domingo, 26 de março de 2023

Ypiranga x Grêmio! O ingrresso foi caro?!

 

      


                            Luis Gustavo Zanella Piccinin
                Março de 2023

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Acompanhei com um misto de espanto e incredulidade as calorosas discussões havidas em grupos de whatsapp e redes sociais sobre o preço dos ingressos cobrados pelo Ypiranga para a semifinal do gauchão contra o Grêmio em Erechim.

Sem contar o espetáculo que é acompanhar o time local fazendo história, sim história, porque não é nada fácil competir com a dupla gre-nal para se ter um time minimamente competitivo e com reais chances de vencer o campeonato estadual. Só isso já valeria o ingresso, pois o Ypiranga mostrou com sobras que é um time competentemente montado e com chances técnicas reais nos campeonatos que disputa.

Também a chance de ver um dos melhores jogadores do mundo em atividade, Luis Suares já justificaria igualmente o preço pedido pelo mandante de campo erechinense.

Essas as razões óbvias e imediatas, tudo mesmo considerando se tratar de um evento esporádico e até certo ponto inédito, o que justifica que o time erechinense aproveite a ocasião para reforçar o caixa. Não são elas, contudo, a justificarem o valor das entradas.

A pergunta é outra: - Quanto custou há anos passados a construção do Estádio Colosso da Lagoa? Mais: em épocas sombrias de quase desativação do futebol local quanto custou a manutenção de toda a estrutura física do estádio e suas adjacências? Qual o custo financeiro fixo em perspectiva histórica teve a construção e manutenção daquele que orgulha todo erechinense, tido como o “maior estádio do interior do Estado”? Se até aqui abnegados torcedores e dirigentes contribuiram financeiramente para tanto, há que se dizer e admitir que não foi pouco!


Colosso da Lagoa em obras. Foto: Arquivo/Ody


Graças a dedicados e desapegados erechinenses de valor – muito mais do que “de preço” - é que foi possível construir o estádio e mantê-lo, com maior ou menor dificuldade no passar dos anos. Seguramente os doadores do passado não iam a público reclamar do preço dos insumos empregados na construção. Se doavam e contribuiam, assim  o faziam com sentimento de pertencimento social e de realização, em uma comunidade em que o futebol local era motivo de orgulho e de abnegação. Os tempos eram outros e o orgulho de ter ajudado com a empreitada era seguramente muito maior do que a discussão do valor envolvido. O sentimento de pertencer à maior realização esportiva do município seguramente compensava o desembolso. Tempos de valor, e não de preço!



Drenagem do Colosso da Lagoa. Foto: Arquivo/Ody

Triste é ver que toda essa monumental construção fique hoje reduzida a discussão sobre a justiça do preço. Ora, se o senso for o de participar da grande realização que é o Ypiranga, o valor do ingresso não há de ser criticado, pois serve para manter e aumentar em importância a instituição que é o Ypiranga; se a ideia é que o preço de determinado ingresso seja salgado, qualquer um pode ajudar o Ypiranga com módicos R$ 50,00 mensais, tornando-se sócio, e assim assistir no estádio a qualquer jogo. Seja de qualquer jeito o que importa mesmo é ter a noção de pertencimento, de construção e de realização e de

Colosso da Lagoa/2023 - Foto: José Adelar Ody

honra ao passado, e de que seja pagando o ingresso ou mesmo se associando, o dinheiro desembolsado está contribuindo para uma verdadeira instituição local, que é o Ypiranga, motivo de orgulho para toda a cidade de Erechim. Há que se ter uma noção de história e de valor, e não meramente de preço!

 


sábado, 25 de março de 2023

Um discurso para refletir

 

Lucia, Vanda, Enori, Helena, Francisco, Neusa, Joemir e Neivo. (Foto:AEL)


No lançamento da 24ª Feira do Livro na Câmara de Vereadores, sexta-feira, 24, inúmeros 

pronunciamentos foram realizados, entre os quais o do homenageado desta feira, Francisco 

Basso Dias (Chico) locutor da rádio Difusão. 


Entre as manifestações da Patrona da Feira, Joemir Rossett, da secretária de Cultura e 

Esportes, Carla Talgatti e da presidente da Academia Erechinense de Letras (AEL), Dra. 

Helena Confortin – todos muito 

bem elaborados com vistas ao evento a realizar-se de 22 a 29 de abril na Praça Jayme Lago, 

permito-me reproduzir na íntegra a fala do homenageado da feira, que chamou a atenção de 

todos os presentes pela conjugação de termos não tão comuns em discursos - dando 

um brilho especial ao evento. À bem da verdade todas as manifestações abordaram a feira 

com riqueza, cada qual seguindo seu próprio estilo. 

 

Francisco Basso Dias - Chico


“Distintas autoridades que compõem a mesa...

Presidente da Câmara Municipal de Vereadores, Sérgio Alves Bento;

Carla Talgatti, Secretária Municipal de Cultura;

Helena Confortin, presidente da Academia Erechinense de Letras;

Patrona da Feira do Livre/2023, Joemir Rossett...

Senhoras e senhores...

O Grande Rui Barbosa, quando retornava à sua terra e recebia uma homenagem dos seus conterrâneos disse uma frase, no início de sua alocução de agradecimento, que copiei e repercuto no início desta consideração para comigo:.....

“Depois disso, diante disso, não sei como principiar...”, ou seja, iniciar, começar... o meu agradecimento por receber carinhosamente esta homenagem que me deixa um tanto emocionado.

Minhas palavras neste momento não são apenas protocolares, na qualidade de homenageado, mas falo também como comunicador de rádio com 70 anos de carreira.

A Feira do Livro de Erechim, traz um retrato instantâneo de nossa produção editorial contemporânea.

Como se trata de livros, traz também muito mais do que isso: um convite à descoberta de nossa literatura.

Nestes tempos contemporâneos, pelo mundo afora, somos todos vítimas de uma certa prisão a imagens pré-determinadas, que prometem um resumo rápido de todo um povo e uma cultura.

Porém nem sempre essas imagens são fiéis.

Uma palavra detona logo uma imagem que pretende esgotá-la, sem perda de tempo. E a imagem do Brasil não é associada a livros. Ou seja, o Brasil não é considerado (me desculpem) um país literário – diferente de alguns de seus vizinhos. Os estereótipos que se colam aos olhares lançados sobre nós se voltam muito mais para a cultura daquilo que é imediatamente apreensível pelos sentidos - o corpo.

Mas, um corpo em que o cérebro costuma ser esquecido, como se não tivéssemos espírito, na celebração da dança, da música, do futebol, da capoeira e outros esportes, da sensualidade, das peles bronzeadas que se exibem nas praias, do carnaval, dos sabores da caipirinha.

Mas, nós brasileiros somos muito mais do que isso, no amálgama cultural e étnico que nos constitui, capaz de criar tudo isso e muito mais, a partir de um rico patrimônio indígena encontrado pelos europeus que chegaram ao nosso país, dos  diversos aportes dolorosamente  transplantados da África em porões de navios carregados de escravos, da bagagem acumulada e trazida por imigrantes europeus, asiáticos, e do oriente médio, de variadas origens – todos colaborando para moldar uma forma única de nos expressarmos, capaz de  dar uma contribuição enriquecedora para todos nós.

Então, ao agradecermos o convite para esta homenagem, vamos mergulhar nas águas desta multiplicidade, desta identidade aberta, feita de diálogos e cruzamentos culturais.   Agora, cabe apenas uma advertência: não venham procurar o exotismo e o pitoresco, nem a se dar por satisfeitos com a denúncia automática dos óbvios problemas, repetidoras de clichês.

Procurem ir além da mera confirmação de estereótipos simplificadores. A literatura que se faz no Brasil tem muito mais a lhes oferecer - em sua variedade de protótipos, sua inquietação, sua inovação formal, sua inquietação, seus variados registros de diálogo irônico com o cânone em piscadelas literárias de todo tipo, das mais refinadas e sutis às mais divertidas e escrachadas paródias, pastiches, intertextualidades.

A sociedade e a política brasileira estão sempre rondando, por perto, por baixo do que se publica entre nós. Esse substrato político na escrita é uma das nossas marcas. Em seu conjunto, nossos livros levantam indagações, reflexões, diálogos críticos com o real, hipóteses do imaginário, a partir de fatos de nosso cotidiano e de sabores por eles despertados em cada um de nós.

Trazemos autores de procedências diversas, com suas falas pessoais, visões peculiares e irrepetíveis. Uma soma. Um mosaico, talvez. Um tecido de fios entrecruzados, de desenhos imprevisíveis e surpreendentes. Quem tiver o cuidado de examinar de perto essa urdidura terá também a revelação de avessos instigantes e desafiadores, pessoais, únicos, típicos das texturas e dos textos artesanais, abandonados nas produções em série dos grandes teares industriais.

Tudo isso contribui para compor uma literatura de grande vitalidade, num processo dinâmico que se movimenta sempre, construindo possibilidades insuspeitadas pelos olhares comodistas e superficiais.

Este é um convite para que venham encontrar essa literatura plural, múltipla, diversa, em que os regionalismos eventuais se esgueiram pelas frestas de um cosmopolitismo inesperado, construído sobre a intensa riqueza de uma cultura oral vigorosa que ajuda a sustentar refinadas invenções vanguardistas, sem deixar de dialogar com ecos de uma cultura de massas dinâmica, onde técnica e improviso  ousadamente se dão as mãos. Ao pagar o preço histórico de só termos conseguido escolarizar plenamente nossas crianças nas duas últimas décadas (e ainda assim, de maneira precária, com baixa qualidade no ensino), e de termos grande parte de nossos professores oriundos de lares analfabetos, sem intimidade com livros, esbarramos também num acelerado processo de urbanização e desenvolvimento tecnológico, numa rede de comunicação de massa onipresente e criativa, de alta qualidade e de elevado padrão técnico.

Em grande parte, saltamos diretamente da cultura oral para a televisão e o mundo digital sem fazer escala na Galáxia de Gutemberg. Mas desse processo histórico injusto, a refletir as desigualdades do país, nossa cultura tira uma força única, com uma produção de grande vitalidade e diversidade, combinadas de maneira muito própria, em original contribuição que surpreende quem chega perto desarmado de preconceitos, disposto a se deixar impregnar por ela.

A nossa Feira do Livro é um retrato instantâneo deste momento.

Encerro pois estas palavras repetindo o convite a cada um para que se aproxime de nossos livros e venha garimpar tesouros nesses ricos veios, em busca de suas descobertas pessoais. Há livros para todo gosto, e seguramente cada leitor saberá encontrar o seu. Provavelmente, mais de um se revelará atraente. Para isso, basta chegar perto, procurar ler, enfrentar o desafio de ir além da superfície e não se limitar apenas aos que nela flutuam, selecionando somente os que confirmam o que já se espera achar. Garanto que boas surpresas estão à sua espera.

Sejam bem vindos.

Desculpem as autoridades que aqui estão, e agora finalizando, eu quero compartilhar esta homenagem que é muito significativa para o meu ego, com os jovens...com os estudantes....

Deixando como última mensagem o seguinte: A leitura é algo importante na vida das pessoas, e acima de tudo, para o desenvolvimento intelectual e cultural do ser humano. Ler estimula a criatividade, melhora a escrita, ajuda no funcionamento do cérebro e exercita a memória, além de outros benefícios. A leitura pode mudar o mundo. A leitura é descobrir sentidos. É a reinvenção da realidade. Uma boa leitura nos faz compreender o mundo a nossa volta através de diversas perspectivas e é por meio desse processo que se torna viável construir novos significados a partir de cada objetivo.

Obrigado!!!!”

 

Nota: (Francisco Basso Dias é, atualmente, o radialista mais veterano (87 anos) a exercitar diariamente o ofício na radiofonia do Rio Grade do Sul).

sábado, 11 de março de 2023

As árvores

 

Maria Luíza ,Cleusa, Neivo, Helena e Lucia. Foto: Zeni Bearzi (AEL)

1

A vassoura de palha ia a vinha, sempre empurrando para a frente as folhas.

Eram folhas que caiam noite e dia, inverno e verão, sob chuva ou sol.

Caíam e ia se acumulando, mas ali não era o lugar delas.

Uma vez despencadas deviam ser juntadas e colocadas num depósito de lixo e depois levadas sabe lá Deus pra onde.

2

Eu que já tinha os braços cansados de tantas e tantas provas que passara no mimeógrafo a álcool para os professores das mais diferentes disciplinas, eu que já tinha dado voltas e voltas juntando a primeira depois a segunda, depois a terceira folha, depois... até completar o “polígrafo da prova” e grampeado todas aquelas pilhas de provas – e ficar de bico calado carregando a confiança dos professores e, em especial do diretor do Cese (Centro de Ensino Superior de Erechim), o bigodudo e competente professor João Dautartas, podia então pegar a vassoura a ir varrer os pátios do que viria a ser a URI exatos 20 anos mais tarde.

Varria os corredores, varria as salas (que eram poucas), varria a parte dos fundos do prédio onde professores e alunos deixavam seus carros e, claro, varria a frente, o acesso principal, a entrada ao prédio da “Faculdade”. Uma das minhas preferidas era varrer a sala onde estudava à noite junto à “nata política e econômico/empresarial” da cidade no recém criado curso de Administração de Empresas.

3

Hoje aquela primeira sala abriga a Capela Santo Agostinho.  

De quebra ainda me sobrava tempo ou tarefa para começar a montar uma espécie de biblioteca com arquivos de metal, tipo prateleiras de escritório. Ela estava localizada onde há tempos funciona a Assessoria de Comunicação do câmpus. Os livros (poucos) começavam a vir de onde sei, doações, etc., e minha maior preocupação era que aqueles arquivos de metal cinza, que entortavam e ensaiavam cair; que pelo amor de Deus não desandassem.

Árvores ao fundo na entrada da URI e Bandeira da AEL. Foto: ZenI Bearzi (AEL)
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E assim, sem nenhuma experiência no setor ia distribuindo aleatoriamente os livros de forma principal a manter o equilíbrio daquela peça metálica, que foi virando duas, três e acho que parou por aí.

Tudo isso me foi “dado” pelo diretor João Dautartas como compensação por não conseguir mais pagar meu curso de Administração.

Das 5 horas da manhã às 13 horas eu trabalhava num posto de gasolina como frentista.

E, depois das 14h30min mais ou menos, trabalhava na “Faculdade”, fazendo um pouco de tudo.

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À noite entrava na sala de aula ao lado dos colegas e demais alunos, todos eles já praticamente com a vida feita – como disse - a maioria proprietários, diretores, gerentes de grandes empresas, ou funcionários do Banco do Brasil ou instituições de Estado com suas regionais radicadas em Erechim. E eu - frentista.

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Suportei um ano e meio e desisti do curso.

Não era o que eu queria.

Não era para mim.

Não sabia ao certo o que queria – mas o que não, sabia.

E lidar com contas, contabilidade, ativos e passivos,

e coisas do gênero definitivamente não era para mim.

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Um dia, Jayme Luiz Lago, (meu colega de aula – a primeira turma de Administração), ele que 11 anos mais tarde viria a ser prefeito de Erechim, chamou  um dos proprietários do jornal “A Voz da Serra” e nosso colega de curso, Gilson Carraro e lhe disse: “Leva esse guri pro jornal. O lugar dele é lá”.

O pedido se concretizou como uma ordem e ali na “A Voz da Serra” então iniciei minha trajetória no jornalismo sob o olhar, de outro homem com bigodes vermelhos – e uma língua de fogo. Meu estimado amigo Geder Carraro. Um professor.

Aguentei seis meses ou mais e fui para a empresa Vva. José Sponchiado ser chefe do Departamento de Cobranças.

Durei um ano e alcei voo até Porto Alegre ingressando na PUC e na rádio Difusora para aterrizar na companhia Jornalística Caldas Júnior. O resto todo mundo sabe.


Cleusa, Neivo, Helena e Lucia. Foto: Zeni Beazri (AEL)
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Sou agradecido a todos que me ajudaram.

Na reunião de posse da Dra. Helena Confortin, na presidência da Academia Erechinense de Letras (AEL), semana passada, ao lado de outras personalidades do mundo das letras da cidade – ouvindo os discursos parecia que algo em atraía ou chamava lá de fora da sala do prédio principal da URI.

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Eram elas, as árvores que continuavam embalando seus galhos e largando folhas ao chão bem na entrada principal da URI – quase dançando ao compasso de uma brisa leve.

Será que elas se lembravam de me mim e me saudavam?

Será que só queriam dizer boa noite, olá, tudo bem?

Será que me pediam por onde tinha andado?

Só sei que eram em número bem maior e seus corpos já

estava bem desenvolvidos.

Quanto valeria a sombra delas para quem sentasse por ali.

Até hoje agradeço àquelas árvores que dispensavam ao solo suas folhas mais maduras ou velhas ou enverrugadas.

Sim, porque não fossem elas, talvez jamais ganhasse a oportunidade de continuar meus estudos no Cese (hoje URI) e, muito menos, muito provavelmente não me depararia com alguém que de fato sabia o que eu queria ser.


Árvores na entrada principal da URI aina resistem. Foto: Zeni Bearzi (AEL)
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As arvorezinhas menores se assanhavam como a se

esfregar ou segurar numa saia de mãe recostadas nas

mais antigas e crescidas, garantias de segurança,

porquanto com suas grossas e largas raízes, profunda

e firmemente agarradas ao solo.

Há quem não acredite em destino. Há quem acredite.

Se existe mesmo, o certo é que ele vem de cima, do céu,

ou – quem sabe – da copa de alguma árvore qualquer e

nos empurra vida à frente assim como minha velha

vassoura de palha empurrava as folhas que 

substituídas continuam caindo.