terça-feira, 19 de maio de 2020

URI – esperança materializada sem mágica!

Glenio Renan Cabral, Mara Regina Rösler e Cleo Joaquim Ortigara - o Grupo Tarefa - Crédito: Arquivo Pessoal


URI – esperança materializada sem mágica!



19 de maio. Aniversário da URI. 28 anos. Parabéns.
Qual foi o prefeito que mais contribuiu para o desenvolvimento do Alto Uruguai, do Médio Alto Uruguai, das Missões e de um pedaço da região Central do Estado?
Na região de Erechim, por exemplo, nos queixamos de não contarmos há muitos anos com um deputado federal. Mas, quando os tivemos, que substanciais conquistas nos foram legadas para melhoria da vida aqui pelo chapéu do Rio Grande!?
Não, não será na área política que iremos encontrar a alavanca fundamental que deu vida nova, ou quem sabe, que sinalizou com esperança de dias melhores, a quem se cansara de debater-se em queixas generalizadas contra o esquecimento do Estado.
A pobreza econômica e social, especialmente esta, indicava que algo estava gravemente em dissintonia, porquanto raízes étnicas bem fundas e, de boa espécie, acalentavam em caldo de uma miscigenação muito plural - bem acima do que se poderia supor -, por dias melhores a cada uma das suas principais cidades, como Erechim, Frederico Westphalen, Santo Ângelo e, mais tarde, incluindo-se Santiago, Cerro Largo e São Luiz Gonzaga.
E foi na seara da educação - através de uma espécie de “grito de independência”, que a barragem que insistia em segurar no mais completo esquecimento a região quase  abandonada, sob o guarda-chuva DGE – 38, que ela própria reagiu e começou a mostrar que não dava mais para segurar tanta “água” (problemas) represada.
Os anos 1990 ainda não haviam chegado, quando a semente de união do tripé Erechim (Fapes), Frederico Westphalen (Fesau) e Santo Ângelo (Fundames), foi deitada no solo dessas três comunidades com o fito de constituir uma só Instituição de Ensino Superior (IES), uma Universidade.
Quem conhece o mundo das negociações, das interações sócio-culturais e dos relacionamentos humanos, onde brotam especificidades pessoais de todas as sortes e de todos os azares; pode fazer uma vaga ideia do que acontece num período aproximado de cinco anos para que um sonho – vire realidade.
Este processo de nascença de uma instituição como a que se desenvolvia no coração e mentes de alguns visionários, que reuniu lideranças das mais diferentes áreas, de cidades distantes e de IES que já tinham até ali sua própria história – transformou-se (ou melhor seria – foi transformado) numa esperança pensada, projetada, plantada, amplamente debatida e conquistada, por um punhado bem grande de lideranças políticas, econômicas, religiosas, sociais e, em especial, educacionais.
É de se imaginar o desafio que tiveram aqueles que costuraram a construção de um projeto sólido, único e de caráter insuspeito, sem ruídos ou com tiras soltas, para assim, levá-lo e apresentá-lo em Brasília. Era o primeiro grande passo: a Carta Consulta.
Pense numa reunião de condôminos.
Pense numa reunião de qualquer partido político.
Pense numa reunião de partidos políticos para formar um bloco.
Pense numa reunião familiar com vistas a decidir sobre quem vai cuidar do pai ou da mãe.
Pense na mesma reunião familiar com vistas à herança? 
Olha só o que se discute sobre o Covid 19 – isolamento vertical ou horizontal?
Distanciamento social?
Cloroquina ou...?
Vamos liberar partes, setores, áreas ou tudo antes que a economia nos afunde no pântano da desgraça?
Pense agora em Fapes, Fesau e Fundames, tendo de abrir mão de seus patrimônios, de uma história, de uma garantia (não se sabe até onde iria, mas enfim), para fazer surgir uma outra, uma nova Fundação!
Seria um exagero comparar a missão que os “costureiros” que lideraram o processo de confecção real da FuRI e URI (Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões) com os 12 trabalhos de Hércules.
No entanto, considerando que uma está no campo da mitologia e a outra no mundo de carne e osso, é possível, e até com boa dose de razoabilidade, admitir que os trabalhos reservados a quem atuou na linha de frente, foram algo sim, como os 12 destinados à Hércules.
Quem tem dúvida – coloque aí na sua análise de avaliação, a consideração do que a mente humana é capaz. Ou seja – boa parte do que se projetava e se movimentava na vanguarda com vistas à criação de uma única IES, nem sempre era peça aplaudida e reverenciada.
Lembro aqui do dia em que a picareta fez o primeiro buraco para erguer o Polo de Cultura. Um sonho do visionário Jaci José De Lazzari. No entanto, às minhas costas, um reduzido grupinho de observadores não se segurava: “esse Jaci é mesmo louco. Quando bota uma idéia na cabeça...”. Anos mais tarde, vi muitos dos críticos da inovação – discursando no palco do terceiro andar do Polo de Cultura, hoje incorporado ao Patrimônio Histórico e Cultural do Estado.
O projeto de Universidade que a região projetara por meio de algumas cabeças, e que acabaria sendo referendada, fugia aos modelos tradicionais, porquanto trazia na sua testa e no seu ventre um compromisso inarredável com as comunidades que lhe emprestaram suas Fundações Educacionais.
Ademais, o ensino, a pesquisa e a extensão, patrocinados pela nova instituição, teriam como endereço central o interesse comunitário, os desafios comunitários e as vivências comunitárias – buscando minimizar suas mazelas e potencializar suas virtudes.
O objetivo, enfim, era injetar sangue novo, doses de ânimo numa auto-estima depressiva e revigorar a vida no seio de regiões aparentemente divorciadas geográfica e culturalmente – permitindo, como disse; o nascer de um novo porvir em meio a um torrão gaúcho abandonado no seu todo pelo Estado. Talvez se salvasse aí a produção primária, mas mesmo assim, a iniciativa primeira era localista.
Sugiro um exercício fácil e prazeroso.
Pense em como era Erechim antes e depois da URI.
O que eram Frederico Westphalen, Santo Ângelo e, mais tarde, incorporada a “terra dos poetas”, Santiago, e, mais tarde ainda, Cerro Largo e São Luiz Gonzaga.
O que era e o que é o setor imobiliário!
O setor de serviços!
O próprio comércio e a indústria!
Vivemos tempos de crise, sim, vivemos
– mas abstraia o câmpus da URI nas cidades onde eles estão e repense estes tempos de tribulações, de agruras, de colapso...
O que seria dessas pobres, esquecidas e até então – quase desconhecidas terras!
Por estas bandas faziam filhos para a escola pública, que depois pegavam suas malinhas de pau ou pano e rumavam para Santa Maria ou Porto Alegre e – quantos voltaram para repassar o que aprenderam? E sejamos honestos: tudo às custas do pai e família que na roça iam tirar o sustento do filho em grande centro.
Com a URI – se constata que os ganhos não são apenas os formandos que cursaram o ensino superior perto de seus familiares.
Não é apenas um naco bem representativo desse número – que uma vez formado, em sua cidade ou região ficou para fazer sua vida profissional e contribuir para o desenvolvimento de onde se criou.
Não é apenas o campo de trabalho que se abriu para milhares de professores e funcionários.
Não é só a multiplicação da pesquisa, das ações de extensão sem custo às populações mais carentes ou a elevação do nível educacional, profissional e cultural neste pedaço de chão gaúcho ignorado pelo Estado por décadas.
Junto com a Universidade, veio e desenvolveu-se, o senso de que era, e é sim possível, dar vida própria ao desenvolvimento regional sustentável; bem do jeito como todos aqueles que deram sua parcela positiva de construção da URI, no modelo comunitário, o fizeram, e olha - bem antes de 1992.
E sob este aspecto, como é absolutamente impossível nominar a todos com suas contribuições, mas até em reconhecimento a esses todos – entendo que se tudo pudesse ser sintetizado, reunido ou representado em algumas pessoas, destacaria o Grupo Tarefa que comandou todo o processo, levando à criação da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, a URI.
Cleo Joaquim Ortigara (Frederico Westphalen - a tenacidade), Mara Regina Rösler (in memoriam - Santo Ângelo - a doçura) e Glenio Renan Cabral (Erechim - o equilíbrio), são sim, uma espécie de pais da URI, pela singela razão de que ninguém mais do que eles, dedicou tanto tempo, denodo, inteligência e esforço pessoal na construção desta obra que por isto mesmo, não é filha de um esforço ilusionista, nem do acaso e muito menos de um lance oportunista ou de sorte. Importa ainda observar que Cleo Ortigara e Mara Regina chegaram a ocupar o cargo de reitor da Universidade. Glenio Cabral, sempre o solícito chefe de gabinete. Tenho para mim, que só não foi reitor porque nunca cogitou dessa possibilidade. Mas com sua visão de bom senso e equilibro pavimentou uma relação de muito bom trânsito em todos os câmpus. 
Estas três pessoas, em primeiro plano, conviveram de perto com disposições proativas de muitos e nem tanto de outros, ao mesmo tempo em que devotaram-se ao convencimento, sem espaço para respostas negativas, junto a receosos ou descrentes diante da novidade do desconhecido. Era preciso compreender realidades distintas para promover a conciliação, sem ferir suscetibilidades e, ademais, sem perder pedaços do projetado pelo caminho. E isto exigia uma enorme capacidade de entendimento do outro, uma hercúlea determinação e uma inteligência acima da média – onde às vezes ceder um passo para ali adiante caminhar dois -, era um desafio que só podia ser entendido e assimilado na sua integralidade por quem tinha tudo na cabeça. Por quem compreendia com discernimento pleno por onde, em que velocidade e como se devia, e podia caminhar, como disse – sem perder peças da essência no percurso. E percebam - em um tempo ainda não apresentado ao mundo das novas tecnologias que viriam a seguir, o que, obviamente, cortaria caminho e aliviaria por demais do esforço de cada um e coletivo.
Não descarto que a orquestração de um projeto tão amplo e complexo, não tenha por vezes, lambido a linha divisória do abandono de tudo – considerando-se as particulares humanas, sempre tão imprevisíveis e suscetíveis às surpresas, especialmente quando sob o patrocínio da desculpa do risco de trocar o certo pelo duvidoso. Nestes casos, quase sempre, a motivação tem por pai a ignorância.
Por isso mesmo, ninguém mais do que eles, merecem quase na beira de três décadas desta construção, um reconhecimento mais efetivo e concreto de quem hoje tem a responsabilidade de levar adiante o sonho de muitos, a ação de outros tantos e a experimentação, ou até mesmo a redenção, de mais de cem municípios do Rio Grande do Sul – com a implantação de uma Universidade em área onde já ouvi, como por aqui, “lá nas grotas”.
Se esta ausência de homenagem já se alonga no tempo e, ainda não foi percebida por quem devia ter tal gesto de grandeza, em elevação à simples liturgia que o cargo lhe outorga, por que não; tal uma iniciativa não brotar em algum poder público das comunidades aonde a URI já pulsou e panoramas alterou!? 
Por isso desejo reforçar: não, nenhum político, nenhum homem público, nenhuma personalidade, nenhuma instituição esportiva ou social, nenhuma indústria, nenhum segmento econômico – ressalte-se em tempo, isoladamente – contribuiu mais que a URI nestes últimos 28 anos para o desenvolvimento de regiões até então – relegadas a terceiro plano. Nos meus 21 anos de URI, certa feita, encontrei 117 municípios que eram diretamente atendidos pela Universidade.
Reconheço que a instituição não é um brinco ou um diamante. Diria mais – hoje em dia, longe disso. Quem observa, sabe que a Universidade já foi mais do que é, considerando a conjuntura externa e, por que não, observando-a a partir das próprias entranhas.
Mas para uma área geográfica que em meio às próprias dificuldades sempre acalentou potencialidades que ainda estavam a ser melhor exploradas,  a esperança materializada através de uma Universidade, foi uma obra e tanto – para não dizer a maior de todas em seu próprio seio. Sim, porque pelo próprio objetivo da instituição, outras obras se fizeram, e como uma cadeia de serviços, a multiplicação do desenvolvimento se tornou mais factível. 
Se a reposta que hoje a Universidade dá às suas comunidades está à altura das necessidades das mesmas, ou do que se sonhou e projetou, difícil confirmar sem equívoco. Na minha honesta observação, fruto de quem ouve de forma insuspeita e independente como sempre o fiz – não.
O certo é que se um navio ou um avião não pode desconsiderar a necessidade de uma eventual correção de rota, por razão imprevisível, circunstancial ou nem tanto assim; os novos ventos que renovam e refrescam o mundo – devem ser aproveitados para remover eventuais teias de aranha que insistem em agarrar-se a empreendimentos que não podem deixar de se renovar sob pena de colocar navios à deriva, ou aviões a planar até encontrarem seu fim. E isto ninguém de ontem, de hoje ou de amanhã merece, sem deseja, nas comunidades, que para se fazer em vida, respirando – teve de contornar montanhas, as mais altas, íngremes, escarpadas e, por vezes; encobertas por lisas rochas de soberba e de vaidade.
De qualquer sorte, quem tem por fim moldar massas encefálicas supõe-se dela não sentir falta. Por isso mesmo é de saudar mais um aniversário da URI, até com uma pitada de otimismo. Por respeito à inteligência - reverenciar aqueles que a sonharam e a tornaram realidade. E desejar boa sorte a quem hoje tem a responsabilidade de conduzi-la. A URI foi concebida não só para ter vida longa. Mas que a vida longa se dê com qualidade de vida. E em sendo assim, elevem-se todos, às exigências com altivez, entrega, inteligência e humildade, como o fizeram aqueles que abriram o caminho desta instituição que mudou o cenário educacional, econômico e social em diferentes regiões do Estado – unindo-as com um sentimento de regionalização, entidade única – mas multicampi – e comunitária. Que este tripé produza novas lideranças nas suas comunidades. Que é o seu seio. E, preferencialmente, sem rompantes espetaculosos de magia – mas com a humildade e a determinação dos primeiros e com os pés firmemente agarrados às suas origens por mais plurais que sejam. Parabéns e boa sorte a todos.