quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Um Ypiranga no ataque - vence!



Bola viajando do escanteio para a cabeça de Saimon que não aparece, mas vem de trás. Crédito: Ilair Tumelero/Agência Giramundos/Ypiranga F.C.


O Ypiranga trocou sua comissão técnica para 2020 porque desejava mudar seu foco: jogar pela vitória postando-se em campo com este objetivo. E ao bater o São Luiz na estreia do Gauchão/2020, na surpreendente noite de vento frio no Colosso da Lagoa, quarta-feira – 22/1; o time dirigido por Paulo Henrique Marques levou a campo um modelo do jogo que visava, primeiro ganhar a partida. Depois - não perder. O contrário do que sempre se ouve dos técnicos. Mas atenção: apesar da postura visivelmente vocacionada ao ataque - o Ypiranga não criou muitas oportunidades para marcar.

Até os 30 minutos do primeiro tempo, junto com o vento frio que castigava os torcedores, circulou pelo gramado e arquibancadas do Colosso da Lagoa, um ar de preocupação. O jogo estava igual. O São Luiz não se intimidava e ameaçava. Muito por que o meia Clayton não encontrava seu lugar e parecia meio perdido entre Fidélis e Zotti. Mas aos poucos isso foi sendo corrigido e o time assumiu o controle. Tanto que conseguiu uma penalidade. O número 9, Neto bateu forte, no canto, mas à meia altura. O goleiro Reynaldo saltou e fez grande defesa. Logo em seguida o atacante Michel fez uma belíssima jogada pessoal e por muito pouco não abriu o marcador, depois de encobrir um zagueiro e na saída do goleiro Deivity, cutucou para fora. Antes disso, ainda, uma bola entre a zaga do Ypiranga, obrigou o goleiro Deivity, a abandonar a meta e dividir com Michel quase na risca da grande área. O goleiro foi mais rápido e segurou o que poderia ser o gol do São Luiz. Até ali o jogo era igual: técnica e fisicamente. No intervalo havia uma convicção entre torcedores: dá para ganhar. Mas se não cuidar – também pode perder. O jogo não tinha cara de empate.

Na etapa complementar a partida recomeçou num ritmo mais lento, mas, de novo -  comandado principalmente por Zotti no meio campo, com o prestativo auxílio dos laterais Muriel e Ávila, o Canarinho foi aumentando a pressão. A essa altura – os dois médios -, Fidélis e Clayton já se entendiam bem. O miolo da zaga com Saimon e Diogo Silva revelava seriedade e firmeza e, tudo isso, dava mais consistência ao time que se vestiu de confiança e partiu em busca da vitória, embora sem criar muitas chances claras de gol. As estocadas dos homens da lado - Jean Silva e Leilson -, apareciam como uma válvula de escape e sempre uma oportunidade de criação.

E foi na tentativa mais improvável, o jogo pelo alto,  porque a defensiva do São Luiz sob esse quesito era soberana na partida, é que saiu o belo gol de Saimon. Aos 27 minutos, Ávila bateu com precisão um escanteio, em curva, tirando do goleiro Reynaldo. Saimon veio de trás, e de frente para a bola, saltou mais que o grupo de defensivos do São Luiz. Com o goleiro no meio do caminho, o zagueiro ypiranguista cabeceou forte, alto para o fundo das redes. 


Seguro na defesa e oportuno ataque, Saimon decidiu a partida e correu para os abraços/Ilair Tumelero/Agência Giramundos/Ypiranga F.C.


Com o 1 a 0 e o São Luiz sentindo bastante o campo e, aparentemente cansado, o Ypiranga não se via mais ameaçado. A superioridade do Canarinho se fez em campo. Ao final a vitória foi justa para quem, mesmo correndo riscos na primeira etapa, nunca deixou de buscar o gol, embora é bom observar, sem criar muitas oportunidades como poderia se esperar por conta do volume de jogo superior e controle da partida. E em uma competição tão curta onde é quase proibido tropeçar em casa, o Ypiranga começou bem confirmando seus primeiros três pontos em seu estádio.

A curiosidade agora é saber como o time se comportará fora de Erechim. E mais que isso - se pressionado. Com dois atacantes de lado, velozes, Jean Silva e Leilson, mas com um meio campo que pode, ou devia ser mais consistente (a muito boa técnica de Zotti não faz dele exatamente um marcador), talvez o técnico Paulo Henrique Marques reforce o setor para proteger mais a zaga, que diante do São Luiz contou com os dois laterais avançando bastante. Se pensar em reforçar a marcação no meio campo – Paulo Henrique pode surpreender e manter os dois rápidos “ponteiros”, e fazendo de Zotti um “falso nove”. Sobre Zotti já se pode afirmar: a referência técnica da equipe. Se não tiver um homem com características de marcação no meio campo - e talvez o técnico nem queira isso -, por que não; deslocar Ávila para o meio campo, fazendo entrar Newton na lateral esquerda. O setor estaria mais preenchido e ainda assim a jogada de contra-ataque preservada. Mas isto já é tarefa para o técnico Paulo Henrique Marques, que confirmou no gramado, na partida de estreia - o que dissera no dia da sua apresentação: jogar em busca do gol. Quando o seguro Jean Pierre apitou o final, o torcedor estava aliviado por dois motivos: vitória em casa. E um time que prioriza a busca pelo gol. E como já se percebe mesmo à distância, um Gauchão marcado pelo equilíbrio entre as equipes, cada vitória deve ser comemorada como um passo decisivo às pretensões de classificação. O público, como de hábito, foi muito pequeno. 


* Observação: desde a invenção do instituto da penalidade máxima no futebol, errar faz parte. Nem todos as cobranças são convertidas. Neto, atacante do Ypiranga, bateu contra o São Luiz. Pelo que vi, bateu forte e no canto. Só que à meia altura. E o goleiro fez grande defesa. Não foi um pênalti batido com displicência. Longe disso. O goleiro é que foi bem. Pois bem! O que chamou a atenção foi a fala do técnico Paulo Henrique Marques (PHM) no intervalo - sobre o lance. Questionado sobre quem devia bater, o técnico disse que os jogadores é que decidiam dentro de campo e na hora. Ou ainda... haveria uma escala com Fidélis, Neto, Zotti... Aquela história... quem estiver com mais confiança... Sou de um tempo em que se dizia que o pênalti é tão importante que devia ser batido pelo presidente do clube. Não é assim, mas o Ypiranga em 2019 ganhou duas decisões nos pênaltis e em ambas, o capitão Fidélis bateu e converteu. Fidélis pode bater hoje e errar, mas não vejo equipes definidas sobre várias questões - sem um cobrador oficial de pênalti. Penso que o técnico PHM devia revisar isso. Não porque com este ou aquele vai sair o gol, mas por uma questão de definição de incumbências que os times mais tranquilos e acertados levam para dentro de campo.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

O adeus ao meu professor de Matemática









Quando as luzes se acenderam colocando um ponto final no matinê daquele domingo, eu me levantei com outros mais de cem que estavam no Cine Ideal. Estava feliz, porque os dois filmes preencheram minhas expectativas alentadas pelos cartazes que vira ainda de manhã depois da missa na São Pedro. Passo a passo ganhei o corredor para ir descendo até a saída, onde senti uma flechada do sol que se recolhia por detrás da banca do pai da Salete, se não equivoco “Seu Nilo” e, que, anos mais tarde, ela mesma assumiria o negócio. Era aquela banca ali na frente do Café Grazziottin e que está com suas portas abertas até hoje.
Pois, meio com os olhos ardendo logo me refiz ao ambiente da rua, desci pela Maurício, dobrei pra Nelson Ehlers, até a Padaria Sem Rival onde gastei o resto da polpuda mesada em um “caro”, um doce muito mais doce que batata doce. Era a semente da diabetes - creio. E me fui mordendo e me lambuzando com aquele “caro”. Havia silêncio pelos lados da Baixada porque o Atlântico jogava fora de Erechim. E por isso mesmo, sem a gritaria da torcida de dia de jogo, os eucaliptos embalados pelo vento, aproveitaram e, se faziam dobrar levando o seu vrrrrrrrrrrrrrrrr com mais força e presença contra as paredes do Mantovani. O vrrrrrrrrrrrr dos eucaliptos, para quem não era acostumado, dava medo.
Assim que coloquei os pés em casa, minha mãe perguntou: “E cadê a japona!?” Ai. Aiaiaiaiai. Cadê a japona! – também me perguntei. Ih – será que deixei na Sem Rival? Será que me caiu da cintura? Ou, ou... sim, claro, ela ficou na cadeira do cinema. Eu a tirara e colocara atrás de mim, sobre a cadeira antes mesmo das luzes se apagarem. Estava quente. Hipnotizado pelos dois filmes, quando as luzes se acenderam e todo mundo se levantou, fiz o mesmo. E a japona ficou lá, sozinha, abandonada. Só pode ter caído no vão daquelas cadeiras dobradiças.
- Tu vai lá no cinema e volta com a japona. E ainda por cima é nova, vociferou com razão, minha mãe. Voltei correndo até o Cine Ideal, mas que nada, já estava tudo fechado. E de noite, na sessão das 19h15min lá estava eu de novo, agora com meu pai. E depois de procurarem – nada. Ninguém viu nada de japona. Adeus japona. E era nova. Novinha.
À noite o mundo desabou sobre mim. “Já fez os temas?”, inquiriu de novo minha mãe. Não. Eu deixara para fazer à noite. “E aí, se não me engano, veio aquela discussão natural entre pai e mãe, um cobrando do outro mais energia para com o filho que só queria jogar bola no Atlântico, ir ao cinema, gastar o troco em porcarias (caro – porcaria?), e deixar os temas para a última hora. E ainda por cima, um descuidado capaz de sentar em cima da japona, nova, e esquecê-la dentro cinema.
Quando todos baixaram a voz eu não sabia por onde começar a resolver aquelas contas e problemas de Matemática. Não sei como fui fazendo, fazendo e sem saber se estavam certos. E o que ninguém mais sabia, só eu, é que o velho ditado de que “quando as coisas estão ruins - aí mesmo é que podem piorar”, era uma verdade no meu caso. Sim, porque na segunda-feira, nos dois primeiros períodos haveria “sabatina” da Matemática. Nossa Senhora de Fátima. E eu ainda com aquela dor do extravio da japona!
No dia seguinte todo mundo se ajeitando nas classes e numa torcida desgraçada para o professor atrasar, ou num golpe de sorte para lá de improvável – não vir. Não. Isso era impossível. O professor João, o João Komosinski, nunca se atrasava e faltar à aula então era uma loteria que aluno despreparado nenhum nunca haveria de tirar.
Na hora prevista o professor João vinha vindo pelo corredor com suas calças de friso impecável e seus bolsos compridos e fundos. A barra dupla da calça se jogava de um lado para outro por sobre os sapatões grossos e, como me pareciam, não obstante - extremamente confortáveis. Quando frio - ou estava de blusão grosso gola olímpica fechado até o pescoço ou, quando o sol saía, aliviava seus ossos e punha a blusa decote "V" sobre os ombros. Isto, sem falar no seu grosso casaco escuro, de pura lã para os frios mais intensos. Seus cabelos penteados de tal sorte, pareciam fios obedientes a se perfilarem e sobreporem, desde o alto da testa até a nuca, e nem eles, ousavam desobedecer a determinação do professor João. No bolsinho da camisa de manga curta, duas ou às vezes, até três canetas. Era um molde perfeito de professor – perfeito.
Sim – ele parecia, além de um professor daqueles que muito dificilmente há de se encontrar hoje em dia nas salas de aula -, um homem aparentemente turrão, que entremeava um português com um forte sotaque polonês, um sujeito, enfim, de poucas palavras, de pouca diplomacia. Ademais era um polaco de corpanzil e aparência forte, que pelo observar, não se haveria de querer tê-lo como inimigo, porquanto como já disse, falava pouco. Especialmente sobre as coisas triviais da vida. Nada de filosofia. Nada de direitos. Tudo era dever. Nada de greve. Nada de supérfluo. Nada de escola com ou sem partido. Nada de governos ou que tais. Seu tempo tinha um único propósito dentro da sala de aula: dar aula. Ministrar aula. Ensinar. Pedir se tinham dúvidas. Encher o quadro-negro. Apagá-lo e reescrever  - com a mais bonita letra que vi na escola - tudo de novo até que não restasse uma única alma em sala de aula que ousasse ir para casa sem ter entendido a matéria do dia.
Na verdade foram dois ou três anos de Científico com o João dando Matemática. Até eu que não gostava da matéria, porque tinha dificuldades, era fã das suas aulas. Ele sabia como prender a atenção. Admirava seu jeito e insistência e, de amor, que saltava aos olhos, quando a hora era de ensinar. Por trás daquele polaco que parecia colocar medo, residia um homem sério, de coração bom, um justo, um ser calmo, um preocupado com seus alunos, um dedicado e competente professor. Quem passava de ano com o João, podia ter certeza que saia da escola sabendo Matemática. Não precisava ser gênio. Mas ignorante na matéria, não seria. Hoje em dia não me lembro mais nada de Matemática, mas do professor João (do Mantovani) jamais esqueci, porque foi sobretudo um ser que amava o que fazia.
Na última sexta-feira, no alvorecer do ano novo, dia 3, o professor João Komosinski, o polonês de aparência inquebrantável, dobrou-se de madrugada em seu apartamento, abatido por um infarto, depois de 84 anos de vida e de uma vida dedicada ao magistério.
João Marciano Komosinski, nasceu em Getúlio Vargas, em 5 de junho de 1935. Sua formação reúne Licenciatura em Pedagogia e Matemática pela UPF e, Mestre e Educação pela PUCRS. Foi funcionário da VARIG. Foi professor de Matemática durante 25 anos no Colégio Mantovani e professor de Matemática, Estatística e Desenho na URI. Casado com Lionira Giacomuzzi Komosinski e pai de três filhos: Leandro José Komosinski – professor da UFSC; Luciano Komosinski – Analista de Sistemas do Governo Federal e João Luís Komosinski – Professor do IFRS.
Para quem acha que Matemática e Língua Portuguesa são como água e óleo, inacreditavelmente, o sonho primeiro do professor João era ensinar Língua Portuguesa. Mas enquanto as vagas nessa área eram escassas, e havia necessidade de professor de Matemática – João Komosinski, foi por este caminho no qual, ensinou “quase meia cidade” considerando aqueles tempos e a faixa de quem hoje ronda os 50 a 70 anos. De acordo com sua esposa, também professora e doutora em Literatura, “o João lia muito, guardava livros e até jornais. Compilou muitas obras de português e de polonês em casa. Sempre gostou”. E tanto isso é verdade que somente depois do seu falecimento é que vim a saber, que o meu professor de Matemática, o João Komosinski, “meu e de meia cidade” como disse, também exerceu outra profissão: foi jornalista (redator/revisor) no jornal “O Debate”em Erechim. Ou seja – acabamos colegas de profissão!
Pois é. A vida é mesmo curta ou é o desgraçado do tempo que passa voando e, implacável, ano após ano, vai substituindo as pessoas. Em cidades de médio a pequeno porte como a nossa, a gente percebe e sente muito mais. Ao longo do tempo devem ter surgido outros professores competentes em todas as áreas, como na Matemática, onde o João deixou marca por sua discrição, competência e devoção ao ofício de ensinar. Mas para mim e todos aqueles quase incontáveis, que passaram pelo Mantovani de 1964 ao início dos anos 1990, este sujeito foi referência e está na memória de todos. Ao longo da minha vida, tive inúmeras japonas (jaquetas), mas aquela que perdi na cadeira do Cine Ideal me parecia única e, de fato, era. Assim como aquele professor de Matemática, o João Komosinski!?