sexta-feira, 12 de abril de 2024

Uma doce homenagem do Legislativo

 

Cidadã Erechinense, Therezinha Maria Pezzin e o autor da proposição, vereador André Jucoski.
Crédito: Giulianno Oliver/Ascom Legislativo Erechim

É fácil, ou melhor, é natural se sensibilizar e se encantar com, digamos, um ipê florido como aquele entre a prefeitura e o Senac. O mesmo sucede com as folhas entre avermelhadas e amareladas dos liquidâmbares (âmbar líquido) que enfeitam as copas ou o chão, dependendo da época, a rua Bento Gonçalves nos altos da cidade da Maurício.

Não é raro notar a presença de casais, posando para fotógrafos sob as árvores, numa confirmação do mais puro reconhecimento à sua beleza em complemento aos nubentes.

É oportuno observar como essas plantas nasceram, cresceram, floresceram.  Seria tudo um presente da natureza como uma mata fechada com seu cheiro forte de chão úmido e frestas permitindo a entrada de lanças da luz?

Talvez à obra pronta, se melhorando e embelezando e à qual vamos nos acostumando e, n’alguns casos, até nos orgulhando porquanto da nossa terra é – como o caso dos ipês, dos liquidâmbares; e até de obras materiais.

Não. Não foi obra da natureza.

Oportuno se torna por vanguarda de interesse histórico, conhecimento e esclarecedor, perguntar quem foi que plantou àquilo que nos faz admirar.

A Bento Gonçalves com seus liquidâmbares.
Crédito Rodrigo Finardi

No caso o caso dos liquidâmbares da Bento, tudo partiu de um projeto público do executivo e coube à  arquiteta Rosely Hachmann, e ao também arquiteto Redenzio Zordan – a coordenação do plantio da carreira das árvores. Isso foi entre 1993 e 1996. O prefeito era Antonio Dexheimer, que teria encomendado as mudas, conforme apurei com uma fonte do meio jornalístico. Que obra! 
Ipê/mãe rosa - centro da cidade. Crédito: Rodrigo Finardi

No caso do ipê ao lado da prefeitura, até onde apurei aquele ornamento vivo remonta aos anos 1960, também numa iniciativa do poder público. A probabilidade maior é que teria sido no governo do prefeito Eduardo Pinto (1964 - 1969). Hoje, aquele ipê é tido como Ipê/Mãe porquanto já está dando “filhotes” ao seu redor graças às raízes que eclodem do chão trazendo consigo pequeninas mudas.

O que é indiscutível é o fato de em não havendo alguém que jogasse a semente ou depositasse a muda na terra – ninguém posaria sob suas flores ou folhas, pela singela razão da não existência das mesmas, pelo menos naquele lugar, naquela área, naquela cidade – no nosso caso, na nossa cidade.

Na noite de 4 de abril o vereador André Jucoski disse em seu discurso que homenageava com o título de Cidadã Erechinense, Therezinha Maria Pezzin, que ele, a esposa e um grupo de pessoas em visita pela Itália, deparou-se com uma marca de chocolates que era de Erechim. Ora – imagina o peito estufado do vereador e a surpresa dos acompanhantes – incorporando compreensível orgulho com um produto brasileiro ao alcance de suas mãos do outro lado do Atlântico.

Ninguém precisa me alertar que isso se dá, e até com algum vigor, também com outras “flores e folhas” saídas de Campo Pequeno a percorrer o mundo. O que de resto revela de uma vez por todas que o mundo não gira no entorno da nossa querida terra – mas, de sorte, que também não estamos excluídos da mesma e com crença na própria potencialidade, criatividade e um pouco de luz, florescemos prontos em outros recantos.

Depois de trabalhar na maior empresa de comunicação do estado, nos anos 1970, voltei para Erechim em 1981. Os veículos de comunicação de época, aqui, não tinham vaga para mim – mas de repente alguém de fora veio para cá e aqui colocou um jornal semanal chamado Painel. E neste fui aceito. Meu parceiro era o jornalista Marcos Aurélio Castro e cobríamos todas as editorias.

Às segundas-feiras à noite tinha meu programa de trabalho favorito: cobrir as sessões da Câmara de Vereadores. Quanto aprendi olhando e ouvindo. À bem da verdade os ensinamentos me proporcionaram um senso relativamente bem apurado para separar o joio do trigo. Uma das maiores lições me levou a distinguir a pintura que era feita da tribuna - de quadros comoventes e ideais - contrapondo à da realidade por vezes dura. O que era exequível ou apenas falas esfumaçadas em busca do poder. Mas isso já é outra coisa.

Na eleição de 1982 elegeram-se 18 homens e uma mulher para as 19 cadeiras da época. A mulher bondosa “fruta” entre os homens (numa analogia respeitosa oposta ao velho ditado – ‘bendito fruto entre as mulheres’), naquele mar de homens era a senhora Therezinha Maria Pezzin. Aliás – por ser raro -, é preciso sublinhar: sempre o mesmo partido. Sempre o PDT.

Até onde sei nunca alguém lhe faltou com o respeito, o que seria por si só uma idiotice inominável. Um tanto tímida em meio àquele cenário machista (no sentido numérico de homens), aos poucos foi aflorando a todos os nobres edis (termo usado na época para vereador), a um ou outro representante da imprensa e também a um ou outro mero espectador das sessões – que a vereadora tinha suas próprias credenciais.

A homenageada Therezinha Pezzin agradeceu da tribuna.
Crédito: Giulianno Olivar/Ascom/Legislativo Erechim
No plenário o que chamou minha atenção em contraponto ao seu gritante silêncio - era uma especial  capacidade de observação. E isso era um perigo para quem a desafiasse, porque mesmo indo pouco à tribuna, sabia tim-tim por tim-tim o que se passava. Recomendaria aos nobres pares dela, naqueles anos - "devagar por que o Santo é de barro".

Seguiram-se outros sinais virtuosos da edil: educada, simples, humilde, boa ouvinte, compreensiva afeita ao diálogo e uma mulher muito amorosa.


Orélio e Therezinha Pezzin.
Crédito: Giulianno Olivar/Ascom Legislativo Erechim 
Sua passagem pela política a levou a conquistar três mandatos legislativos. Seria mera coincidência ou foi para mostrar ao marido Orélio, que também ela, mulher – podia igualá-lo em mandatos na Câmara de Vereadores!? Teríamos aqui, guardadas as proporções, mas ficando apenas dentro da família, uma espécie de Manchester City e Real Madrid no extraordinário 3 a 3 desta semana.

Sempre apoiando causas pró-ativas para a cidade, em 1989 a 1992 ela teve a companhia de outra grande representante feminina no Legislativo local – Carlinda Poletto Farina – que retornava à vereança. Em nova reeleição – a representação feminina passou a contar entre 1993 a 1996 com Maria Elisa Zordan Franceschi, equilibrando as forças das mulheres na representação partidária: Therezinha (PDT), Carlinda (PMDB) e Maria Elisa (PDS).


Liquidâmbares da Bento. Crédito: José A. Ody
Eu não sei como os ipês e os liquidâmbares se viram para enfrentar os dias de sol escaldante, de chuvas torrenciais, de vendavais devastadores – entre raios, relâmpagos, trovões assustadores e abafamentos insuportáveis. São secas de rachar solo. São aguaceiros de lavar a terra. São geadas e até nevascas de vez quando – mas eles persistem sob todas intempéries e seguem determinados e teimosos. Aprofundam suas garras no chão através de raízes para dar sustentação aos magros troncos iniciais, como uma criança em crescimento, que depois vai se desenvolvendo e ganhando altura e musculatura. Um dia se viram com as próprias pernas, mas as atenções são quase instintivas.  

Therezinha ainda era uma esposa e mãe - com bebês; quando buscava satisfazê-los com o que sabia fazer de melhor: acalentá-los com amor de mãe e, na cozinha, mostrar dotes quem sabe herdados - preparando doces que as crianças apreciam, não - apreciam é pouco, adoram. E sejamos honestos: os adultos também. 

Aos poucos dona There, como era conhecida a doceira, começou a aumentar a quantidade que proporcionava à sua prole. Suas balinhas de café ganharam a vizinhança. O casal descobriu que já não dava mais conta de atender os pedidos, trabalhando um ou dois dias por semana. O prazer foi tornando-se ofício.

Equilibrando-se numa dupla jornada – o casal viu-se abraçado a dois grandes ramos dos seus dias. As balas e a política. A vereança do marido podia ser atendida só por ele, mas as balas exigiam cada vez mais outros braços e mãos e, como numa história com roteiro delineado, filmava dia a dia uma nova cena. Não demorou para as balas exigirem tempo integral.

Um dia os filhos cresceram e foram estudar em Porto Alegre. Mãe e pai viram-se na contingência de aumentar seus ganhos e isso obrigou-os a aumentar e qualificar cada vez mais seus produtos. Firmemente agarrados às suas convicções feitas raízes, preparavam-se para as intempéries da vida, concomitantemente. 

O tempo que não faz parada, foi aumentando a idade da Therezinha e do seu marido, dos seus filhos, como de resto de todos nós. Não obstante, as modestas instalações próximas ao prédio do IPE como era identificada a localização da fábrica de balas, já não comportava residir ali. Então um dia foi de mudança, o bastão da gestão trocou de mãos e hoje é o que todo mundo sabe.

Ipê/mãe centro de Erechim. Crédito: Rodrigo Finardi
Não descobri o ano exato do plantio dos liquidâmbares na Bento e do ipê no centro da cidade. Descobri apenas que os primeiros surgiram entre 1993 e 1996 e o segundo no final dos anos 1960 – (provavelmente). De outra sorte, na fala do vereador André, a produção de balas começou em 1956. Seriam então 68 anos de chão, terra e ar – para ver o núcleo da obra aparentemente despretensiosa da senhora Therezinha Pezzin – passar a visitar o mundo. Na realidade um pouco menos. 

Nessa caminhada da homenageada não encontramos apenas balas, política, chocolates e PDT. Conta-se aí a inserção da mulher na Polícia Militar em nossa cidade (iniciativa da vereadora), e lá atrás no tempo, nos anos 1970, sua participação ao lado de outras pessoas, na fundação do Lions Clube Erechim Cinquentenário, uma entidade voltada para fins sociais – e que se faz mais pujante a cada dia graças aos seus dedicados membros sob a atual presidência de Carlos Alberto de Almeida. Therezinha capitaneou ainda a fundação do Clube dos Coroas – entidade que deu “vida nova” a centenas de pessoas já com mais idade. Depois a transição para o Clube Caixeiral/Coroas, afora, uma intensa atividade no Clube do Comércio (CC) -, onde também figurou na presidência.

E assim seguem-se os dias e a vida.

Das raízes dos liquidâmbares à Therezinha com sua família.  

Dos ipê/mãe ao outros ipês - com suas flores encantadoras.

Da Therezinha doceira à pujança do que semeou em sua cozinha em 1956. 

Das folhas avermelhadas e amareladas aos seus encantos a atrair visitantes.

Do esforço desta mulher entre o Legislativo e o Lions, entre a aristocracia do CC e o histórico e querido Clube Caixeiral/Coroas.

Esses atores, de plantas a pessoas, de clube de serviço à feitura de balinhas de café, e destas ao que Therezinha pode saborear hoje do alto, quando voa para descansar em Balneário, não caíram do céu, não se fizeram pela vontade de Deus apenas ou pelas mãos humanas. No entanto – estão aí e tudo tem na certidão de nascimento o município de Erechim e na carteira de identidade, a certeza que se é permitido a todos sonhar, só aos persistentes a esperança ganha forma de concretude. Como dizia o visionário Jaci José De Lazzari, “só depende de nós”. Eu diria - nem sempre e nem para todos, mas sem um "obstinado nós", pode ser impossível mesmo.

Autoridades na cerimônia com a homenageada.
Crédito: Giulianno Olivar/Ascom/Legislativo Erechim

Parabéns ao vereador André Jucoski, aos edis pela aprovação e concessão do título de Cidadã Erechinense à senhora Therezinha Maria Pezzin. A despeito dessa titulação, na vida da tranquila Therezinha, aparentemente, quase nada muda. Porém, na consciência do Legislativo aí há mudança, pois foi mais um episódio assertivo de reconhecimento e gratidão.

Vira-se a página.

Assim também é na vida de árvores ornamentais que exibem suas qualidades e recebem seus reconhecimentos, mas sempre, como a Therezinha dos anos 1950/60/70/80/90... – sempre firmemente agarrados à terra e às próprias convicções. E quanto mais isto se der com doçura – maiores serão as chances de tudo dar certo.


PS - Minha homenagem a esta mulher/política que sempre me respeitou profissionalmente - reconhecendo-se como uma pessoa pública enquanto vereadora -, e à quem me acostumei a ouvir: "olha... guri..." ou "Meu amigo Ody...!"