sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Galô, Galô! - Galô, Galô!

 

Escudo do C.E.R. Atlântico
Foto: Arquivo

Lembro que nas férias de verão em Sede Dourado nos anos 1960 na casa do meu avô Mathias Ody, lá nos cafundós da Linha Poço Grande em Sede Dourado, todas as madrugadas um galo cantava.

E mais ao longe ouvia-se logo em seguida, um desfile de cantorias com outros galos anunciando que estava na hora de levantar para tirar leite das vacas.

Meu avô já havia então rezado um terço. Minha avó já estava com as chaleiras e panelas sobre o fogão à lenha esperando a chapa arder. Preparava tudo para o café, reforçado e, depois, roça. 

Durante o dia, no pátio flagrava de repente, um galo véio dando em cima de uma galinha, espantando o grupinho das fêmeas. Ele não pedia. Apenas se calçava nas esporas e suas enormes asas escondidas se abriam e atropelava. E o desgraçado não desistia. Ia atrás onde ela se enfiasse até pular em cima da coitada.

Na casa onde morava com meus pais não tínhamos o hábito de ir à Missa do Galo na São Pedro, afinal, nossa hora de dormir era às 8 da noite.

Mas nos tempos do padre Rigoni, quando a igreja de madeira preta ficava espremida entre os fundos da igreja atual e o salão de festas – dizem que dava quórum de casa cheia para a tal missa à meia noite de 24 para 25 de dezembro.

Nós começamos a assisti-la pela televisão quando o afamado aparelho que, inacreditável; mostrava num vidro (a tela), imagens em preto e branco. Mas como isso. Que milagre é esse! E ainda imagens e som que vinham além mar e, do Papa? Cristo! Aonde vamos parar com essas modernidades!? 

Comecei a matutar: será que a costureira, a esposa do Ivo Zamprogna, a dona (como nos referíamos a ela Natália - obrigado Lúcia), não pode ver por aquele aparelho (televisão) o que acontece no fundo do lote dela? O terreno de frente para a Amintas Maciel era de uns 50 metros e fazia fundos com a nossa casa que era e é na Jerônimo Teixeira. Por um bom tempo fiquei sem tirar laranjas e peras daquele fundo de lote porque temia ser flagrado pela costureira no seu aparelho. Sim - por que se vinha imagem até do Papa ou do futebol de Porto Alegre, não seria de se imaginar que poderia vir de mais perto? Um dia me garantiram que não. Então subi de novo no galinheiro de casa onde um galo impaciente me assistia - e voltei a estender o cabo de vassoura com uma latinha até o pé de pera, um puxãozinho e peguei! 

A tradição segundo a Igreja Católica reza que o nascimento de Jesus Cristo foi anunciado pelo canto de um galo à meia noite. Por conta disso o galo se tornou um símbolo de acordar, e de um novo tempo, ou de uma Nova Igreja Católica.

em casa na minha infância a verdade é que aos domingos o galo - pobre galo com sua carne saborosa estava na nossa mesa. Ele que tivera o pescoço torcido no sábado pelo meu pai, completava o risoto com arroz e colorau. Massa e maionese - ou seria salada de batatas. E não é tudo a mesma coisa!?

Conta-se que o galo canta para marcar território. Para lembrar fêmeas, concorrentes e humanos que está chegando a hora de acordar. É um despertador de carne, osso, penas, crina e esporas. E canta principalmente, mas essencialmente - para se impor anunciando que aquele espaço tem dono. É dele.

A certidão mais antiga de um galo encontrei na Índia 3.200 a.C. Na China por volta de 1.500  a.C. Depois foi visto pelo Egito, em Creta até chegar à Europa.

Na Última Ceia Jesus largou uma bomba para perplexidade dos Doze.

Mirando Pedro anunciou: “Em verdade te digo que esta noite, antes que o galo cante, me negarás três vezes!”. Todas as mãos se afastaram das cambucas.

Pedro revoltou-se . Reagiu retrucando que nunca, de jeito nenhum, jamais faria isso. (Mais tarde, diante de Cristo ressuscitado, e muito ter chorado e se arrependido, Pedro seria perdoado).

Naquela época a lei judaica proibia a criação de galos e galinhas em Jerusalém por questões religiosas e higiênicas - pelo que apurei. Os romanos que dominavam a região dividiam a noite em quatro vigílias: A primeira do pôr do sol às 9 horas, a segunda das 9 à meia noite. A terceira da meia noite às três da madrugada e a quarta das três até o amanhecer.

Cada uma tinha um nome. A primeira era Entardecer, a segunda Meia Noite, a terceira Canto do Galo e a quarta, Amanhecer. A cada troca da guarda romana uma trombeta soava. Naquela madrugada Jesus já estava preso, Pedro já O negara duas vezes. No terceiro"eu não conheço Este Homem" - a trombeta soou. Era a troca da guarda para a Terceira Vigília. Seria a trombeta o canto do Galo!?   

Devia ter uns 5 anos quando meu pai Alberto, fanático atlantista me levou à Baixada Rubra. E lá – ouvia um ou outro “vamo, vamo Galo!”.  Com o tempo descobriria que este era o mascote do Atlântico. O grito de guerra do meu time. Galo, galo, galo.

Erechim era menos que uma vila quando em 1910 começou a receber italianos vindos das Colônias Velhas. Cinco anos depois, esses mesmos italianos, fundaram a Societá Italiana di Mutuo Soccorso XX di Setembre - a semente que produziria o Atlântico. Mutuo Soccorso - o nome diz tudo.  Três anos depois a vila já não era mais vila e nascia o município.  

Quando já era Boa Vista do Erechim entre 1922 e 1938, dos 70 mil habitantes do município, 40 mil eram italianos segundo Fernando Hervé Calliari que está no seu livro "C.E.R. Atlântico – Uma história de conquistas".

Em 1928 resolveram construir uma sede para encontros, jantares, bailes, jogos de baralho, marcar jogos de bocha, etc. Anunciaram a inauguração para janeiro de 1929. Depois passaram para abril. Acabou que em 3 de junho a sede abriu as portas.

Ainda me apoiando no belo livro do Fernando a Sede Social ficava onde está hoje a atual, só que em 1929 o lugar era bem mais alto - e do alto de uma coxilha resplandecia o prédio de madeira. Destacava-se em Boa Vista do Erechim, mas não só por isso.

Sede da Societá Italiana do Mutuo Soccorso XX di Setembre inaugurada
em 9 de junho de 1929.
Nesta foto a sede aparece já ampliada.
Foto: Arquivo/Atlântico 

O prédio de madeira tinha no seu alto uma torre, uma espécie de campanário, com três lâmpadas de 600 velas. Era um verdadeiro farol para quem vinha de longe no meio das picadas ou estradas estreitas. No convite ao Intendente Municipal, Atilano Machado, para a inauguração da sede, era solicitada a ligação elétrica  e, como italianos da gema, isenção da taxa de luz. Em troca as luzes permaneceriam acesas a noite toda como uma referência, um guia a quem vinha de fora, sim porque naquela época era um desafio e a localização da sede, em terreno alto e com luzes acesas. iluminava o caminho para forasteiros com suas dúvidas em meio à escuridão e ao desconhecido até Boa Vista do Erechim. 

Imagem de um galo de alumínio ou lata. Um semelhante 
estaria na torre no alto da primeira Sede Social
da Soccietá Italiana de Mutuo Soccorso 
XX di Setembre

Segundo apurei ainda havia também além das lâmpadas, um galo – um galo de lata, alumínio ou ferro fino igual a inúmeros outros que vimos proliferar por prédios e residências durante décadas. Serviam para indicar a direção dos ventos e até sua velocidade. Também provocavam um barulho ao embalo do vento o que sempre indicava uma posição, dava um sinal.

Em 2 de maio de 1940 quando da fusão do Atlântico Foot Ball Club com a Sociedade Recreativa e Beneficente Atlântico a entidade assumiu o nome pela qual é conhecida até hoje: Clube Esportivo e Recreativo Atlântico, o C.E.R. Atlântico. A propósito já não era sem tempo, considerando as mudanças de nomes que a Velha Soccietá ou o próprio Atlântico como sempre o conhecemos – teve. Mas uma coisa nunca mudou: o mascote? Sempre um Galo. O velho Galo de respeito.

 
Galo, símbolo da França e seleção fracesa.
Foto: Internet/Divulgação
O símbolo de Galo pode ser encontrado há tempos em entidades, clubes, produtos e até países. A França é um exemplo. Reis o escolheram por sua coragem e bravura. Durante a Revolução tornou-se símbolo do Povo e do Estado. O Galo da França origina-se dos “Gaulleses como eram chamados dos habitantes da região (Gállia) onde hoje é a França”. Os franceses até abriram mão do galo durante um período, mas quando ingleses e alemães passaram a usar o galo de forma pejorativa contra os rivais – a ave voltou a ser admitida pela França como forma de “comprar briga", estar pronto para a briga.

O Tottenham Hotspur também tem como símbolo um galo sobre uma bola. Hotspur era o apelido de um nobre inglês, um capitão que liderou tropas em conflitos contra a Escócia e rebeliões contra o rei Henrique IV. Virou personagem na peça Henry IV - de William Shakespeare. Hotspur na verdade era o apelido de Henry Percy, o nobre e capitão. Apreciava rinhas de galo e nos campos de batalha usava esporas em suas botas.

Escudo Tottenham Hotspur e o Galo
Foto: Internet/Divulgação

O clube fundado por um grupo de adolescentes adotou o nome de Hotspur Football Club, em homenagem ao líder, capitão, nobre e guerreiro. Tottenham foi acrescentado para não ser confundido com outro clube londrino com nome similar. Mas o que isso tem a ver com o Atlântico? Primeiro - ambos partiram de colocar em sua história as digitais de bravura. Segundo, o Tottenham foi fundado por um grupo de adolescentes londrinos que falava nessa possibilidade (criar um time de futebol), debatendo o assunto sempre sob a luz de poste . O Atlântico Foot Ball Club foi fruto de rapazes que se reuniam sob a sombra de um plátano e, terceiro, porque os dois têm como símbolos um galo – que remete ao destemor, à busca pela vitória sem jamais se entregar. À bravura. O marcar território do aqui quem manda sou eu.

No final do ano passado voltei ao ginásio de Esportes do Atlântico - o “Caldeirão do Galo”, como o saudoso repórter Osvaldo Afonso Chitollina batizou o local. Era uma partida importante contra o São Bernardo pela Liga Nacional. Surpreendentemente o Atlântico não se achou em quadra, foi dispersivo e desarrumado. Parecia atordoado. Sem foco. Acabou eliminado. Foi tudo menos o Atlântico.  

Lembrei-me então dos galos que, sem opção, tiveram o pescoço torcido pelo meu pai.  Uns poucos que me conhecem associaram o fato da eliminação na Liga a mim porquanto teria levado o azar comigo para o Caldeirão. Sou inocente. Este ano voltarei e provarei que a sorte ou azar não estão comigo.

Nove vez fora não obstante, o que mais me chamou a atenção foi o grito uníssono de “Galô, Galô!”, “Galô, Galô!” – com tonalidade mais forte no “o”, por isso circunflexado aqui. No ginásio inteiro. 

Era a prova incontestável que eu queria ver e ouvir: italianos, intendentes, jovens, atletas, atlantistas históricos ou de hoje, mulheres, torcedores, sede de madeira ou alvenaria, dirigentes, futebol de campo ou futsal, todos passarão – mas o Galo continuará cantando tempo afora marcando seu território na história deste clube.

Em 16 de agosto de 1981 no Colosso da Lagoa, o Atlântico fez seu último Atlanga fora de seus domínios. Ambos os times eram formados por amadores, mas a rivalidade estava reposta. Mais que o empate de 0 a 0, o que marcou aquele domingo foi a entrada em campo do time verde rubro. Sua fanática torcida ocupou as gerais com uma charanga, foguetes, bandeiras enquanto dois galos eram arremessados por cima do alambrado para dentro do gramado. 

Numa madrugada dessas a próstata me acordou, de novo, e conduziu-me até o vaso sanitário. Em pé diante do vaso e nada. Nada e nada – mas a vontade era real. Depois de uns longos minutos saíram umas gotas. Para reforçar o volume da bexiga fui até a cozinha e tomei um copo d’agua. Eram 4h45min quando na vizinhança, um galo que ainda não vi, cantou. Talvez imitasse a minha Hiperplasia Prostática Benigna anunciando que “aqui quem manda sou eu!”.

Refletindo sobre essas questões me pergunto: “por que na atual sede verde rubra, que tem no seu cume, luminárias até bem potentes - não se vê torre nem galo!?. Não seria interessante reabilitar a antiga e tradicional torre ou campanário colocando dentro as luminárias? E em cima - um belo exemplar de Galo de metal? No meu entender, constituiria, no mínimo, um reconhecimento à própria história e à arquitetura do prédio original que os mais antigos e membros do clube instituíram.  A sede não ficaria ainda mais ‘empoleirada’ na cidade – anunciando poder e autoridade!? Uma tradição com sua história que se iniciou há 110 anos estaria, outra vez inteira, no lugar mais alto da sede social do C.E.R. Atlântico".

Sede do clube - hoje. Reformada. Não tem torre nem galo.
Apresenta holofotes no alto
Foto: J. A. Ody 

E cá para nós como são bonitos os escudos nas camisetas do Tottenham e da seleção francesa. São galos charmosos, discretos, mas de grande significado. Sim porque eles atraem observação e atenção - impõem respeito, representam a própria história e até intimidam quem lhes ousa fitar os olhos. Como quem olha para o Galo da Torcida Camisa 6 no Caldeirão.

Bandeira da Torcida Camisa 6 no Caldeirão do Galo.
Foto: J. A. Ody

Galô, Galô!

Galô, Galô!


Nota: Dedicado à Família Atlantina, na pessoa de seu presidente Julio Cezar Brondani e a Cezar Augusto Caldart, ex-presidente e apaixonado por história. O Galo destaca-se no cenário nacional pelo futsal e veio ao mundo da bola há exatos 88 anos. Era um fevereiro igual ao de hoje de 1937. A sede da Soccietá Italiana di Mutuo Soccorso XX di Setembre, com suas lâmpadas e um galo (pelo que me garantem) ocupa a mesma área há 95 anos no centro da cidade. 

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

O privilégio de chegar nesta fase da vida assim

Alessandra Turcatel
Crédito: Carlos Alberto Almeida
Sonhei que alguém me pediu como é fazer 50 anos de idade. 

Não. Mentira. Foi verdade mesmo. 

E apesar do pedido inusitado para mim pelo menos, não podia negar. Agora – começar por onde, se não sei muito da minha amiga!? O fato é que estou começando. E diante do pedido, não encontrei outra resposta que não fosse “é como fazer 49, 37, 64, 56, 21, 72”. A gente alcança aquela idade e comemora. 

Sem um plano de seguir na escrita – me veio à memória “e o que aconteceu nos meus 50 anos!?”. Pensei, pensei, pensei e tentei encontrar no tempo o que me aconteceu física e mentalmente de diferente. E não consegui me situar nos meus 50. Penso hoje que foi, ou deve ter sido como quando fiz 49, 48, 47... Me mandaram parabéns. Em tempos de internet - dezenas ou centenas. Quem ao se olhar no espelho pela manhã se acha diferente? Eu – me vejo sempre igual. Hoje igual a ontem, igual a anteontem e igual à semana passada, ao mês passado, à virada do ano. Igual ao fevereiro do ano passado. Espelho – maldito. Mentiroso. Sempre o mesmo José Adelar - aparentemente.

Se não lembro dos meus 50 – dos 60 sim. 

Estava num hotel em Piratuba/SC e durante o jantar anunciaram o meu nome. Me chamaram à frente e me deram um “bolo de papelão”. Tiraram uma fotografia. Nossa. Que emoção! O salão cheio de desconhecidos cantou parabéns e foi isso. Já um amigo meu nos 60 dele foi com a esposa dormir em Paris. Coitado. Sim porque provavelmente não teve um parabéns a você cantado. Muitos outros passaram e passam seus 50 no Velho Mundo. Ou seja – pega teus 49 e o que tem no bolso, na cabeça ou na vontade e que venham o 50.

Mas “como é fazer 50 anos” - traz um presente. Não, um presente é pouco. Muito pouco. Sim, porque chegar aos 50 você tem a garantia de um presentão: 50 anos de vida, 50 anos de viver sua vida do jeito que queria ou do jeito que dava ou deu - cara. Se isso tem pouca importância, olha só: Marilyn Monroe viveu 36 anos. 14 anos a menos que 50. Janis Joplin ficou neste mundo 27 anos. Jimi Hendrix também 27. A propósito – faleceu no dia do meu aniversário.  Charlie Brown Jr. 42. A grande Elis Regina chegou a 36 anos e se foi. Amy Winehouse, 27. John Lennon foi assassinado por um louco aos 40. O homem mais poderoso do mundo a seu tempo, o presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, que aparentemente tudo poderia ter, ficou no caminho aos 46. Não teve o privilégio de “cinquentar”. O ídolo Ayrton Senna, outro que podia sonhar com uma vida longa e cheia de sabores – também não passou de rasos 34. Pouco né. E agora – para apavorar um pouco: A grande Witney Huston chegou aos quarenta e nove e meio. Sentiu o cheiro – mas não o gosto do pudim de leite condensado igual a um 50 de qualidade. 


Alessandra
Crédito: Carlos Alberto Almeida

Olhando só para esse nomes – todos famosos, nenhum teve a oportunidade, o presente, a graça de ser saudado por 50. E pensar, pensa só, pensa - Jesus Cristo, o homem mais influente da história da humanidade em carne, osso e pele ficou entre judeus e palestinos - 33 anos. Para qualquer um ganhar 17 anos de lambuja em cima de 33 é ou não é uma mega; mais, bem mais, muito mais que uma mega sena. Isto se fosse possível continuar neste mundo para aproveitar. Falo de mim não de Jesus. De nós. Mas o certo é que é incerto, ou melhor, impossível. Quando a hora chega – não há recarga. Não – fica com a mega e me dá o tempo.

Na verdade a quem me pede que escreva sobre esse tema tão difícil, complexo, tão particular-pessoal digo o óbvio além do que dito já foi: ganhamos um ano e mudanças vêm sim, assim como vieram depois dos 41, dos 37, dos 48 e, virão depois dos 50. Mas isso não vem no dia seguinte, três semanas depois ou até mesmo um ou dois anos mais tarde só por que é uma data cheia e simbolicamente - de mexer com a mente. E não adianta consultar o espelho como se uma cigana, dos meus tempos, fosse. O espelho já sabemos, é inconfiável. Ele nos mostra todos os dias - o mesmo rosto de alguém que adora ser enrolado.

As alterações corpóreas, por exemplo, vão se instalando em cada um sem que a gente perceba de pronto e, o principal, sem pedir licença. Elas simplesmente vão acontecendo. Você não tem mais a força, a disposição e a energia que um dia já teve. E não precisa alcançar a meia noite dos 50 anos. À bem da verdade elas já vêm vindo, quietinhas e vão se instalando desde sempre, quero dizer, desde seu primeiro choro ou balançar num bercinho. "A mão que balança o berço" - meu pai!

Vamos inverter o calendário. 

Até os 50, ou bem antes, certamente você já passou por todos os níveis da escola, você já experimentou todas as alterações que maturam em seu corpo, você traçou planos, sonhou conquistas, experimentou perdas, decepções, viveu alegrias, teve sensações emotivas tristes e alegres, casou, teve filhos, descasou ou nada disso. Sentiu forte atração por alguém, despertou forte atração em outros, viajou, trabalhou, definiu uma profissão, invejou alguém ou alguma coisa, despertou o mesmo sentimento em outros. Fosse a idade de 50 anos uma espécie de nota de corte -, pode-se ter a certeza que a despeito de tudo que de bom (?) virá depois dos 50, até ali, mais ou menos, se foi e em disparada a melhor parte da sua vida. Pode ser duro ter de ouvir – mas assim é que, pelo menos assim é que eu vejo. As dores físicas, por exemplo, ainda estão na reta oposta e não dobraram a esquina da vida onde parece que o asfalto acaba e, estrada de chão, é o que resta. Calma. Sim, vai sacudir a caçamba. Mas para não perder o rodado - desacelera. No entanto ainda terás combustível. Há casos, não são poucos - e quem me pediu sabe que na vida de alguns cinquentões -, não falta lenha para atiçar o fogo. 

Eu sei que haverá discordância, mas não se faz aqui nenhum juízo de valor a quem teve ou tem, ou leva uma vida tranquila, boa e feliz durante a segunda metade mirando os 100. Mas salvo exceções de de um sofrer antes dos 50, minha querida amiga que me deu essa incumbência tão difícil e tão polêmica, vá numa manhã ao ambulatório do HC, da Unimed ou particulares, ou na UPA e constate com seus próprios olhos quem ocupa as cadeiras. Perambule pelos corredores dos hospitais ou visite Casas de Acolhimento ou até de amigos, parentes ou conhecidos e verás que na sua imensa maioria, as debilidades físicas e cerebrais instalam-se, como disse, sem licença e por conta do tempo – nos mais idosos, algumas boas quadras depois dos 50.

A maioria dos que olham e enxergam um horizonte cheio de coisas para fazer, experimentar, gozar, conquistar, viver – situa-se na primeira metade da nossa aqui hipotética média de corte em idade estimada nos 50 anos. Mas não se decepcione. Pensa nos nomes que citei e nas idades que alcançaram. Ajoelhe-se e curve a cabeça.

O assunto está longe da minha modesta e limitada capacidade para uma abalizada avaliação – mas atendendo a um pedido seu, querida amiga, me desafiei a entrar nessa piscina cheia de tubarões. Não esquenta com os teus 50. Agradeça a cada um dos 49 Papais Noeis, a cada um dos seus 49 aniversários, a cada um dos 49 carnavais, a tudo que consideras muito bom nestes anos e, por que não, agradeça até mesmo às decepções, ilusões ou equívocos vividos e cometidos. Certamente deles tiraste lições para melhor preparada, fazer-se de menina, moça à mulher - e, assim, mais confiante, defrontares novos desafios e oportunidades.  

Ademais, quanto à segunda metade do centenário, não te precipite, até porque não mudará nada. A natureza é soberana. Siga com a sabedoria dos que não se deixam confundir no baralho onde estão as cartas da idade, da saúde, da estética, dos sonhos e dificuldades de aceitação àquilo que não se pode parar. Viva cada dia não como se ele fosse o último, mas mais um dia, um imenso dia para novas atividades, mais sorrisos e mais alegrias junto a quem te faz bem e feliz.

 colocando os pés e a cabeça nos seus 50 com suas arapucas, devaneios, conquistas e alegrias, eu que já vou longe no comparativo temporal, embora não me lembre de nada especial deles quando na minha vida aconteceram. Tenho muita saudade deste recorte, mas me alegro quando alguém que estimo e admiro – aos 50 anos ingressa com todas as saúdes, estima elevada e cheia de vida.

Alessandra
Crédito: Carlos Alberto Almeida

Minha querida amiga Alessandra.

Que os teus 50 anos sirvam de inspiração para que mantenhas o rumo da coragem, do alto astral, do carinho e do sorriso meigo que emprestas com tua presença aos teus amigos. Estes, não por protocolo, mas por gravidade de bem querência – lhe são agradecidos por com eles dividir momentos inesquecíveis, porquanto autênticos e graciosos.

Respeitando o grande Padre Antônio Vieira que disse em um de seus sermões:“os mortos são pó deitado e os vivos pó em pé”, que a tua vida de pele e osso, ou pó, também jamais desconsidere uma relação intangível – que é a relação em uma crença espiritual seja ela da ordem que for. Falo em fé no que deve justificar esta nossa incrível existência temporal. 

Dizem que a vida é um sopro.

Que o teu seja longo, enquanto a qualidade dele puder levar uma flor do campo, ou um ramo de trigo com suas espiguetas a céu aberto, a se reclinarem até o retorno à posição original. Já a vida aos 72, aos 29, aos 100 ou aos 50 anos, como este 10 de fevereiro de 2025 marca o teu tempo, seria um hino se pudesse  ser vivida como se trigo ou flor à céu aberto fosse. E não - é!? O sopro, bem o sopro, não se sabe por onde anda nem o dia nem a hora de quando virá. Que te permita muitos anos, e dentro de cada um deles, a alegria e o amor deem o tom.

Feliz aniversário minha querida amiga 

Alessandra.
 

Nota: Alessandra e Carlos Alberto Almeida, o Caio (meu querido amigo) mantém um relacionamento há bom tempo. Cumprimento a ambos. Que sigam felizes.