Foto /Beto Hachamnn/Divulgação |
Eu contando assim não tem graça.
Sim porque
ninguém acredita.
E nem tenho
a pretensão de convencer.
Agora – quem
quiser continuar lendo, que leia.
Pela singela
razão que é a mais pura verdade.
2
Houve um tempo,
onde as
noticias chegavam aqui dois
– três dias
depois.
Às vezes uma
semana depois.
O que aqui
acontecia aqui - seguia por carta.
Isso mesmo –
por carta.
Para o
Correio do Povo por exemplo.
Eu vivi
isso. Não me contaram.
As fotos
sobre notícias iam por carta.
O Delcy
Maloz mandava.
3
Também não é
menos verdade,
que as
noticias da 2ª Guerra,
por exemlo,
chegam à Voz
da Serra por pela AFP e UPI,
via telex.
Só que o
jornal saía um ou dois dias depois.
4
Acho que
estou nos anos 1960 ou 1970 agora.
Tu acredita que
as pessoas passeavam na
Maurício
Cardoso – assim, de mãos dadas!
As mulheres
se enganchavam umas nas outras,
e os homens
ficava um ao lado do outro
encostados
sob as marquises.
Era uma
fumanceira só: todo mundo
fumando e...
tossindo.
E que nada –
puxavam o lenço do bolso,
às vezes já
molhado – credo!
E passavam
no nariz e vá de novo
no bolso detrás
da calça.
Tu saía da
matiné e se fosse brincar
de filme de
mocinho,
a primeira
coisa que o bandido tinha que fazer,
pra ser
identificado,
era....
botar uma
máscara.
E, se
possível com cabelo meio comprido,
desalinhado
e, claro, a barba por fazer.
Assim, assim
– com cara de meio sujo.
Não havia
gente boa de máscara.
Mascarado –
era, atenção! – cuidado.
5
No Café
Grazziottin não cabia mais ninguém.
Todo mundo
junto, como se diria um dia
no futuro - aglomerado.
Naquele
tempo não era esse o termo.
Era juntos,
unidos, conversando...
E vá cigarro
e cerveja.
E vá tosse,
nariz
escorrendo,
gente
espirrando e o garçon,
em cima,
quase
babando
– “vai mais
uma!?”.
Contava o
dinheiro passando
nota por
nota
depois de molhar
o dedo na língua,
lógico.
6
E o berro
D’Água então!
Mais lotado
que o Santuário de Fátima
em dia de
romaria.
E lá também:
uma fumaceira só.
Era de vela,
de cigarro, da churrasqueira...
Assim também
no Caixeiral –
“um em cima
do outro” querendo entrar.
Quando um
tossia ou espirrava
logo ajudavam:
“cuidado que pode
virar numa gripe”.
E o mesmo
vale para o Atlântico,
Comércio,
para o
Esperança
e Círculo
Operário.
Gente,
gente, gente e mais gente
bebendo e se
abraçando.
As mulheres
então
– era aquela
troca de afagos e beijos.
Os homens –
um mais suado que o outro,
só faltavam
também se beijar -,
principalmente
depois da meia noite,
e de uma
meia dúzia de cervejas
ou dois
litros de uísque.
Que tempos!
7
Nos
carnavais,
ao tempo dos
QGs,
era
churrasco, fandango, trago e mulher.
O único
álcool que rolava era da bebida.
Nos velhos
tempos quando a fantasia
ainda era
“chic” –
aparecer de
máscara,
tapar o
rosto,
era quase
uma ofensa.
Como
saberiam quem era aquela ou aquele!?
A não ser a
mulher com uma...
Musseline a encobrir-lhe
o rosto,
enfeitando-a
de leveza e elegância
- assim, com
um toque de sedução.
8
Aos sábados
e domingos
as igrejas
se viam pequenas pra tanta gente.
E “bom dia
pra cá”,
“até domingo
que vem” pra lá,
e tudo,
claro, depois de um caloroso abraço.
E ai dos
filhos e netos se não aparecessem
com a prole
toda para o almoço.
Quanto mais
ranhenta a gurizada
– mais o vô parecia
que gostava: ele
Se
divertida. É saúde fio, saúde!
Vem aqui.
Vamo passá um pano... guurrggrrrrr, cof, cof, sccchlépppp!
“Oh Véio, não
me pega o pano da loça
Pra enxugá o
nariz do Júnio!”,
ajuntava a
avó enquanto descascava
as batatas
para a maionese e,
de vez em
quando,
escapando uma
tossida sobre o que iria
para a mesa
ao meio dia.
9
Eu sei que
contando assim,
parece
mentira,
mas já houve
um tempo onde os jogos de
futebol tinham
público.
Verdade!
Não acredita?
O pessoal
ia, se juntava
– não,
juntava é muito velho,
se
aglomerava,
como
dir-se-ia décadas depois,
perto da
copa
e nos
banheiros como um enxame de abelhas.
E era xixi
fora do lugar,
mãos mal
lavadas ou nem isso,
e logo o
antebraço ou o dorso da mão,
enxugando os
beiços.
Copos de plástico
derramando cerveja
pelas beiradas,
e aquela
babação toda: “tu viu o que
o nosso
tanque aprontou?
Só não
entrou com bola e tudo
porque não
quis”, ahahahahah...
E no 2º
tempo vem mais
– ajuntava
um terceiro babando
e se
cuspindo todo no meio do bolinho
de
torcedores.
Sim,
torcedores de carne e osso e...
saliva.
E bota
saliva naquilo.
Que nada –
todos estavam torcendo pro
mesmo lado.
Era uma
família daquelas unidas: no suor,
nos abraços,
nos sem camisa,
no xixi no
chão, no pastel dividido,
no amendoim,
na pipoca,
no copo de
plástico com cerveja
compartilhado,
no pito, na tosse,
no acesso de
tosse de quase afogar,
uuuurrrrrggggrrrrrrfffffggggg....
na saliva, na babação, no empréstimo
de lenço...
Que anos. Que
anos!
10
Na
segunda-feira desde cedo era agitação.
Eu já saindo
cedo pro serviço e as crianças
pro colégio.
Ninguém com
papel, ninguém com lencinho
e, o quê? –
tá querendo levar álcool?
- mas tu não
larga mesmo, né!
11
Álcool gel?
– mas, mas o que é isso?
O quê?
Voltar do
mercado e passar álcool nas
sacolinhas?
Na sola do
sapatênis?
Passar
álcool nas mãos ou dar um banho
com sabão
nas mãos cada vez que vinha de fora?
Tá ficando
louco ou só caduco mesmo.
Olha,
contando a gente não acredita mesmo!
12
Todo mundo
saía de casa.
As crianças
iam brincar,
os adultos
trabalhar e tudo misturado
– enquanto
os mais idosos tinham ordem
expressa dos
filhos: “não me não fica em casa.
Vai na
vizinha ou num bar jogar cartas
– mas saia
da frente da TV.
Passa a
tarde fora de casa!
Quer acabar
entravado numa cama!?
Vamos – se
mexer.
E cuidado –
não dá bola pra ninguém.
Se aparecer
alguém com a cara tapada
– dobra a
esquina, chama a Brigada ou corre
num vizinho.
13
Numa Frinape
houve um show
com uma
banda “Cover” dos Beatles.
Parece que
eram argentinos.
Tu acredita
que não tinha nem,
nem duas mil
pessoas?
Estavam meio
apertadas – mas só duas mil?
Um fiasco! –
E olha, que banda.
Parecia os
Beatles de verdade!
Só Campo
Pequeno mesmo pra não juntar,
com boa vontade,
vá lá - de duas
a três mil
pessoas. Eu juro,
como os
Beatles!
14
Nas romarias
de Fátima teve ano
que não deu
20 mil pessoas.
Uma vergonha!
Teve desfile
de 7 de setembro
até com
menos 10 a 15 mil na avenida.
Outra
vergonha.
Quando
havia, ih, nem me lembro mais,
mas quando
havia Acampamento Farroupilha,
teve noites
com menos de 3 mil pessoas.
Imagina!
Bom mesmo
era quando o “acampamento”
saía no
seminário,
aí dava mais
de 10 mil pra fora.
Todo mundo
meio na cachaça,
lambuzado de
churrasco,
e claro,
passando
galpão por galpão
– mesmo com
febre, espirro
e “nariz escorrendo”
-,
mas tinha
que fazer porque se não
ia passar
vergonha.
E o diabo do
respeito!? -
aonde fica.
Então que se honrasse
a recepção e
se visitasse um por um,
passando todo
mundo – meio, uuurggggffff, schlép, schéééppp, atchiiimmmmm!
Eia – tosse
desgraçada.
Em casa
depois,
tinha gaúcho
que ia pra cama
de bombacha
e tudo.
Barbaridade:
acho que se tomava
chimarrão em
mais de 30 cuias!
– e um melhor que o outro.
15
É, meu
amigo.
Contando
assim a gente nem acredita
que um dia
tivemos tempos dessa rotina.
Naquele
tempo
– comemorar
um aniversário –
era coisa
para estar junto, abraçado.
Nada de
mensagenzinha e coisa e tal
– boa parte delas
até meio duvidosas
quanto à
veracidade dos desejos desejados,
mas naqueles
tempos era churrasco,
salgadinho,
torta, refri, cerveja
– e vá
abraço e abraço.
O “parabéns
a você” era cantado
com tanta
vontade que o ar saído dos pulmões,
e a saliva
que voava,
fazia o fogo
da velinha sobre o bolo - dançar.
Se o nariz
de uma ou outra criança
começasse a
escorrer
– se apanhava
um guardanapo e limpava
e... seguia
a festa.
E tudo ali
em cima da mesa: palito,
guardanapo,
resto de salgado, torta pela
metade.
Será que
esse palito não foi usado?
Azar... se
era de alguém.
Quem se
pegava sem colherinha,
Apanhava,
assim... a primeira que aparecia.
Alguém já usou?
Mas – que pergunta
mais
sem vergonha
é essa?
16
Quando um familiar,
parente
Ou só amigo
ficava doente
e internava
no hospital,
a gente ia
visitá-lo.
Era o
mínimo.
Importante
era mostrar consideração.
Entrava e
saía
– e ainda
levava alguma coisa pra
mudar um
pouco o cardápio do doente.
Ninguém
dizia nada.
Ninguém
fiscalizava nada.
Ninguém de
incomodava
e até agradeciam
pelas bananas e maçãs
que
levávamos ao hospitalizado.
Na hora da
visita então,
Havia quarto
com oito ou 10 visitantes.
Todo mundo
ao redor da cama do acamado.
Era uma
felicidade geral,
ainda mais
quando o doente dana sinais de
melhora.
Que alegria!
Ouvi dizer
que viria um tempo
em que se
você tiver alguma coisa,
e achar que
precisará ir ver logo um socorro,
que nada,
seria
rechaçado: “não apareça no hospital
porque é lá
que mora o perigo”.
Viria uma
tal de internet
- nem sei
que bicho é esse ou isso,
mas que a
gente poderia se falar...
e uns
dizendo que seria pra ir correndo
pro Pronto
Socorro
e outros que
seria pra
correndo....
fugir.
17
Tu acredita
que a gente conhecia
quem vinha
vindo lá a uns 10 ou 20 metros.
Ou até a 50!
No mercado,
Recém inaugurado;
a gente
fazia rodinha
pra falar de
futebol, de política, do prefeito,
de mulher ou
dos preços
– e quando
um tossia sobre as frutas,
queijos e
salames -,
a observação
era para se que tomasse
uma
cangibrina com mel e limão
ou então, em
último caso,
um óleo de
rícino
porque podia
virar numa pneumonia.
Que tempo.
Que tempo Santo Deus!
18
“Porto
Alegre é longe...
Tô pegando o
ônibus pra te encontrar”...
mas eu
acendia meu cigarrinho e ia.
Em Vila
Assis - fumava mais um três.
Uma balinha de
menta pra disfarçar o cheiro.
E lá se ia o
ônibus da Unesul
descendo a
serra, numa fumaceira
entremeada
com acessos de tosse
– e ninguém,
ninguém tinha medo de nada.
Chegávamos
em Porto Alegre,
com os olhos
vermelhos de sono e fumaça,
mas que nada.
Uuuggghrrrffffff, cof, cof,
schléééépppp.
Que
maravilha
– aquela
poluição inundando nossos narizes
e aquele
mundaréu de gente
todo mundo
dando a cara à tapa,
sabendo-se
de longe quem era.
19
Olha –
acredite se quiser,
mas foi um
tempo que eu acho,
que não
volta mais. Nunca mais.
A gente se
benzia na igreja com água benta
– mas já se
falava que viria um tempo
onde o benzimento
seria com álcool,
um tal de
álcool gel.
Mas - seria
bento mesmo!?
20
Já houve um
tempo onde quase
não tinha
televisão.
Então – os
cinemas eram o ponto
de encontro
e lazer.
E olha – pra
tu pegar uma poltrona vazia
no ideal ou
no Luz -,
tinha que ir
mais cedo.
Atrasado - tinha
que ir pedindo licença
pra quem já
estava sentado
e ir
passando, passando,
licença,
licença...
meio que se
babando,
se
cutucando, roçando
e quase
caindo por cima de quem
já estava
sentado,
até chegar
na poltrona que ainda
estava dando
sopa.
Se alguém
espirrava,
ninguém
pedia para o cara sair.
Só se ouvia
um chiiiuuu.
Quando a
sessão terminava,
todo mundo
se acotovelava pra sair
um antes que
o outro.
Depois se
juntavam Três Xirús
ou no Bar
Artur
e vá
torrada, cerveja e general.
Que tempos
aqueles!
21
Mas falar
assim como falo
daqueles
tempos,
é quase como
alguém contar
sobre como
viviam na Grécia
ou na Roma
antiga.
Claro que
era muito diferente.
Viver –
viviam, mas há 50, 30 ou dez anos...
Assim como
um dia,
lá pelo ano
2020
ou sabe-se
lá quando...
não será como
foi naqueles “séculos”
que ficaram
para trás,
“séculos
encurtados” que não fazem
Nem,
nem...nem dez meses.
22
Olha, sei
que posso estar exagerando,
mas contando
assim ninguém acredita.
Imagina só:
já houve um tempo
onde as
crianças e adolescentes
se reuniam
todos num mesmo lugar.
E pra quê? Pra
estudar!
Isso mesmo.
Eram
prédios, sim prédios,
de concreto
com dezenas de salas de aulas.
Iam todos no
mesmo dia,
na mesma
hora e, até faziam fila
para entrar.
Crianças e
adolescentes.
Um atrás do
outro e, até
depois, mais
tarde acabaram com as filas
porque era
“careta”... careta – mas
o que isso?
Esquece. Esquece.
E sem fila
entravam todos juntos.
Havia até uma
sineta ou campainha
que
anunciava a hora de entrar e sair.
Quem chegava
atrasado, e quase sempre
meio
sozinho, esse...
eles nem
deixavam entrar.
“Tá pensando
o quê? – por que
não veio
junto com todos os outros?
Cada sala,
pensa só,
tinha no
mínimo, no mínimo uns trinta.
Na sala dos
professores
-
professores de todas as idades e de todas
As tosses,
resfriados e... quetais.
Uns fumavam,
até que chegou um dia que
baixaram um
lei que mandava fumar
lá fora.
“Estão pensando o quê!”.
Atchhimmm.
E na hora do
recreio então?
Largavam
todos juntos
– e uns iam
pro refeitório
e o resto
correndo e suando pelo
pátio da
escola.
A gente,
contando assim hoje em dia,
ninguém
acredita – mas creia,
é a mais
pura verdade.
23
Quando me
lembro das romarias de
Caravaggio,
da Madianeira, de Fátima...
o pessoal
lotava trem e ônibus pra ir
pra
Marcelino na romaria da Salete.
Almoçavam
nesses eventos
- assim, esparramados
pelos gramados,
todo mundo
junto e,
quanto mais
junto melhor até.
E de tarde
nos jogos das argolas,
nas bochas, no
sinquilio, nas roletas e
na venda de
rifas – aquele mundaréu de gente.
E o que
dizer
- quando da
benção da saúde,
isso mesmo,
da saúde,
e aí mesmo é
que era a hora
do
ajuntamento geral.
O pessoal
que vinha do interior,
só voltava
pra casa depois da benção,
veja só,
da benção da
saúde – com todo mundo
grudado,
suado, ajuntado,
se
acotovelando mas – com saúde.
Que tempos. Que tempos!
Condomínio Erechim/1958 Foto/Reprodução A Voz da Serra |
24
Eram tempos, veja você,
onde quando
se falava em... China,
meu Pai –
nem quero pensar...
era, era,
era....
Que mapa que
nada.
Que
comunista que nada.
Era pegar o
táxi do Zanon
e se mandar lá
pros lados antigos,
muito
antigos –
do “campo da
aviação”.
Ou, se mais
antigos ainda,
lá perto de
onde sairia o prédio da Brigada.
O termo
seria um dia,
ou já estava,
incorporado
ao vocabulário gauchesco.
E era –
aquela confraternização generalizada.
Mas já
naquele tempo com álcool.
Pelo menos
os 5% da ceva.
Dois, três
dias depois
- havia
farmácia onde
a benzetacil
esgotava.
Quanto
Paulinho da Viola, Martinho da Vila
Demônios da
Garoa, Adoniran Barbosa,
Agepê... no
Bar do Alcemo nas madrugadas
que o tempo
engoliu,
deixando no
máximo um ou outro
resfriado.
Que tempos.
Que tempos!
25
Não quero
nem entrar nas discussões
sobre
vacina.
Só me lembro
que naqueles “séculos”,
naqueles
tempos dos anos
1960/70 e...
até quase os
tempo de ontem;
em dia de
vacina no Mantovani,
sempre me
dava uma dor de barriga
insuportável
só pra não ir.
Fincar uma
agulha no braço?
– que nada.
Sim, porque
nos meus tempos emburrecidos,
Eu... não
tinha nada!
Na época? - eu
fora.
Mas, no
final das tentativas,
sempre
“fracassava”.
O chinelo cantava
e lá estava eu,
com o braço
fora da manga da camisa branca,
sempre para
ser salvo de um mal futuro,
que a
“burrice” não me deixava ver nem
aceitar.
Desconfio
que se tivesse
entrado na
política naqueles tempos
- e
considerando minhas credenciais
de
conhecimento e aceitação sobre ciência,
corria sério
risco de até virar presidente de uma republiqueta.
26
Eita que
saudade do centro.
Sim – do
centro da cidade.
Nos sábados
à noite as praças estavam cheias.
Crianças
correndo, mães enganchadas nas
vizinhas, e
homens fumando um atrás do
outro.
Nos cafés
jogo de bilhar.
nos clubes
como no Atlântico,
bolão e
bocha até a madrugada.
Mondongo com
vinho às 7 da manhã,
era prato de
malandro.
Quase
ninguém tinha carro.
Carro mesmo,
“à baloque”,
só os de praça.
Aos domingos
as missas das 6 e das 8 ferviam
De fiéis.
Todo mundo
grudado.
Nas matinés
– quase sempre faltava lugar.
Todo mundo
grudado.
E à noite,
aos domingos,
aquele
“ajuntamento” – não se conhecia,
termos que
virão (ou viriam)
só lá em
2020 segundo os astros,
tais como aglomeração.
27
Em tempos de
eleição então...
Se entrava
em todas as casas.
Erguia-se
criançinhas.
Beijava-se
mulheres sem dente, o nono, a nona, a vizinha, os sobrinhos, com compadres
e, dividia-se
chimarrão feito em xícara branca
de alça
quebra.
Chupava-se
picolé feito na casa do eleitor.
E era aquele
uuughhhhrrrrrrrrr – depois de um
baforada do
nono no seu palheira. Mas que
nada. Esse é
um voto garantido, né nono.
Os pés
ardiam de tanto andar por
ruas, praças
e potreiros.
Sempre
rodeado de uma infinidade de
cabos
eleitorais.
Era sangue,
suor e lágrimas pelo voto.
Eram
churrascadas sem fim.
Noitadas
pós-comícios igualmente a perder
de vista.
Quem
acusasse alguma “doença” até era
tratado como
“traíra” n’alguns casos.
Ninguém, mas
ninguém queria saber da
falta de saúde
do outro.
O importante
era todo mundo estar unido.
Quando o
Brizola discursou num dia de semana
na esquina
democrática – mais de 15 mil
tomaram a
Maurício, a Nelson Ehlers e a Itália.
E era aquela
felicidade
- mesmo
entre cof, cof e egrrrrrfffffff,
cooofff,
bleffff, atchim, atchim, eaaaagrrrrffffff.
Ninguém
estava nem aí.
Que tempos –
minha gente. Que tempos!
28
Ir a um
médico era indicativo de,
ai que
perigo – só pode ser, ai que perigo;
só pode ser a
“penicite” (apendicite),
que sempre parecia
ameaçar querer estourar,
quando a dor
na barriga enfeiava.
Eu que o
diga!
Jogando bola
num domingo
perdido no
tempo,
lá em Sede
Dourado,
de repente
me deu uma dor no lado direito
da barriga.
Rolava de
dor.
Logo alguém
gritou: “estourou a penicite!”.
Tiverem que
me trazer direto pro Caridade.
Fizeram um
raio X e me botaram num quarto.
O médico
veio na segunda de manhã e
setenciou:
ele agüenta até amanhã.
Amanhã cedo
vamos operar.
Só me lembro
que meu pai ou minha mãe
comentaram: “Ih
– vai entrá pra faca. É penicite!”
Eu sabia.
Sempre era a maldita!
Quando me
acordei na terça à tarde
parece que tinha
“morrido” por um tempo.
No segundo
quarto da direita para a esquerda,
na parte
frontal do velho HC
com “cara”
só pra Comandante Kraemer
lá estava eu
– recém operado.
Na hora da visita
o quarto foi se enchendo de
parentes,
vizinhos e amigos.
Uns meio
resfriados,
outros tendo
acessos de tosse de quando em
vez – e a
cada piada que contavam,
salivavam
pros quatro cantos do quarto.
E eu, ali,
deitado,
com a
barriga meio aberta, meio fechada
costurada
- e uma
mesinha cheia de bananas, maçãs,
bolachas, bolo...
As
enfermeiras entravam e saíam sorridentes.
“Vai ficar
bom, logo, logo”.
Meu maior
lamento viria dois meses depois:
ainda com um
dos pontos querendo abrir;
no grande
corte que sofri na barriga
pra retirada
do apêndice
- não pude
jogar na preliminar de Ypiranga
e Inter na
Montanha.
Como eu
lamentei aquilo.
Jamais me
esqueço.
O Inter
podia ter me levado.
29
Quando o
futuro finalmente chegou,
e a
humanidade evoluiu como jamais se
sonhara
- acordo aqui,
trancado,
rodeado de bisnagas de álcool,
proibido de
ver o outro de perto.
Apartados de
tudo e de todos.
Tudo pela preservação
da vida.
Estou
confuso.
Não sei mais
se saúdo
Que tempos,
que tempos! - eram aqueles;
ou se ergo a
voz e grito
hoje, já no
futuro:
que vida,
que vida...
meu Deus!
Obs: esta tentativa de crônica, quilométrica, contrapondo hábitos temporais, não diminui em nada a dor, o lamento e a solidariedade desta coluna para com as vítimas e familiares de vítimas deste novo “mal do século”, o Covid – 19 que tanta tristeza já espalhou pelo mundo afora. E observe-se, ninguém está livre de ainda ser contaminado. Que a vacina seja maior que as pendengas ideológicas e políticas e chegue para todos. Que a ciência prevaleça. É que a gente já viveu tempos tão inesquecíveis – que quase nunca nos lembramos de agradecer. Por isso - agradeço aqui aos velhos tempos. E lembrar, que eu tentava fugir das vacinas do colégio no Mantovani. Santa ignorância. Talvez por ingênua e pura – fosse realmente santa.