areia miúda ou encharcada pela maré,
fosse o vendedor de picolé e salada de frutas, de chapéus ou tangas,
fosse o grupo de pescadores a decidir como desencalhar o barco e onde largar a rede,
fosse a caipirinha, o milho verde, a cadeira, a barraca árabe, o chuveirinho e as palmas coletivas sinalizando que uma criancinha está perdida da mão do pai
- fosse o barrigão que esconde, tapa, omite, apaga qualquer sinal de genitália de Adão ou Eva,
fossem os chinelos de dedo levados à mão,
os celulares, relógios, bronzeadores, trocados de reais, chaves, caixas de isopor, latinhas e latões de cervejas,
fossem as conchinhas
- governos,
e certamente teríamos um modelo híbrido acasalando-se em um sistema democrata/socialista como jamais o homem pelo homem conseguiu ver com os próprios olhos e experimentar com a própria vida no seu dia a dia,
até por que,
aí já estarão os adereços da mentira fazendo de tudo, com o consentimento do ser,
a verdade – a única verdade, a última verdade.

Quando quem quiser descobrir e ver-se um pouco de como de fato é, avaliando-se com os seus congêneres,
largue o apê de quatro quartos e fina mobília,
largue o exagero de qualquer circunstância,
largue o exibicionismo sempre nefasto porquanto falso e sem utilidade prática alguma,
largue o euforia com a qual um simples espelho a ou o engana,
largue a prepotência, a arrogância, o neologismo do eumismo, a conjugação apenas na primeira pessoa do singular.
Sim – quando estiver com saudade de você,
jogue num canto ou esqueça num outro canto da casa, do apê ou da vida
- o que nunca levarás contigo, que só serve para iludi-lo, submetendo-o ainda ao ridículo que achares que realmente és – aquilo que outros riem.
Bota um calção, enfia-te num biquíni, mande vir uma caipira, deite na última fronteira entre a areia mais seca e a onda mais longa do mar.
Se olhares para frente verás mar-sem-fim.
Para os lados, verdades em pé.
Para trás – a cobra tentando seduzi-la com a maçã da mentira.
Para cima 
– o céu azul sem fim.
O infinito.
O espelho fiel do que és de cabo a rabo, de cima abaixo.
A única verdade:

A praia não mente.