Banda Marcial do Colégio Mantovani Crédito: Banda Marcial |
I
Eu sempre considerei os agostos, setembros e ainda os outubros os meses mais bonitos do ano.
Sim – porque são a aurora da primavera/verão.
E, claro, a certeza que o inverno fica irremediavelmente para trás.
II
Me desperta, agora, no entanto, uma lembrança que só percebi ontem quando estive de passagem pelo inesquecível ‘JB’.
Uma mocinha
já, vestindo a rigor o inapagável traje da Banda Escocesa, me arremessou aos
agostos de 1964 a 1969 quando fazia o ginásio e depois o 2º grau lá no
Mantovani.
Aqueles
agostos tinham dias de intenso calor.
Era o calor
dentro do inverno.
III
Como havia ânimo nas turmas onde as gurias não paravam de ajeitar as diademas, enquanto a piazada alisava os cabelos molhando a palma das mãos na pia dos banheiros!
Nos espelhos
lambuzados e manchados, se miravam.
Espremiam espinhas
e faziam um último traquejo antes de sair.
Fica melhor
assim - ou assim? - era a pergunta que não queria calar e impedia a saída do
banheiro.
Sim – havia um
ânimo rejuvenescido naquelas carinhas porque simplesmente depois dos recreios
daquelas semanas de fim de agosto, que eram como a margem do 7 de
setembro, alguém da direção haveria de
bater à porta, depois do recreio, assim que o Gino ou o Barp, a Geni ou o
Rabello, o João Komosinski ou o Zambonatto, o Generalli ou o Elídio... ou o
Adroaldo, estivessem no meio da chamada.
V
O assistente bateria à porta e passaria a ordem: - Professor... bom dia. É para os alunos se dirigirem ao pátio. O senhor pode liberá-los.
Minha Santa Mãe do Céu!
E antes que alguém no fundo se adiantasse com um ‘... é pra levar os livros?’ – o próprio auxiliar (o seu Dalla Costa ou o querido ‘Cebolinha’!) emendava: - É para deixar os livros na sala e pegar depois.
VI
Nossa Senhora de Fátima, era bom demais.
Dois períodos sem
aula!
Quase duas
horas – das dez e pouco até o meio dia sem catetos ou hipotenusas; orações
subordinadas substantivas completivas nominais e agentes da passiva.
VII
Era uma graça de Deus.
Um presente.
Uma dádiva.
Uma benção que
vinha de quem tomava aquela sábia decisão de interromper as aulas e mandar todo
mundo para fora das quatro paredes enfeitadas de cartazes mal acabados, e
tortamente pendurados, onde o papel laminado verde e amarelo se contorcia e já
vergava.
VIII
Para o pátio; marchar.
O Brasil tinha
futuro.
Nós – éramos o
futuro da Nação!
IX
Aquelas manhãs de agosto quando nos postavam sempre atrás de um mais alto, e todos, atrás de um bumbo da Banda Marcial, as manhãs de fim de agosto permitiam que se passeasse pelas ruas das redondezas do Mantovani, afundando o calçamento com o Vulcabrás: um, dois/um, dois; esquerdo, direito/esquerdo, direito. – Olha a cobertura! Não vira essa cabeça pro lado...! Acerta esse passo José Adelar – não sabe nem marchar – ôôô... mocorongo! Levanta essa cabeça ô...ô... um/dois; esquerdo/direito; um, dois...
X
Muito mais do que ‘matar’ dois períodos com enchimento de caderno (a gente sempre vê as aulas assim quando se é aluno), muito mais mesmo, era poder varar a brisa com a cara cheia de espinhas e torcer para que a guria, aquela da coluna à esquerda, ali da frente, disfarçasse com um ajeitar de diadema, e volvesse a cabeça e nos desse de presente, seu olhar mais pontudo, mais certeiro, mais atiçado, mais desafiador, mais estonteante, mais apelativo, desconcertante e convidativo e, mais cegueiro até do que os raios do sol da manhã de quase primavera/verão. Olhar que flechava, furava, cravava, doía – mas como era oportuno e cabido, disputado e lembrado. Ai – que saudade!
XI
Um/dois; um/dois; esquerdo, direito...!
Que se marchasse
até depois do meio dia... por mim... com ela lá na frente que se suspendesse
todos os almoços e se entrasse tarde adentro: parrrmmmm – pá/pá – paparrmmmmm –
pá/pá...!
E ela lá – e a
gente cá!
Parrmmmmmm –
pa/pá – paparrrrrmmmmmmm – p/pá!
XII
Entre um e outro esquerdo/direito, a dona de casa, já meia gorda e desajeitada, vestida de igual toda a semana, mal penteada, prisioneira da rotina, cuia à mão, deixava os panos de lustrar e se debruçava na janela da casinha de madeira recém pintada para ver a banda com o seu séquito juvenil - que fazia treinar para o 7 de setembro.
XIII
Quais seriam as saudades daquela mulher de olhar perdido por entre nós?!
XIV
O ar quente subia do calçamento que nem vapor e o suor brotava sob os cabelos, vinha pelas têmporas e descia pelas costas, bundas... pelas canelas. Um/dois; um/dois; esquerdo/direito; esquerdo/direito... pammm/papa/pamm! Um/dois; um/dois...
XV
O tarol, o bumbo, o prato, a caixa, o sol, ah o sol das onze e quarenta e um, os clarins, o suor na testa manchando a vista, não eram suficientes e nem maiores que o olhar firme para ela, ela ali na frente, magrinha, de feitura aparentemente frágil, porém inquebrantável e doce, de olhos brilhantes como diamantes e que via uma das suas meias escorregar e descer pela canela a cada... um/dois; esquerdo/direito..., sua saia marinho e plissada a balançar, enquanto com uma das mãozinhas tentava arregaçar as mangas da blusa branca de tergal deixando os bracinhos finos, crispados de pelinhos negros se acariciarem pela brisa, ou então ainda, num gesto rápido para fugir aos olhos da professora, buscava firmar a diadema que teimosamente insistia ficar em desalinho, em desequilíbrio, quase a despencar contra o solo sob as solas dos sapatos de mulher.
XVI
Um/dois; esquerdo/direito; Um/dois...!
XVII
Os agostos ainda vêm e vão, mas aquelas manhãs que faziam os joelhos tremer, a mocidade vibrar... onde a educação era um caso de amor, e de amor eram os casos... Aquelas manhãs ficaram penduradas nos quadros da vida de cada um.
E, numa das paredes da minha vida – contemplo este quadro dos agostos de
ontem, toda vez que o 7 de setembro se ensaia e, em especial, o agosto nos bate
à porta da vida, das lembranças e... entra.