sábado, 25 de março de 2023

Um discurso para refletir

 

Lucia, Vanda, Enori, Helena, Francisco, Neusa, Joemir e Neivo. (Foto:AEL)


No lançamento da 24ª Feira do Livro na Câmara de Vereadores, sexta-feira, 24, inúmeros 

pronunciamentos foram realizados, entre os quais o do homenageado desta feira, Francisco 

Basso Dias (Chico) locutor da rádio Difusão. 


Entre as manifestações da Patrona da Feira, Joemir Rossett, da secretária de Cultura e 

Esportes, Carla Talgatti e da presidente da Academia Erechinense de Letras (AEL), Dra. 

Helena Confortin – todos muito 

bem elaborados com vistas ao evento a realizar-se de 22 a 29 de abril na Praça Jayme Lago, 

permito-me reproduzir na íntegra a fala do homenageado da feira, que chamou a atenção de 

todos os presentes pela conjugação de termos não tão comuns em discursos - dando 

um brilho especial ao evento. À bem da verdade todas as manifestações abordaram a feira 

com riqueza, cada qual seguindo seu próprio estilo. 

 

Francisco Basso Dias - Chico


“Distintas autoridades que compõem a mesa...

Presidente da Câmara Municipal de Vereadores, Sérgio Alves Bento;

Carla Talgatti, Secretária Municipal de Cultura;

Helena Confortin, presidente da Academia Erechinense de Letras;

Patrona da Feira do Livre/2023, Joemir Rossett...

Senhoras e senhores...

O Grande Rui Barbosa, quando retornava à sua terra e recebia uma homenagem dos seus conterrâneos disse uma frase, no início de sua alocução de agradecimento, que copiei e repercuto no início desta consideração para comigo:.....

“Depois disso, diante disso, não sei como principiar...”, ou seja, iniciar, começar... o meu agradecimento por receber carinhosamente esta homenagem que me deixa um tanto emocionado.

Minhas palavras neste momento não são apenas protocolares, na qualidade de homenageado, mas falo também como comunicador de rádio com 70 anos de carreira.

A Feira do Livro de Erechim, traz um retrato instantâneo de nossa produção editorial contemporânea.

Como se trata de livros, traz também muito mais do que isso: um convite à descoberta de nossa literatura.

Nestes tempos contemporâneos, pelo mundo afora, somos todos vítimas de uma certa prisão a imagens pré-determinadas, que prometem um resumo rápido de todo um povo e uma cultura.

Porém nem sempre essas imagens são fiéis.

Uma palavra detona logo uma imagem que pretende esgotá-la, sem perda de tempo. E a imagem do Brasil não é associada a livros. Ou seja, o Brasil não é considerado (me desculpem) um país literário – diferente de alguns de seus vizinhos. Os estereótipos que se colam aos olhares lançados sobre nós se voltam muito mais para a cultura daquilo que é imediatamente apreensível pelos sentidos - o corpo.

Mas, um corpo em que o cérebro costuma ser esquecido, como se não tivéssemos espírito, na celebração da dança, da música, do futebol, da capoeira e outros esportes, da sensualidade, das peles bronzeadas que se exibem nas praias, do carnaval, dos sabores da caipirinha.

Mas, nós brasileiros somos muito mais do que isso, no amálgama cultural e étnico que nos constitui, capaz de criar tudo isso e muito mais, a partir de um rico patrimônio indígena encontrado pelos europeus que chegaram ao nosso país, dos  diversos aportes dolorosamente  transplantados da África em porões de navios carregados de escravos, da bagagem acumulada e trazida por imigrantes europeus, asiáticos, e do oriente médio, de variadas origens – todos colaborando para moldar uma forma única de nos expressarmos, capaz de  dar uma contribuição enriquecedora para todos nós.

Então, ao agradecermos o convite para esta homenagem, vamos mergulhar nas águas desta multiplicidade, desta identidade aberta, feita de diálogos e cruzamentos culturais.   Agora, cabe apenas uma advertência: não venham procurar o exotismo e o pitoresco, nem a se dar por satisfeitos com a denúncia automática dos óbvios problemas, repetidoras de clichês.

Procurem ir além da mera confirmação de estereótipos simplificadores. A literatura que se faz no Brasil tem muito mais a lhes oferecer - em sua variedade de protótipos, sua inquietação, sua inovação formal, sua inquietação, seus variados registros de diálogo irônico com o cânone em piscadelas literárias de todo tipo, das mais refinadas e sutis às mais divertidas e escrachadas paródias, pastiches, intertextualidades.

A sociedade e a política brasileira estão sempre rondando, por perto, por baixo do que se publica entre nós. Esse substrato político na escrita é uma das nossas marcas. Em seu conjunto, nossos livros levantam indagações, reflexões, diálogos críticos com o real, hipóteses do imaginário, a partir de fatos de nosso cotidiano e de sabores por eles despertados em cada um de nós.

Trazemos autores de procedências diversas, com suas falas pessoais, visões peculiares e irrepetíveis. Uma soma. Um mosaico, talvez. Um tecido de fios entrecruzados, de desenhos imprevisíveis e surpreendentes. Quem tiver o cuidado de examinar de perto essa urdidura terá também a revelação de avessos instigantes e desafiadores, pessoais, únicos, típicos das texturas e dos textos artesanais, abandonados nas produções em série dos grandes teares industriais.

Tudo isso contribui para compor uma literatura de grande vitalidade, num processo dinâmico que se movimenta sempre, construindo possibilidades insuspeitadas pelos olhares comodistas e superficiais.

Este é um convite para que venham encontrar essa literatura plural, múltipla, diversa, em que os regionalismos eventuais se esgueiram pelas frestas de um cosmopolitismo inesperado, construído sobre a intensa riqueza de uma cultura oral vigorosa que ajuda a sustentar refinadas invenções vanguardistas, sem deixar de dialogar com ecos de uma cultura de massas dinâmica, onde técnica e improviso  ousadamente se dão as mãos. Ao pagar o preço histórico de só termos conseguido escolarizar plenamente nossas crianças nas duas últimas décadas (e ainda assim, de maneira precária, com baixa qualidade no ensino), e de termos grande parte de nossos professores oriundos de lares analfabetos, sem intimidade com livros, esbarramos também num acelerado processo de urbanização e desenvolvimento tecnológico, numa rede de comunicação de massa onipresente e criativa, de alta qualidade e de elevado padrão técnico.

Em grande parte, saltamos diretamente da cultura oral para a televisão e o mundo digital sem fazer escala na Galáxia de Gutemberg. Mas desse processo histórico injusto, a refletir as desigualdades do país, nossa cultura tira uma força única, com uma produção de grande vitalidade e diversidade, combinadas de maneira muito própria, em original contribuição que surpreende quem chega perto desarmado de preconceitos, disposto a se deixar impregnar por ela.

A nossa Feira do Livro é um retrato instantâneo deste momento.

Encerro pois estas palavras repetindo o convite a cada um para que se aproxime de nossos livros e venha garimpar tesouros nesses ricos veios, em busca de suas descobertas pessoais. Há livros para todo gosto, e seguramente cada leitor saberá encontrar o seu. Provavelmente, mais de um se revelará atraente. Para isso, basta chegar perto, procurar ler, enfrentar o desafio de ir além da superfície e não se limitar apenas aos que nela flutuam, selecionando somente os que confirmam o que já se espera achar. Garanto que boas surpresas estão à sua espera.

Sejam bem vindos.

Desculpem as autoridades que aqui estão, e agora finalizando, eu quero compartilhar esta homenagem que é muito significativa para o meu ego, com os jovens...com os estudantes....

Deixando como última mensagem o seguinte: A leitura é algo importante na vida das pessoas, e acima de tudo, para o desenvolvimento intelectual e cultural do ser humano. Ler estimula a criatividade, melhora a escrita, ajuda no funcionamento do cérebro e exercita a memória, além de outros benefícios. A leitura pode mudar o mundo. A leitura é descobrir sentidos. É a reinvenção da realidade. Uma boa leitura nos faz compreender o mundo a nossa volta através de diversas perspectivas e é por meio desse processo que se torna viável construir novos significados a partir de cada objetivo.

Obrigado!!!!”

 

Nota: (Francisco Basso Dias é, atualmente, o radialista mais veterano (87 anos) a exercitar diariamente o ofício na radiofonia do Rio Grade do Sul).