segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

O jeito Helena de ser

 

Helena Confortin - Presidente da Academia Erechinense de Letras. Foto: Arquivo

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Quando a Professora Doutora Helena Confortin se prepara para passar a presidência da Academia Erechinense de Letras (AEL) à sua sucessora, Zeni Bearzi (aclamada no dia 10 de dezembro em Assembleia Geral), em fevereiro/março de 2025; sinto-me motivado para falar um pouco sobre a professora Helena. E o faço por uma razão especial: para mim, é necessário.

É hora de colocar alguns pontos nos “is”.

Quem reside em Erechim e no Alto Uruguai já ouviu falar da professora Helena. Ela ministrou na área de Letras da URI Câmpus de Erechim por muitos anos. Participou da formação de centenas de profissionais. 

Helena Confortin - Diretora Acadêmica
Foto: Livro da própria Helena

Foi Diretora Acadêmica do Câmpus de 1991 a 2002, Coordenadora do Centro de Pós-Graduação e, depois, Pró-Reitora de Ensino na gestão 2002 a 2006. Tudo na URI.

Quando o assunto é pesquisa na área de Letras, ela aparece na URI, na UFSM e na PUC/Campinas/SP. Foi Patrona da Feira do Livro de Erechim em 2005. À seu modo esteve em todas as feiras com seu empenho. Em 2002 ela assumiu a pró-reitoria da URI. E lá estava eu na condição de assessor de comunicação da Reitoria, diante da, da, da... Dela!

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Tinha ouvido falar muito sobre o estilo dela. Ouvi sobre dedicação e competência. Ouvi sobre seriedade, cobrança e alguma teimosia, em defesa das suas convicções. Ouvi sobre ‘não é fácil trabalhar com ela...’. Mas – nem tudo, geralmente, é como ‘dizem que é’. Mas – pode contar: “Quando a Helena diz que vai fazer determinada coisa, ela vai fazer”. E se você estiver nos planos dela contar contigo; te prepare, tu vai participar.

A Helena era, e é; obcecada por fazer alguma coisa. E com pressa. E com precisão. Pelo todo. Pela perfeição - se possível. Especialmente se estiver do jeito como ela pensa que deveria estar. E mais: ligeiro. Não tem nada de ficar enrolando. Um dia ainda quero ver o dicionário dela. Sim porque acredito que nele não vou encontrar  os termos “mais ou menos”.

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Depois de quatro anos trabalhando como colega na Reitoria, posso assegurar que é assim mesmo. Na convivência diária, tirei minhas conclusões sobre a Helena. Estranha achar que que é teimosa e não sabe valorizar o outro. Pensando bem digo que essa conclusão contém no mínimo meia mentira: ela é assim, de fato, em parte (dando aqui uma de analista de caráter). 

Sim porque a outra metade dela, e é preciso levar isso seriamente em consideração, ela é assim só para quem coloca a carroça à frente dos bois. Só para quem baseado em falatórios logo ergue uma barreira entre si e ela. Só para quem não é afeito a seguir normas. Só para quem ‘vive cansado’. Aí a Helena cobra e não tem escapatória. A Helena é assim, por vezes meio ranzinza – o que é um exagero meu - mas “só para quem tem baixa imunidade contra o vírus da pouca vontade, da má vontade, da... preguiça. Da preguiça desde o pensar ao fazer”. E os preguiçosos me perdoem porque não quero seu perdão porquanto não o peço.

Aí a Helena vem com a vacina “FoF.FaC.SC!/2000e.S” ou seja: (Faça-me o Favor. Faça alguma Coisa. Santo Cristo!/2000e.Sempre). E olha – garanto – quem precisou se vacinar diz que não doi e dá resultado. Bota, personagem que criei nos anos 1990, um erechinense que só foi até o 4º livro, mas se mete em tudo quanto é assunto, especialmente onde não é convidado, me garante: “Odyyy – de Deus! Ouvi dizê né, que essa va-ci-vaaaaciii-na da profe dizque salvou até quem tava já pegando no sono – o eterno né. Teve quem dizque, disque né, eu não vi né – mas até ressuscitô pro trabaio. Parece que a vvvv-aaa-cinnn-nna da profe Helena, quando ela injeta numa cabeça – o caaa-aaa-ra acorda e faiz coisa que nem sabia que era capaiz de - ffff-ffffa-zzz-zzzzê!. Me alembrô aaa-aaquel-llle dii-ii-tado: ‘Ô vaaaai ô racha – as tampa da caxa’ da Barata do teu pai Alberto que ele tinha lãããã por 1957/58... E quase ssss-sseemm-prr-eeee ia, né!”.
Isso mesmo Bota, mas agora se manda antes que eu chame a Helena e ela logo te arruma alguma coisa pra fazer.

A Helena chega admirar, olhando para o tempo de vida, os cargos assumidos, as responsabilidades abraçadas. Ela não se entrega e quanto à teimosia que falam, acho que muito vai pelas suas origens italianas, assim como sua vocação ‘determinativa’, credo – desculpe. 'Dado dell’aquilone', ou aportuguesando, ‘porca pipa’!

E sei o que digo: no início da minha vida jornalística tive dois chefes que me anteciparam e ensinaram a conviver com o ‘O jeito Helena de ser’. Um na rádio Guaíba. Outro na Central do Interior da Caldas Júnior. Ambos – não desconheciam e nem conhecem porque ainda estão na ativa, os termos ‘impossível’, ‘não dá’, ‘não posso’, ‘cansado’, ‘não tenho certeza’, ‘agora não’, ‘mais ou menos’, ‘depois eu faço’, ‘atrasado’, ‘amanhã entrego’, ‘quem sabe’, ‘preciso de mais tempo’, ‘vou pensar’... até por que éramos funcionários e pagos para pensar, descobrir, buscar, confirmar com outra fonte, escrever, não errar e, terminado – começar tudo de novo sobre outro assunto. Mas claro, não comparo a Helena descrita até aqui - com os assuntos da Academia Erechinense de Letras (pode alguém estar pensando nisso), até por que ainda não cheguei lá.  

Helena Confortin. Foto: Zeni Bearzi
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Pois nos quatro anos de Reitoria vi na Pró-reitora Helena Confortin, uma pessoa diferente daquela como alguns jogavam ao vento. Depois dos ouvidos cheios, conheci uma pessoa simples, respeitosa, tranquila e afável. Agora – sempre determinada como só ela e quem sabe mais um ou outro que encontramos pela vida. Prestativa, cumpridora de horários e tarefas, diferentemente de... (cala essa boca Ody!) uma pessoa com suas ideias e ideais sim, mas acessível a mudanças, leal e honrada – diferentemente de, do... (pelo amor de Deus – cala eeeesssaa boca Odyyy!). Enfim - encontrei pela vida oponentes ao estilo Helena.

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Quando encaminhou para fechamento da sua extraordinária obra (chamo de extraordinária porque as 670 páginas num formato 22,5 cm por 29,5 cm onde se encontra “A interiorização do Ensino Superior do Norte do Rio Grande do Sul – O caso Fapes/Cese – FuRI/URI”, concluí que a obra ainda carece de um reconhecimento formal muito maior.

Livro sobre Ensino Superior. Foto/Ody
Sim, porque no meu entendimento, é a mais completa sobre o Ensino Superior de Erechim e região, porquanto ele vai da raiz ao tronco, dos galhos às folhas e flores, revisitando as sementes, os cuidados, as dificuldades, os desafios, as superações, os caroços e os frutos – principalmente no que diz respeito à vida intramuros do Câmpus da URI Erechim . E por óbvio, pisa no registro textual e fotográfico, com bom pé quanto à concepção da Universidade Regional Integrada e seu modelo regional, multicampi e comunitário.

Diria mais. O “livrão” da Helena, que teve ainda o bolsista, Guilherme Mossini Mendel, baseia-se em pesquisa, promove a extensão do pesquisado, e ensina palpiteiros  pouco informados e formados sobre de onde, de fato, veio o Ensino Superior nesta cidade (e regiões). 

Ele retrata como ele foi se desenvolvendo por conta da idade, com seus feitos, e, por fim, recupera e expõe os desafios como por exemplo, pensar, projetar, interagir e viver uma nova vida enquanto instituição de nome único e três endereços iniciais. 
Se o velho Ody fosse me cobrar ao seu estilo meio hilário e desbocado diria – “má Ody – tu não tá falando do mistério da Santíssima Trindade, né!” - sim porque costurar todos os fios largados dessa história entre municípios, regiões, pessoas, interesses e egos -foi simplesmente um feito irrepetível.

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De volta ao livro da Helena: na minha visão, e não chamo de humilde nem de orgulhosa porquanto é a minha opinião com a qual ninguém precisa concordar, ele aborda “o maior e mais decisivo acontecimento para o desenvolvimento sustentável das regiões Alto Uruguai, Médio Alto Uruguai e Missões do século passado (com seus reflexos estendendo-se tempo afora...).


Cleo Joaquim Ortigara, Mara Regina Rösler e Glenio Renan Cabral
Foto: Livro sobre o Ensino Superior
Refiro-me é claro, ao capítulo FuRI/URI, uma obra de muitas mãos e cabeças sintetizadas, resumidas ou representadas nas figuras de Cleo Joaquim Ortigara (Fesau/Frederico Westphalen), Mara Regina Rösler (Fundames/Santo Ângelo) e Glenio Renan Cabral (Fapes/Erechim) que formaram o ‘Grupo Tarefa’ que daria à luz no dia 19 de maio de 1992 – à Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e Missões. Este grupo foi responsável pela elaboração de documentos e coordenação das atividades para criação e reconhecimento da URI.

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Mas, voltando, a Helena tem obras em livros e artigos, destacando participação nos três volumes que assinalam os “150 anos da imigração italiana no Rio Grande do Sul”. Entre os 200 autores – a Helena recupera, com primorosos detalhes,  “O (I)migrante italiano no Alto Uruguai gaúcho: aspectos históricos”. Em 1991 lançou “Faina linguística: estudo de comunidades bilingues italiano-português do Alto Uruguai Gaúcho”. E, já na AEL “Histórico das Feiras do Livro de Erechim”, e participação no “Mosaico” escrito em parceria com membros da Academia Erechinense de Letras. Observo ainda – a Helena coralista, logo - interativa -; o que desmonta qualquer maldade sobre alguém que deseja concentrar sobre si todas as atenções. 

Quando o assunto é “histronismo”, a bem da verdade, penso que todos nos enquadramos um pouco. Quem não defende suas convicções ou razões ou ideias? Se todos lavam as mãos – sobre esta característica, eu me assumo em parte como tal. Credo – por onde estou enveredando nesta “palestra escrita?”. Hora de puxar o freio e mudar de direção.

Deixem-me, ou melhor, peço a mim mesmo retomar meu estilo mais informal de escrita, porque do jeito que esse texto vem avançando está ficando meio chato e bem longo – porém, reitero verdadeiro. A chatice não é culpa da professora Helena – mas minha.

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Quando ainda andava pelo saudoso jornal “Boa Vista” que ajudei a fundar – não estava mais quando do seu falecimento -, pois naqueles anos vinha sendo muito cobrado pela amiga pessoal de décadas, de quando ainda Alba Albarello residia com seus pais ao lado da cerca de madeira que dividia o estádio do CER Atlântico e o terreno onde em 1964 seria inaugurado o Colégio Mantovani. Ela me cobrava dia sim, outro também – abordar a obra de seu pai que teria deixado registros e escritos importantes sobre a cidade.

Nunca tive tempo (e talvez carecesse de um interesse verdadeiro) de atender o pleito da querida Alba, até que um dia ela me intimou com a delicadeza que caracterizava o estilo Alba.  “Ody – já que tu não quer mesmo escrever sobre o pai, vou te pedir e esperar numa sessão do Café Cultural. Eu te aviso quando tem. É depois do viaduto. Num daqueles barzinhos” -  ou ‘pubs’ made em Campo Pequeno – diria eu. E uma noite fui. A Alba me recebeu sorridente “ahhh até que enfim tu veio né. Ô guri difícil! Pessoal, eu tenho uma história sobre o Adelar...!”. “Não Alba, pelo amor de Deus – não”. E ela então sim trocava o sorriso por um riso largo. E.... “olha que eu conto, ahahahah”. Era um tempo onde ainda não tinham mudado o  ahahahahah para kkkkkkkkk.

Havia jovens, pessoas de mais idade. Entre um café e outro ouvi alguém cantando, outro tocando, de repente alguém declamando. E a conversa girava sobre livros, autores, artistas, compositores, jornais, cinema, intérpretes, pinturas, poesias, crônicas, artistas plásticos, bandas... Enfim – arte. Na rolagem do tempo retornei mais uma ou duas vezes, e aí já ouvia falar na criação de uma instituição de cultura – algo que desse um tom mais formal àquelas reuniões. Talvez nem para substituí-las, mas era sobre algo mais, como disse, formal.

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A essa altura Helena e Alba já andavam de mãos dadas pensando nesse mais alto. Um dia soube do nascimento da Academia Erechinense de Letras (AEL). Era 26 de novembro de 2014.


Helena e Lucia - presidiram a AEL
nestes seus dez anos.
Foto Elsa/Divulgaçao

Eu imagino que a ideia original do que viria a ser a Academia Erechinense de Letras tem suas sementes naqueles encontros organizados pela Alba. Mas, conhecendo a Helena que conheci, penso que partiu dela o “mãos à obra”, a concretização na prática da implantação da Academia Erechinense de Letras – ao lado de outros membros igualmente importantes. E, claro, sempre e sempre – a Alba com seus sonhos. Diria – que ficaria mais razoável se dividisse em Alba & Helena o que nos leva ao berço da AEL. 

Seria então um - “A” de Alba. 

“E” de Helena – puxa – mas “essa Elena é com “H”. Pô - mas pronúncia sonora, não obstante  contempla ambas, Helena e Elena Pronuncie. Tente! 

E... será que o “L” seria de Lucia (Elcemina Lucia Balvedi Pagliosa?) 

Então vai daí que temos AEL. Meu Pai – chega. Me perdi.

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Um dia fui convidado pela Helena para ingressar na Academia. Fiquei surpreso porque, que livro tinha escrito e não encontrei nada. Mas observando as pegadas que deixei na imprensa (42 anos até 2016), sem constrangimento, aceitei. E me senti honrado. Assumi ao lado do dr. Paulo Dias Fernandes, da Dra. Karina Denincol e de Nesio Alves Corrêa, o ‘eterno’ Gildinho dos Monarcas.

O fato é que dentro da Academia logo me deparei com uma Helena ainda mais ativa. Todos os registros legais da entidade pertencem a ela e sua ação. Alguém dirá – mas claro, ela era a presidente! Sim, era e é – mas isso exigia muito empenho. Por isso até onde sei, os feitos legais, os registros nas instâncias culturais, o “precisamos fazer isso e aquilo”, tem mãe. E a mãe tem nome: Helena. E tem sobrenome: Confortin. Se mais alguém alguma coisa fez neste recorte da ainda precoce AEL, e tem é claro - conforte-se porque está feito. Quem fez sabe e sinta-se aqui também contemplado.

Mas o principal, nesse quesito de correria a cartórios, etc., para legalizar a entidade cabe à “mãe’. Àquela exigente. Ela foi atrás e fez. Beleza. Mas acalmemo-nos todos: não é isso que está fazendo o dólar perder o controle e nem é o que vai baixar seu valor frente ao saudoso Real. É apenas – fato. Um fato. O fato. E... pronto! Sejamos humildes em reconhecê-lo quanto à sua autoria muito principal. Eu, francamente, não daria para isso. Mas falo de mim. Apenas. Uma vez, adolescente, passei num concurso bancário. Trabalhei três dias e pedi demissão.  Exigiram a devolução até dos custos da viagem para Porto Alegre quando do concurso. Detesto a mesma paisagem. Carimbo. E, principalmente, contar o que meu não é.

Pois é. Pouco afeita à conversa fiada a presidente foi caminhando, e foi correndo, foi imaginando e fazendo e hoje, a Academia aos dez anos, é uma entidade que tem os seus documentos em dia. Fosse uma pessoa, até Donald Trump e suas ameaças sobre imigrantes, receberia a AEL nos EUA.

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À AEL  lhe falta uma casa para morar. Sob este aspecto, ainda meio que lembramos a Alba lá no bar ou “pub” com o Café Cultural quando ela me intimou. Às vezes sou otimista: “o prefeito Paulo Polis e a rua coberta que anunciou vai acabar encontrando uma ‘casa’ para a Academia”. O prefeito sabe dessa necessidade da Academia. 

Às vezes penso na Alba e sua ousadia e pareço ouvi-la: “Polis, prefeito Paulo Alfredo, a Academia de Letras não pode mais ficar sem uma casa própria. Por enquanto - me socorrendo do Padre Vieira que mora aqui no céu e de vez em quando nos cruzamos, pois, por enquanto os "Pó em Pé" da AEL estão se reunindo numa sala da URI. Paulo Alfredo - pensa nos seus tempos de Caixa. Uma casa pra Academia. Prefeito, não temos nem onde colocar nossos preciosos móveis, os livros, um pedaço da história do seu município, uma casa... e... e... vamos adiante!”. 

Essa Alba – mas de resto é algo que a presidente Helena e a AEL como instituição cultural vem pedindo também. Um dia – um dia isso vai acontecer. Se eu pudesse, daria. Sou histrônico. Gosto de aparecer. Queria ficar na história. Mas – sou um pelado. E... por que não uma empresa para cunhar sua marca na história cultural da cidade! Doar uma casa para a AEL – não deve quebrar nenhum grande, mas enfim. De novo! – me perdi.

Membros da Academia Erechinense de Letras. Foto: Arquivo AEL

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Sob a presidência de Helena Confortin nas gestões (2015/2017, 2017/2019 e 2023/2025) e ainda de Elcemina Lucia Balvedi Pagliosa nas gestões (2019/2021 e 2021/2023 - ), a verdade é que a AEL ganha cada vez mais responsabilidades, principalmente quando da realização anual das Feiras do Livro de Erechim e das próprias Frinapes. 

De outra sorte, a entidade tem se aproximado do Poder Executivo através da Secretaria de Cultura, quer sugerindo nomes para Patrono e homenageado especial de cada feira, auxiliando de forma direta as feiras ou na organização de eventos culturais dentro das feiras.

E também esta parceria sempre tem contado com a mão firme, a determinação e o trabalho incansável da Helena. A propósito, coube a presidente com sua “teimosia boa” neste caso – alcançar junto ao poder público municipal a conquista da Praça Jayme Lago como local para as Feiras do Livro. No período do evento a praça, até troca de nome e ganha a denominação de “Praça do Livro”.

Sobre a promoção de eventos culturais além feiras, um que vai se afirmando na cidade como um espaço  aberto ao público é o Café com Leitura. Este, pode-se aceitá-lo como um filho de duas mães: Zeni Bearzi, em primeiro plano e Helena Confortin. Sua concepção é o que mais se aproxima ao Café Cultural da Alba. 


Natal do Café com Leitura no Sesc. Foto: Arquivo/Divulgação

Olha só o Sesc, o João Caruso com seus alunos. A URI com o Coral sob o Tailor Molossi. A Marielise Ferreira com seu curso de Escrita Criativa e a coordenação do e-book. Dos textos de escritores que ainda não estão na AEL. E o que dizer da leitura de um deles durante a Frinape, pelo nosso Luiz Ademir - dando vida e asas ao texto do Chinazzo! Simplesmente novo e emocionante.

Está destinado a se consolidar como uma atração de sucesso - por sua porta aberta a todas as idades interessadas em promover, difundir e consumir cultura. Observe-se ainda a participação ativa do Sesc, decisiva diria. Gratidão, Sandra Mariga Bordini e sua fantástica equipe de colaboradores, sempre disponíveis a surpreender quem comparece aos Café com Leitura, todos os meses. Mas sublinho: aqui, a mão, o correr atrás, a determinação a ação, enfim, também tem mãe e tem nome: Zeni Bearzi. A mesma que assume a Academia em fevereiro/março. Mas - a presidente Helena logo acertaria o passo nessa marcha do Café, figurando na linha de frente deste evento que não tem dia para acabar. 

Helena Confortin e a
"Comenda Boa Vista do Erechim"
Foto: Arquivo Pessoal
Enfim, dito tudo isso a respeito 
dessa figura da educação e das letras erechinenses, e do canto coral 
por que não; observo que 
a Professora Doutora Helena Confortin, merece uma homenagem 
bem mais representativa que 
este texto que faço em sua homenagem. 

Mas aí – a iniciativa, a avaliação 
e uma decisão fogem às minhas mãos. 
Sei que já recebeu 
a “Comenda Boa Vista do Erechim Centenário”, em 2019 – mas, reconhecimentos futuros, 
por simples e singelas razões de justiça, cairiam bem a esta mulher intrigante 
por sua obsessão de fazer o que ainda não está feito, e pelo 
conjunto da sua obra que parece nunca encontrar seu fim. 
Enfim, seria como colocar os pontos nos “is” 
- quando eles são absolutamente indispensáveis.

Helena e Zeni. Foto: Arquivo/Divulgação

E de forma simples, um feliz Natal à Helena, à Zeni e todos os membros da Academia Erechinense de de Letras. A primeira de saída da presidência, a segunda preparando-se para assumir na gestão 2025/2027 ao lado da vice-aclamada, Maria Luíza Servelin. E se quiserem me presentear , aceito: deem-me o seu perdão por este texto tão longo. 

Hummmm - estou com a pulga atrás da orelha. Será que esse meu 'textão' não se confunde com o 'O jeito Helena de ser!?'. Quem a conhece melhor do que eu, pode avaliar. Perdão. Mas foi de coração. Bem do jeito como ela faz também, quando vem com suas ideias, projetos, sugestões e até 'ordens'!. Tudo assim pela cultura. Mas de coração. Oh, oh,oh, oh!



terça-feira, 17 de dezembro de 2024

 

Elisa Ody - Foto Arquivo


 Hoje, 17 de dezembro é o aniversário da Elisa, minha filha. Que ela seja o que sempre tem sido – e a saúde não lhe falte. Mas vou me permitir recordar alguns 17 de dezembro na minha vida.

 

Corria 1967 e era sábado.

Dia 16 para 17 de dezembro.

À noite no C.E.R. Atlântico haveria a formatura do Ginásio do Mantovani – 1º grau, ensino fundamental hoje.

Eu já tinha lustrado meu Vulcabrás e o terninho dormia sobre a cama, a gravatinha, chic, com cabeça de boi metalizada esperava.

 

Tudo seria normal não fosse um singelo detalhe: eu ainda não sabia se tinha passado na “segunda época” de Matemática.

 

Não dava mais para suportar a ansiedade.

Atravessei a rua e fui até o Mantovani. “A professora ainda não entregou as notas”, disse-me uma servente.

O dia da formatura e só a servente e eu no colégio.

 

Não me contive mais e então saí correndo como Forrest Gamp até a casa da professora.

A Geni morava lá perto da Incasel.

Naqueles anos a Incasel (na rua do Querência) ficava do Mantovani como daqui a Getúlio Vargas. Era lããã... fora. Hoje parece tudo mais perto.

 

Corri como só um guri de 14 anos corre, ou corria, quando precisa ver uma nota, a última nota, a nota da vida, a nota da segunda época.

 

- Nãããoo... a Geni não tá... ela foi lá no colégio levar a nota d’um aluno que ficô em segunda época, disse-me, acho que foi seu pai que me falou. “O, o, o ....  senhor não sa-sa-sabe se o a-a-aaluuuuuuno passou?”, perguntei.

-       Ahhhhhhh... não sei meu filho... isso é só ela!’.

 

Minha Nossa Senhora de Fátima... então ela já sabia se eu tinha passado ou rodado, se eu me formaria... sabia se a minha vida acabaria ali mesmo, naquele sábado... rodado!?

 

Foi então que corri como nunca mesmo.

Incasel, Sete de Setembro, HC, mato da comissão, fiz a curva do portão do Mantovani num pé só e lá estava: na porta de vidro havia um papel... eu via de longe... sim, havia um papel branco e com um nome... fui indo, indo, indo e... lá estava: José Adelar Ody (aprovado). Salvo – eu estava salvo para a vida outra vez!

 

À noite, com o terninho me batendo nas canelas e a melena encaracolada cheirando à glostora, entrei no salão do CER Atlântico ladeado por duas colegas, rainhas, e nós três por dois membros da Banda Marcial.

Quieto, recebi meu canudo de papel – e o que me ficou foi também esta lembrança.

 

Fato raro, raríssimo – único -, porém, estava por me acontecer quatro anos depois, na minha formatura do CPOR (Centro de Preparação para Oficiais da Reserva) em Porto Alegre. Era dezembro. 17 de 1971.

 

A chuva transferiu a solenidade do Parque da Redenção para o salão de atos da UFRGS.

De madrugada já chovia como naquele ano nada parecido tinha havido. A formatura era às 9 horas no centro da cidade, e eu estava lá perto do campo do Grêmio. Na divisa da Azenha com o Menino Deus. Longe – muito longe da Reitoria da UFRGS.

 

Às 7 comecei a tentar um táxi. Pressenti que ia dar no que deu. Éramos eu, a madrinha de formatura, sua irmã e a dona da pensão e uma parente dela.

Não aparecia um táxi vazio.

 

Pegar ônibus nem pensar porque tinha de caminhar várias quadras, e como? – se não parava de chover e a mulherada de vestido longo e coisa e tal...!

 

Vrrrrrrrrrrr, vrrrrrrrrrrrr, todos os táxis já ocupados e eu na chuva e o tempo passando, correndo, voando. “Minha Mãe do Céu... e seu eu perder a formatura?”, me gritava o estômago e o fígado, o coração, o crânio, a alma e todas as vozes dentro de mim.

 

Não tinha celular naquele tempo, não havia telefone, ônibus só lá no fim, ou era o início da Azenha e era meio longe. Táxi? – como disse, todos, absoluta e rigorosamente todos ocupados. “Será que todo mundo tinha decidido ir de táxi naquele dia?”.

 

De repente passa por mim um automóvel de “saia larga”, tipo Ford Landau, um rabo de peixe preto. Quase me atropela e eu ali, fardado com a estrelinha de 2º tenente sobre os ombros, molhado como um cachorro guaipeca sem dono e sem casa. Um gauipeca daqueles azarados e pobres, malhado e molhado pela intempérie e má sorte.

 

O carrão preto parou uns 20 metros à frente e iniciou uma ré, e eu sinalizando para todos os táxis de Porto Alegre, ocupados.

 

O rabo de peixe preto parou do meu lado, abriram-lhe os vidros e quando vi, gelei. Quase desmaiei: ‘que estaixs a fazer aqui?’, perguntou a voz portuguesa de dentro do carrão.

 

Minha Nossa Senhora de Fátima e todas as outras Nossa Senhoras... era... era ele, era... não era sonho... era o coronel, o comandante do CPOR.

 

- Querexs perder a formatura moço! - gritou o comandante em tom de afirmação, de pergunta,  e de inquisição. E eu ali, duro de frio e de medo: “aluno 149... Ody... Infantaria do CPOR se apresentando senhor Comandante...!” falei, gaguegei, gritei, molhado agora como um pinto desenganado... como um recruta perdido.

 

- Encoxsta aí!, ordenou o comandante ao seu motorista. “Em quantox extão aluno?”, perguntou o coronel. “Sou eu... e aquelas ali... comandante”, e me virei apontando para o naco de mulheres rechonchudas, quatro mulheres de pensão, engachadas como se fossem uma só.

 

- Apanhe elasxxx e venham, disse o coronel, simplesmente o comandante do CPOR.

 

As quatro gordinhas (respeitosamente e sendo cavalheiro) correram com seus vestidos longos e saltos altos pelas poças, se acomodaram no banco de trás sei lá eu como. O comandante foi para perto do motorista, e eu, o aluno, o formando, o futuro oficial R2, o recruta, o 149, o ratão (como chamavam os alunos que tinham de fazer as refeições no quartel) fiquei na porta da frente do rabo de peixe do comandante do CPOR.  E lá fomos nós em direção ao centro de Porto Alegre, ao salão de atos da reitoria da UFRGS, sob chuva torrencial de acabar com todas as secas.

 

Eu tremia de frio e de calor. De medo e de nervosismo. Ninguém dizia nada. Ninguém piava. Eu rezava para que o comandante não me perguntasse nada, para que nem me olhasse... para que nenhuma daquelas mulheres gordinhas, gente de casa, se atrevesse a fazer o mínimo comentário.

 

E se uma delas pedisse se o comandante gostava de ver o Sílvio Santos ou a Hebe?

Ou se era do Grêmio do Inter?

Ou... se uma dela desandasse a comentar tipo “O Ody é da Infantaria – qual é a sua arma?” Ou... "ainda bem que um colega do Ody viu que ele estava aqui todo molhado”, ou – assim sem mais nem menos - “o senhor também vai se formar?” Meu pai. Meus dentes queriam morder se morder entre si. A boca ficou selada como um morto no caixão. O suor tomou conta dos pingos na testa e minhas orelhas ardiam. Parecia-me não sentir as pernas naqueles minutos - eternos. Quando insinuei me acalmar – lembrei da sogra do sujeito do carro que presenciou o acidente no início do filme “Deu a louca no mundo” que não parava de palpitar, ordenar e se tivesse de dar uma sacolada – dava.   

 

Que esquecessem que aquilo estivesse acontecendo. Que fechassem os olhos e contabilizassem tudo na pasta dos sonhos, dos equívocos, do impossível aquela fatia de realidade. Não. Aquilo não podia estar acontecendo.

 

Nunca vi uma reitoria, um salão de atos tão distante. Quanto mais o rabo de peixe preto andava mais longe me parecia a UFRGS. Se tivesse ido a pé chegaria antes – acreditava.

Quando íamos chegando, meu Deus do céu – o trânsito parando, monitorado por todos os policias de Porto Alegre e só passava o autão preto do coronel... comigo, a madrinha, sua irmã, a dona da pensão e a prima dela.

 

- Luvas de guardas mandavam que o rabo de peixe preto fosse passando, passando, passando; enquanto que para todos os demais... “não, não, não pode passar... não é permitido passar...”.

 

Os pingos da chuva e do suor mais nervoso que já verti me desciam por cima das calças e pelas pernas e me entravam até pelas meias. Sob o quepe de um verde oliva escurecido pela chuva e a umidade, um mar de suor me descia pelas têmporas.

A face era um vermelhão só e o carrão do comandante deslizava por entre barreiras e sinais que mandavam que avançasse.

 

Eu fechava os olhos e não queria nem que me vissem. 

Os joelhos me faltavam, os músculos das pernas queriam pular fora, eu tinha os braços,

 eu via, mas não os sentia. Por Deus aquilo não aconteceu!

 

O autão preto do comandante do CPOR mergulhou sob a marquise

 que dá direto para o saguão de entrada da reitoria da UFRGS.

 

Ali só entrava a diretoria, como diria o Mano!

Um batalhão de repórteres aguardava o comandante do CPOR.

 Eram gravadores, fotógrafos e TV. Todos queriam documentar a chegada do comandante. 

Guardas perfilados esperavam-no para apresentar armas.

Quando o carrão negro, o rabo de peixe finalmente parou, 

o batalhão da imprensa se concentrou na porta dele. 

“Ó pessoal... aí vem o senhor comandante do CPOR”. 

E então abre-se a porta e desço eu... isso mesmo... eu, molhado,

inundado de chuva, suor e de um nervosismo que até hoje me faz tremer 

sempre que me lembro do infausto.

 

Abri a porta de trás do Landau preto, tirei as quatro as mulheres, 

queridas amigas da pensão, que não entendiam o que se passava, e sumi. 

Consta que nunca mais fui visto nas imediações.

 

Era 17 de dezembro de 1971.

Onze anos depois, também num 17 de dezembro, nascia Elisa, 

minha filha, que hoje está de aniversário, a quem  reforço meu eterno amor.

E hoje, com chuva ou sem chuva, que dê tudo certo com ela... 

e comigo. Ela tenha um ótimo dia rodeada por sua família ed amigos  que a amam.

 

O Internacional estava diante do Barcelona.

O melhor jogador do time, capitão e símbolo dos colorados

 – Fernandão se lesiona e precisa sair.

Entra Adriano – o “Gabiru”.

Era uma troca quase que ficcional.

Gabiru faz o gol.

O inter vence o todo poderoso.

O Inter é campeão mundial de clubes.

E também era um 17 de dezembro.

 

Hoje é dia de São Lázaro, aquele que tinha por irmãs Marta e Maria de Bethânia, 

aquele que Jesus ressuscitou. Santo protetor dos enfermos, 

desamparados e animais doentes.

Lázaro também nasceu num 17 de dezembro.

Em 1936, nasceu o papa Francisco.

Era 17 de dezembro.

Em 1989 Fernando Collor vence Lula no 2º turno das eleições.

Era 17 de dezembro.

Sobre este último, perdi.

Mas 35 anos depois, observando o panorama,

ainda bem àquele resultado.

Esses 17 de dezembro com suas surpresas alegres, 

emotivas, apavorantes 

ou simplesmernte amorosas.