sábado, 11 de março de 2023

As árvores

 

Maria Luíza ,Cleusa, Neivo, Helena e Lucia. Foto: Zeni Bearzi (AEL)

1

A vassoura de palha ia a vinha, sempre empurrando para a frente as folhas.

Eram folhas que caiam noite e dia, inverno e verão, sob chuva ou sol.

Caíam e ia se acumulando, mas ali não era o lugar delas.

Uma vez despencadas deviam ser juntadas e colocadas num depósito de lixo e depois levadas sabe lá Deus pra onde.

2

Eu que já tinha os braços cansados de tantas e tantas provas que passara no mimeógrafo a álcool para os professores das mais diferentes disciplinas, eu que já tinha dado voltas e voltas juntando a primeira depois a segunda, depois a terceira folha, depois... até completar o “polígrafo da prova” e grampeado todas aquelas pilhas de provas – e ficar de bico calado carregando a confiança dos professores e, em especial do diretor do Cese (Centro de Ensino Superior de Erechim), o bigodudo e competente professor João Dautartas, podia então pegar a vassoura a ir varrer os pátios do que viria a ser a URI exatos 20 anos mais tarde.

Varria os corredores, varria as salas (que eram poucas), varria a parte dos fundos do prédio onde professores e alunos deixavam seus carros e, claro, varria a frente, o acesso principal, a entrada ao prédio da “Faculdade”. Uma das minhas preferidas era varrer a sala onde estudava à noite junto à “nata política e econômico/empresarial” da cidade no recém criado curso de Administração de Empresas.

3

Hoje aquela primeira sala abriga a Capela Santo Agostinho.  

De quebra ainda me sobrava tempo ou tarefa para começar a montar uma espécie de biblioteca com arquivos de metal, tipo prateleiras de escritório. Ela estava localizada onde há tempos funciona a Assessoria de Comunicação do câmpus. Os livros (poucos) começavam a vir de onde sei, doações, etc., e minha maior preocupação era que aqueles arquivos de metal cinza, que entortavam e ensaiavam cair; que pelo amor de Deus não desandassem.

Árvores ao fundo na entrada da URI e Bandeira da AEL. Foto: ZenI Bearzi (AEL)
4

E assim, sem nenhuma experiência no setor ia distribuindo aleatoriamente os livros de forma principal a manter o equilíbrio daquela peça metálica, que foi virando duas, três e acho que parou por aí.

Tudo isso me foi “dado” pelo diretor João Dautartas como compensação por não conseguir mais pagar meu curso de Administração.

Das 5 horas da manhã às 13 horas eu trabalhava num posto de gasolina como frentista.

E, depois das 14h30min mais ou menos, trabalhava na “Faculdade”, fazendo um pouco de tudo.

5

À noite entrava na sala de aula ao lado dos colegas e demais alunos, todos eles já praticamente com a vida feita – como disse - a maioria proprietários, diretores, gerentes de grandes empresas, ou funcionários do Banco do Brasil ou instituições de Estado com suas regionais radicadas em Erechim. E eu - frentista.

6

Suportei um ano e meio e desisti do curso.

Não era o que eu queria.

Não era para mim.

Não sabia ao certo o que queria – mas o que não, sabia.

E lidar com contas, contabilidade, ativos e passivos,

e coisas do gênero definitivamente não era para mim.

7

Um dia, Jayme Luiz Lago, (meu colega de aula – a primeira turma de Administração), ele que 11 anos mais tarde viria a ser prefeito de Erechim, chamou  um dos proprietários do jornal “A Voz da Serra” e nosso colega de curso, Gilson Carraro e lhe disse: “Leva esse guri pro jornal. O lugar dele é lá”.

O pedido se concretizou como uma ordem e ali na “A Voz da Serra” então iniciei minha trajetória no jornalismo sob o olhar, de outro homem com bigodes vermelhos – e uma língua de fogo. Meu estimado amigo Geder Carraro. Um professor.

Aguentei seis meses ou mais e fui para a empresa Vva. José Sponchiado ser chefe do Departamento de Cobranças.

Durei um ano e alcei voo até Porto Alegre ingressando na PUC e na rádio Difusora para aterrizar na companhia Jornalística Caldas Júnior. O resto todo mundo sabe.


Cleusa, Neivo, Helena e Lucia. Foto: Zeni Beazri (AEL)
8

Sou agradecido a todos que me ajudaram.

Na reunião de posse da Dra. Helena Confortin, na presidência da Academia Erechinense de Letras (AEL), semana passada, ao lado de outras personalidades do mundo das letras da cidade – ouvindo os discursos parecia que algo em atraía ou chamava lá de fora da sala do prédio principal da URI.

9

Eram elas, as árvores que continuavam embalando seus galhos e largando folhas ao chão bem na entrada principal da URI – quase dançando ao compasso de uma brisa leve.

Será que elas se lembravam de me mim e me saudavam?

Será que só queriam dizer boa noite, olá, tudo bem?

Será que me pediam por onde tinha andado?

Só sei que eram em número bem maior e seus corpos já

estava bem desenvolvidos.

Quanto valeria a sombra delas para quem sentasse por ali.

Até hoje agradeço àquelas árvores que dispensavam ao solo suas folhas mais maduras ou velhas ou enverrugadas.

Sim, porque não fossem elas, talvez jamais ganhasse a oportunidade de continuar meus estudos no Cese (hoje URI) e, muito menos, muito provavelmente não me depararia com alguém que de fato sabia o que eu queria ser.


Árvores na entrada principal da URI aina resistem. Foto: Zeni Bearzi (AEL)
10

As arvorezinhas menores se assanhavam como a se

esfregar ou segurar numa saia de mãe recostadas nas

mais antigas e crescidas, garantias de segurança,

porquanto com suas grossas e largas raízes, profunda

e firmemente agarradas ao solo.

Há quem não acredite em destino. Há quem acredite.

Se existe mesmo, o certo é que ele vem de cima, do céu,

ou – quem sabe – da copa de alguma árvore qualquer e

nos empurra vida à frente assim como minha velha

vassoura de palha empurrava as folhas que 

substituídas continuam caindo.