Paulo Casarin, Naudi Dalpizzolo e Sérgio Intkar no CER Atlântico/Foto Stúdio Zardo/AVS |
Tempos de
pandemia.
Não dá pra
sair.
Nada pra
fazer.
Vamos viajar.
Viajar no
tempo?
Pois - saiu
aqui na A Voz da Serra no dia 7 de novembro de 1992 e tenta retratar um pedaço
da história dos Crazy Boys. Dos nomes citados, Pedrinho Cunha, Zézo, Sergio
Intkar e Jovino Alves Martins hoje moram no céu.
“The Crazy
Boys” foi a banda mais afamada dos anos 1960/70 em Erechim. A cidade tinha ótimas
bandas como Os Ipanemas e Etna (esta última comandada pelo Dr. José Vitecky –
música de primeira grandeza, ele, que foi mais uma vítima da Covid recentemente). O
texto abaixo é de 1992 – e saiu no dia que marcou a volta dos Crazy ao CER Atlântico.
1
‘E se fosse possível, de verdade,
entrar numa dessas músicas que
os 'Crazy' tocam, e voltar aos anos
1960 quando a gente andava
meio sem dinheiro flertando à vida,
a gente voltaria?
Lá se foi
nossa emoção,
por vezes
flagrantemente exposta
às custas do
nosso próprio rubor.
Tudo,
absolutamente tudo, levado
por conta de
uma espiada mais ousada.
Os Beatles
tocavam lá.
Os Crazy, cá.
A vida ainda
é nossa.
A nossa vida.
Mas a vida
mudou e do passado
a gente
lembra quase todo.
Do bom e do
ruim.
Quando se
pensa
nos ‘The
Crazy Boys’
(Banda de
rock dos anos 1960/70)
a gente se
lembra, principalmente,
da gente!
2
Domingo, duas
da tarde, 1966.
Pedrinho
Cunha e Naudi Dalpizzolo,
18 e 17 anos
respectivamente,
estão no
centro da cidade.
Amigos
inseparáveis da mesma
rua perto do antigo campo do
Atlântico na
rua do Caixeiral,
fãs
incondicionais de tudo o que
acontecia no
movimento
‘Jovem
Guarda’, eles alimentam
apenas um
sonho. Querem cantar.
Cantar e
tocar.
Era o sonho
de todo o jovem.
Era o comum.
Era o
natural.
Era a glória.
3
Os dois
amigos que tinham
alguns
conhecimentos rudimentares
sobre violão
e bateria, subiram
as estreitas
escadarias do
edifício
Condomínio Erechim
levando com
eles até o terceiro
andar sua
curiosidade. Eles estavam
perto de ver
com os próprios olhos
o Canal 2 -
TV Erechim.
Mais que
isso, estavam
diante da
possibilidade de
assistirem
ao ensaio dos
cantores que
se apresentariam
a partir das
20 horas no programa
‘A noite é
nossa’.
Donos de boa
voz e
muita
harmonia,
Pedrinho e
Naudi conheceram
naquela
tarde, aqueles que
formariam a
outra metade
do conjunto
‘The Crazy Boys’.
Paulo Muller
e Wagner Brusamarello,
que sabiam
tocar muito bem.
4
- Eu senti
que a dupla tinha condições
muito boas
para tocar e por isso
alguém correu
até a Livraria
ABC onde
arrumaram um violão,
disse Jovino
Alves Martins,
apresentador do programa
‘A noite é
nossa’.
Sem que
ninguém soubesse
explicar com
detalhes, ainda
naquela tarde
de domingo os
quatro
rapazes cantaram alguma
coisa e
acertaram a presença
do grupo no
programa
de televisão
naquele domingo
mesmo à
noite. Mas havia
ainda um
problema. ‘Na hora
de anunciar o
grupo, que nome
eu falaria',
diz Jovino.
5
Pedrinho
conta que sua irmã Eloá,
sempre falava
que ‘nós éramos
meninos
loucos’, que em inglês
representa
‘The Crazy Boys’.
À noite,
quando Jovino Martins
anunciou o
grupo, ele chamou
‘The Crazy
Boys’.
Um grupo
estreante no tradicional
programa das
noites de
domingo num
dos raríssimos
canais de
televisão do interior
do Estado.
6
‘Tocamos La
Bamba,
lembra
Pedrinho Cunha e
depois
daquela apresentação
o que aconteceu,
passou
a representar
a metamorfose
dos nossos
sonhos para a realidade'.
Quando o
quarteto parou de
tocar ‘La
Bamba’ foi a vez do
telefone
começar a
tocar
na emissora
da televisão.
Era alguém
que queria ver e ouvir
de novo o
conjunto.
‘Naquela
noite’, disse Pedrinho,
‘saímos do
condomínio
certos
de que alguma
coisa tinha
mudado já, e
muita coisa iria
mudar ainda.
Foram dezenas
de telefonemas.
‘Acertamos
logo um ensaio
para o dia
seguinte às
7 horas da
manhã na garagem da
casa de meu
pai na
rua Severiano
de Almeida'.
7
Convites para
animar
festinhas de
aniversário de
15 anos que
levavam
o conjunto a
se apresentar
em até quatro
locais diferentes
nos fins de
semana provocaram
a cobrança de
um cachê que
Pedrinho nem
lembra mais.
‘Mas era algo
acessível.
Nós queríamos
tocar e cantar’.
Logo os
quatro rapazes decidiram
que estava
na hora de
comprar instrumentos
melhores.
Chegaram duas
guitarras
para Paulo e Wagner,
uma bateria
para Naudi
e um baixo
para Pedrinho.
Como num
sonho, ainda em 1966
o conjunto estava
em Londrina (PR)
se
apresentando para
um grande
público
numa
Exposição Industrial, Comercial
e
Agropecuária.
Em Londrina
mesmo o conjunto (banda)
acabou se
apresentando num
canal de
televisão e numa emissora
de rádio.
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Tentando se
lembrar
das
apresentações, Pedrinho
se perde no
itinerário certo das
excursões e
enumera apenas
Porto Alegre,
Carazinho, Concórdia,
Passo Fundo,
Joaçaba,
Foz do Iguaçu
e Cascavel
entre outras.
O repertório
não
abandonava Renato
e Seus Blues
Caps, Roberto Carlos,
Os Incríveis
e os Beatles, aliás,
mais que isso
seria estar fora
da realidade
e dos próprios
sonhos dos
anos 1960.
9
Em 1967 o
guitarrista Wagner
deixou o
conjunto e no seu lugar
entrou Zézo, (Tito
Livio Rosa).
Logo depois
era a vez de Paulo Muller
falar em
sair. Para sua vaga
o conjunto
foi buscar aquele
que se
constituiria num dos
maiores
músicos já produzidos
em Erechim.
Sergio Intkar,
o Serginho.
De 1967 a 1969
‘The Crazy
Boys’ teve sua melhor fase.
Foi a fase
mais forte da Jovem Guarda.
O conjunto
tinha compromissos
semanais em
shows e bailes.
10
As pessoas
que estão hoje (2021,
ao redor dos
de 50, 55 a 80)
e que viram
‘The Crazy Boys’
naquela
época, não esquecem mais.
De certa
forma são um produto
daqueles anos
inesquecíveis
quando de
cuba-libre à mão,
corriam os
olhos pelas mesas
em busca de
outro par de olhos
de gurias
aparentemente
bem
comportadas, o que
acabaria
interferindo no próprio
rumo e
definição de boa parte
de suas
vidas.
Foi um tempo
que nunca mais
se repetirá,
momentos
que ficaram
registrados apenas
nos arquivos
secretos
da memória
daquelas pessoas.
Tudo isso
embalado pelo
som que representava
o resto
daquele romantismo inigualável,
e que vinha
através
dos ‘The Crazy
Boys’.
Ninguém que
viveu aqueles
tempos em
Erechim conseguirá
buscar na
memória do tempo,
algum momento
daqueles anos
sem ouvir
algo parecido
como ‘Love Me
Do’.
11
Na madrugada
de um domingo de 1669,
Zézo se
envolve num acidente
de trânsito
na rua Santos Dumont.
O conjunto
contorna o impacto
e a perda que
jamais foi
definitivamente
absorvida,
leva à
inclusão do tecladista
de renome
internacional,
Paulo
Casarin, também erechinense.
12
Ainda em 1969
começa uma nova
fase dos ‘The
Crazy Boys’.
O avanço
tecnológico chega
mais forte à
música instrumental
e o conjunto
tenta acompanhar
a evolução.
O
profissionalismo também
busca o seu
espaço e aos poucos
começa a
surgir uma nova
tendência
musical dentro do grupo.
13
Em 1973,
divergências na
busca de um
aprofundamento
maior na
música determinaram
o surgimento
de alguns problemas.
Era o início
da primeira parada.
Em 1973,
também, Pedrinho
já está
casado e se retira. Naudi,
Serginho e
Casarin ingressam
no conjunto
‘Os Ipanemas’
– outra banda
que marcou época.
Quatro anos
depois, Pedrinho
não resiste e
se reencontra
com os amigos
nos
‘Os
Ipanemas’.
14
No ano
seguinte, 1974,
Pedrinho para
mais uma vez.
Paulo Casarin
decide ir
para São
Paulo. Serginho
vai para Curitiba
e Naudi
também para
de tocar pela
primeira vez.
Parecia o
fim.
À exemplo de
conjuntos consagrados
no mundo
inteiro e que serviram
de inspiração
para o grupo,
os quatro
rapazes se separam.
Surge um
vácuo que duraria 10 anos.
15
1987. Era muita coisa
ter de continuar morando
em Erechim, passar pelas mesmas ruas,
ver sempre as mesmas pessoas
e ter que passar pela vida,
mas sem o Crazy... Por quê?
Ainda era tempo de ouvir e ver
mais uma vez o conjunto e
recuperar em parte alguns
fragmentos de noitadas mágicas
dos anos 1960.
Um grupo de saudosistas
lançou uma promoção inédita
e conseguiu reunir os Crazy
para um baile no Atlântico.
16
Dia 6 de novembro de 1987.
O Clube Atlântico foi pequeno para
receber os fãs do conjunto.
O
show ‘Pode vir quente
que estou fervendo...’
e Pedrinho, Serginho, Naudi,
Paulo Muller
e Wagner estavam outra vez
cantando juntos.
17
Os tempos eram outros.
Olhares que nos anos 1960 percorriam
os salões em busca de companhia
estavam agora identificados
com alguém e sentados
à mesma mesa.
Os olhos estavam casados.
18
A certeza do sucesso
garantiu novo show desta vez
no Clube do Comércio
e duas apresentações no BB.
Em 1988 o conjunto esteve
em Cascavel, a pedido
da “colônia erechinense”.
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A mesma cidade levou os
Crazy em 1989 para duas
apresentações no Biélle Club para
3 mil pessoas. O sucesso foi tão grande
que a TV Bandeirantes gravou
um especial exibido
no Flash de Amaury Jr.
20
Os The Crazy Boys na
verdade
nunca pararam, e nunca
se separaram.
Eles vivem
dentro de cada pessoa que
passou por Erechim nos
anos
1960 e 1970.
Eles ajudaram a crescer
os cabelos dos jovens
erechinenses.
Foram a presença mais viva
e próxima dos Beatles e
Renato
e seus Blue Caps por estas
bandas dentre todas
as afamadas bandas locais.
21
Desde aquele domingo de
1966 mudaram muitas
coisas que a gente nem lembra
mais, e esta é apenas
uma tentativa de resgatar
parte do que foi este
“conjunto” extraordinário
para os padrões locais.
Logo mais
–
7 de novembro de 1992 –
os Crazy estarão incrivelmente reais
no Atlântico com ‘anos rebeldes’.
22
E se de repente alguém
se enxergar num canto
qualquer do clube,
sem a real barriga
e com longos cabelos sobre
a cabeça e em total desalinho,
não será nenhuma coincidência.
E para que isso possa
até mesmo virar realidade
esta noite, não precisa nem
exagerar na cuba-libre.
É só deixar os Crazy tocar!
She loves you, ié, ié, ié
She loves you, ié, ié, íe
She loves you ... - ... ié, ié, ié,
iéééé!
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Eu
e os Crazy
Era uma noite de sábado.
Gelaaaaaada.
Tinha tapado buracos na cancha
de bochas do Atlântico,
a tarde inteira.
Mas o que ganhei não deu
para o ingresso.
2
Cheguei no portão de ferro
do ginásio do Medianeira,
(acho que era mesmo de ferro...
porque muito muito pesado)
que já estava fechado, e
lá de fora ouvia o burburinho
das gurias e dos piás
– ou já nem tanto piás!
–
e, claro, o som dos
Beatles de Erechim.
The Crazy Boys tocava um sucesso
atrás do outro e,
eu só controlando o porteiro.
3
A cada pouco vinha alguém
com ingresso e o portão de ferro
se abria e eu, me metia os olhos
para ver lá dentro.
4
Era aquela fumaceira - fumar era chique -
e,
rum com coca, e nas mesinhas
–
a maioria, guria com guria e
em outras, homens com homens -,
ou para que não me apedrejem
nestes tempos modernos
como um “discriminador”,
um “preconceituoso”
– a maioria guri com guri
e mulheres com mulheres.
5
De repente um ou outro criava
coragem
e ia até uma mesinha
para “tirar” alguém para dançar.
Os casais já prontos eram poucos.
6
E enquanto tudo acontecia lá
dentro do Medianeira,
e enquanto o portão se abria
e se fechava
e eu fumava um ou outro cigarro
lá fora, gelado, congelado
– e no abre e fecha do portão de ferro
(acho que era porque tão pesado...!)
eu me arriscava a meter a cara
e lançar um olhar, fugaz,
lá pra dentro do
“salão”:
“xiiiiiiiuuuuuuuuuuuu
Sai pra lá ô imundíce... Vai pra tua
casa ô guri!”,
era como me lembro da reação
do porteiro,
já cansado de mim...
ele que não tinha nada
a ver com o meu azar de “pelado”,
com a minha desgraça
- como seu eu fosse um guaipeca,
fedorento, mal-cuidado e
intrometido querendo meter
o focinho onde não fora convidado
e nem era bem vindo.
Mas - que culpa tinha eu se...
os Crazy era pra mim os Beatles
ao alcance os olhos.
Quase da mão!
7
Mas eu era teimoso.
Talvez por isso um dia
me meti no jornalismo.
A profissão requer várias coisas,
mas uma delas é incondicional: ser
curioso, persistente, teimoso.
“Encher o saco” de quem tem
coisa pra dizer e não e nada
quer dizer.
8
Mas não seria naquela noite
que estaria perto dos
“meus ídolos” – Pedrinho, Naudy,
Wagner, Zézo, Serginho e Casarin.
Não que estivessem eles todos - juntos,
mas o conjunto de nomes forma
o grupo que incrustou
“The Crazy Boys”
no memorial da melhor música
(pop/rock) de Campo Pequeno
em 100 anos.
9
Na verdade não me lembro
de um baile que tenha frequentado
com os Crazy.
Naquele tempo era
“muita areia pro meu caminhãozinho”.
Mas minha incursão pelas
redações do jornalismo
oportunizou aproximar-me
de muitas pessoas importantes
– e este foi meu passaporte
para um dia convidar o Pedrinho
a ir até a redação de “A Voz da Serra”.
E lá, pertinho de um dos meus ídolos
daquela inesquecível banda,
ele me contou essa história
que entrego hoje a todos
os fãs dos “The Crazy Boys
a banda que não morre jamais".
10
Incrivelmente, pela inexorabilidade
da vida,
aos poucos a “banda”
vai se formando no céu.
Lá já estão juntos Pedrinho, Zézo
e Serginho.
Cada um a seu tempo, a seu modo
– quem sabe escrito pelo
Autor Maior da Vida -,
foi se despedindo daqui e
se acomodando no
bairro Erechim – 99700000
Lá De Cima.
A eles, juntou-se há poucos dias,
outro músico da mesma altura
talentosa, o Dr. Vitecky
que por aqui não deixou por menos
e também tocou e cantou de Beatles
pra fora, abocanhando
mais que a simpatia,
o apreço e a admiração de milhares
de fãs que jamais o esquecerão,
entre os quais, me inscrevo
– hoje já em condições de quem
sabe vê-lo (como vi),
de perto com sua eterna Banda Etna.
11
A realidade e, a verdade,
que ninguém contesta é: como
Erechim teve sorte
– com seus músicos de
excelência admirável quando
o gênero era o rock em especial.
Se tiver que voltar mais atrás
– buscando outros ritmos
e representações -,
a constatação será a mesma.
Uma pergunta derradeira: esses
expoentes da nossa música
receberam o reconhecimento
do Poder Público?
O que posso responder
–
respondo: do poder não sei.
Mas do público, com certeza.
Jamais morrerão.