BV - 26 - 9 - 2014
Jovino Alves Martins e a esposa Nilsa, 7 de setembro de 2011, em frente ao Condomínio Erechim |
Dia
20 de setembro, data Farroupilha, Jovino Alves Martins, despede-se da vida
terrena aos 81 anos para, quem sabe, empunhar microfone junto ao Pai Celeste.
Deixo aqui uma breve história daquele que no meu entender foi um dos maiores
comunicadores do rádio que conheci. Contei-a quando fechava 54 anos de rádio.
Passaria mais dois. Na época – Jovino tinha 71 anos.
‘Jovino
Alves Martins, 71 anos de idade, casado, três filhos e três netos está há 54
anos no rádio. Passou 3 anos na Rádio Marcelinense, 46 anos da Erechim e
encontra-se há 5 na Difusão. É um caso de amor ao rádio, à uma profissão, à uma
causa – porque todo radialista é um enamorado do cotidiano da sua comunidade, e
das pessoas que nela vivem. Enamora-se pelo timbre de voz, pelo estilo, pela
fala com quem não vê, mas sabe que do outro lado da linha está.
Enamora-se
pelo hábito diuturno da informação, da música e do entretenimento.
O
radialista encerra em si mesmo, um pouco de cada um de nós. Todos sabem que o
seu caso com o rádio, com a comunidade, com as pessoas e com Erechim, é sim um
caso de amor onde o namoro tomou o lugar do casamento e eternizou-se.
Dona Nilsa e Jovino com Pelé em setembro de 1970 |
O
início
Jovino
Alves Martins é de família humilde. Teve infância de pura superação. Aos 17
anos viu-se no microfone da Rádio Marcelinense, por volta de 1950. Um dia,
Edgar Braggio, que trabalhava na Erechim, voltou para a beira do Uruguai e
disse que estava na hora do rapazote fazer a mala de pau e pano porque tinha
talento para uma emissora maior. – Vai pra Erechim, indicou ao jovem.
Na
Rádio Erechim, Jovino quando viu – estava.
-
Me botaram no mesmo dia na frente do microfone às 9 da manhã pra teste e me
deixaram lá... Só me substituíram às duas e meia graças a Deus. Ao lado de
Euclides Antônio Tramontini, abraçou o rádio como profissão e Erechim como a
cidade para viver.
Um
dia quiseram levá-lo para Foz do Iguaçu gerenciar uma emissora. ‘Pensei bem e
decidi não sair de Erechim. E hoje te digo: daqui só saio para a 15 de
Novembro’, avenida que no seu final tem como endereço o Cemitério Pio XII.
Pelé com os filhos de Jovino em 1970 |
O
amor
Mas
o radialista elegeu outra razão para ficar em Erechim. Três dias
depois de trabalhar na rádio, bateu de frente seu olhar com o olhar de uma moça
que fora levar alguns avisos do Fórum na emissora. ‘Cinco meses depois tinha
namorado, noivado e estava casado com a Nilsa’, a funcionária do Fórum, Nilsa
Dal Bianco Martins.
Da
união vieram os filhos Jone Edson (engenheiro mineralogista de MG e SP), Janice
Mary e Grace Mara (que faz o marketing de uma empresa alemã nas Américas do
Norte, Central e do Sul). Destes – Jovino e a esposa Nilsa orgulham-se ainda
dos netos Rafael Antônio, Everton Gustav e Jackson.
O
rádio
‘Erechim
às ordens, Porta voz dos Pampas, Assim canta o Rio Grande, Peça o que quiser para
ouvir o que pediu, Domingo alegre, Brasil de norte a sul’, são algumas das
atrações que conduziu com talento e característica incomparável. Seu ídolo no
rádio foi Heron Domingues, que eternizou o ‘Repórter Esso’.
Pessoalmente
lembro do Jovino num domingo de manhã: consegui uma entrada no auditório
Adeudato Araújo da Rádio Erechim para o afamado programa ‘Clube Infantil’. Na
condução do programa de calouros, oJovino.
Naquele
dia ganhei um pacote de erva mate das mãos do apresentador porque tinha acertado
a pergunta dele: ‘Com que o Grêmio joga hoje à tarde? Quem?? Para meu desespero
ninguém sabia a resposta – só eu -, mas eu... era gago e devia falar ou engolir
(como muitas vezes me calei por causa da gagueira...)!
‘Com
quem joga o Grêmio esta tarde – última oportunidade’, disse o apresentador e eu
abri a boca e... ‘Floriano’, hoje Novo Hamburgo, me caiu da boca. ‘Quem disse
Floriano... quem... ahhhááá´... você menino... pegue aqui o seu pacote de erva
mate (cuja marca o tempo sorveu...!). Já pensei mil vezes e um frio me corre
pela espinha até hoje: e se o Jovino tivesse me chamado no palco?! Graças a
Deus – ele só meu deu a erva e eu fiquei vivo.
O
artista
Jovino
Alves Martins, que é quando quer ser um sósia incrível de Mazzaropi – foi, e é,
muito mais do que um radialista. É um artista. Desde animador e artista de
circo, passou por parque de
diversões, e 98% da sua carreira no rádio tem como base o improviso. Quando o
veículo de comunicação mais revolucionário botou as antenas em Erechim, Jovino
Alves Martins lá estava na apresentação do primeiro programa da televisão
local: era aos domingos das 19 às 22 horas com ‘A noite é nossa’ e às
quartas-feiras, ‘O assunto é música’. Os Crazy Boys, a maior banda que a cidade
já produziu passou no programa de TV do Jovino no prédio do Condomínio Erechim.
O
exotismo
O
mais exótico radialista que a cidade jamais teve é o pai de bordões que correm
o rádio: ‘não tem nada não/e nem que tenha/cavaco também é lenha’, ‘meu
abração/pro meu bicho bom/que tá lá em casa amassando o meu colchão’, entre
centenas de tiradas de improviso e que sempre rimam até em comerciais. Aliás
, Jovino tem grande crédito nos comerciais que faz porque os veste com a fala
dos autênticos, retirando-lhes a frieza e a insensibilidade da gravação -
dando-lhes vida e atração. ‘No Jovino até o comercial é bom de ouvir porque é
diferente’, posso me dizer.
Seu
exotismo também veio à tona nos anos 60 quando da febre da corrida espacial:
ele não gostava muito que falasse disto, mas nunca proibiu que se falasse e
publicasse sobre isso. No fundo sua tese ainda será de vanguarda.
Pois
não é que o radialista chegou a mandar carta de inscrição aos EUA para uma
viagem à Lua!
Assim
foi ele construindo a sua extraordinária história de autenticidade, e de apelo
dos fãs, ao longo dos anos o que lhe garante cadeira cativa no rádio
erechinense.
Jovino em evento na frente da prefeitura de Erechim |
Regras
da vida
Por
trás do radialista, está um homem de hábitos e regras. Todos os domingos pode ser visto
na igreja dos Mórmons. Crê num Deus através do Pai, Filho e do Espírito –
Santo. Deita-se às 20h30min ou 20 para às 9 da noite e às 2h30min acorda. Isto
mesmo, às 2h30min: prepara o seu chimarrão e deixa o prédio do Condomínio onde
reside em apartamento próprio há 30 anos naquele que já foi o prédio mais alto
da cidade.
Caminha
150 metros
até a Rádio Difusão onde começa a preparar seu programa ‘Brasil de norte a sul’
que inicia quando ele mesmo abre a emissora às 5 horas da manhã. Abrir
emissoras é com ele: por dezenas de anos abriu a Rádio Erechim ao lado do grande
amigo Cláudio Casagrande, o Touro Sentado, apelido dado por Jovino. Tem um
‘banco’ com mais de 500 nomes de pessoas que acordam com seus apelos e rimas:
‘levanta que hoje é sexta-feira até que enfim/aí onde tu tá e também aqui em
Erechim/vamo levantá... quem tá te pedindo é o Jovino Alves Martim’!
Durante
o dia é de hábitos comedidos. Passa os fins de tarde na frente do prédio no
canteiro da Maurício Cardoso tomando chimarrão com a sua alma gêmea desde os 22
anos de idade quando dona Nilsa resolveu olhar nos olhos do jovem Jovino.
Inimigo do álcool e do cigarro, o radialista/artista tem o hábito de comer
bastante e bem. Todos os fins de semanas, há décadas, pode quase escolher o
convite que vai atender para jantar ou almoçar. As pessoas querem estar próximos
do seu ídolo, do vovô do rádio. Sofre com o diabetes, mas não se entrega:
‘enquanto tiver força para subir as escadarias não largo o rádio’, diz.
Profissional
amador
Na
realidade, Jovino Alves Martins, pode ser definido como um homem que tem por profissão,
radialista; mas que a exerce há 54 anos com o amor que só aqueles que mantém
uma pitada de amadorismo conseguem emprestar às suas vidas.
Ama
sua esposa com quem divide o tempo e vida quer no rádio, em casa ou em viagens
a passeio, ama o rádio, o improviso, os pássaros, a liberdade, e crê em Deus e
no trabalho como molas para levar a vida com alegria e bom astral.
Se
por um lado leu milhares de más notícias, como foi o desafio de dar em primeira
mão a morte do prefeito Jayme Luiz Lago em seu programa Porta Voz dos Pampas,
de outro, alegrou milhares de pessoas por milhares de dias em milhares de
programas com o seu jeito extrovertido, alegre e cativante de se comunicar
através do rádio.
Jovino, mais uma vez, e a neve de 1965 |
Desilusão
Um
dia, Jovino foi incitado a concorrer a um cargo. Candidatou-se a vereador em
Erechim, e então lhe apresentaram e ele conheceu o gosto amargo da ingratidão.
Em 6 de dezembro de 2004, com Luiz Dionísio Silva de Brito na presidência, a
Câmara de Vereadores escapou do fiasco de não reconhecer Jovino e deu-lhe uma
Menção Honrosa. O vovô do rádio erechinense sempre será visto com dignidade,
méritos, dons, alto astral e qualidades. Na condição de presidente da
Associação Erechinense de Profissionais de Imprensa (Aepi) pude entregar-lhe
um troféu que toda vez que ia no seu apartamento 504 do Condomínio, ele
levantava do sofá, pegava a peça e dizia como se fosse um galardão:
‘esse foi um dos únicos que ganhei e foi tu que me deu!’. Meu Deus!
Eu
acho que o ‘vovô do rádio’ merecia mais da cidade. Eu tenho certeza que a
cidade ficou ‘devendo’ a esse homem que foi um pai de família honrado, um ser
humano digno, e ao mesmo tempo um comunicador e artista nato. Jovino Alves
Martins deve estar morando agora no Céu – bairro Erechim, nº 99700000
vizinhando ao Tramontini, ao Chitollina, ao Ceni, ao Dary... 'Já mandou dizer' por e-mail aqui para o blog que no Minha Casa... Minha Vida Eterna ‘tem mais
vaga – meu caro Ódyyyy - ahahahahahahah!’.