Ermindo Silva. Foto: Zeni Bearzi |
Quando a Academia Erechinense de Letras (AEL) começou a reunir-se mensalmente nos fundos da Biblioteca Municipal o dono da cadeira nº 9, Ermindo Silva, quase nunca faltava. Uma noite fria e de cerração pedi como ele retornaria para casa. “Seu José - eu vou apanhar o ônibus ali na parada perto do Colégio José Bonifácio”. Puxa vida, pensei, vamos lá que lhe dou uma carona até sua casa.
Descemos a Sete de Setembro, passamos sob o viaduto de BR 153, na frente do CTG Galpão Campeiro até a baixada do Petit Vilage, quase na entrada do Progresso onde indicou sua moradia. Uma casa simples e rua de pouca iluminação na época. Mais que seus poemas, chamava-me a atenção a persistência.
Sentindo o peso dos anos,
ele foi tendo dificuldades para certos movimentos, como entrar e sair do carro
e isso foi limitando suas aparições nas reuniões.
Nascido em
1930 em Cacique Doble, chegou a Erechim em 1970. Residiu um bom tempo no
Progresso, no Pró-Morar e uns 35 anos no Petit Vilage. A
filha Clarice afirma que o pai tem publicado ao menos um livro de poesias “Além
do Horizonte”, e poemas nos jornais.
Assim que chegou a Erechim conseguiu um trabalho na prefeitura. E não foi nada fácil. Consistia em abrir valões pelas ruas da cidade e colocar tubulação para escoamento das águas e esgotos. Picareta, pá e espátulas estavam entre suas ferramentas.
Nos passeios que fizemos de carro, ele
recordava: “seu José”, dizia, “naquele tempo não tinha as máquinas e
ferramentas que tem hoje. Era tudo no braço, no muque; e a gente é que tinha
que entrar lá embaixo e ajeitar os tubos. Nem me lembro quantos anos trabalhei
nesse sistema. Um dia entrou um prefeito que me mandou embora. Decerto achou
que eu não servia mais”, lembrou resignado.
No lançamento da 23ª Feira do Livro no Centro Cultural 25 de Julho, em 2022, atrás do palco, um funcionário do município de nome Antonio, saudou o colega e amigo Ermindo. Os dois recordaram dos tempos e das lidas difíceis. Uma obra que não está à vista. Talvez agora com o que acontece em Porto Alegre e cidades satélites – este tipo de serviço ganhe olhos e a devida valorização. A propósito, naquela feira ele foi o homenageado especial, enquanto que o professor Neivo Zago foi o patrono, ambos merecidos.
O amor deste
homem pela poesia é tão grande, que depois do que me contou
em um sábado à tarde quando andamos de carro cerca 1h30min pela cidade, fiquei
pensando na justiça de ver seu nome na Academia Erechinense de Letras. Mas – avaliemos o que me
impressionou no que me contou.
Buscando por mais espaço para divulgar seus poemas, este pequeno/grande homem, já com avançada idade saía aos sábados do bairro Petit Vilage de ônibus urbano logo após o meio dia. Descia na parada da esquina da URI e dirigia-se até a estação rodoviária. Pegava um ônibus até Gaurama de onde seguia para a rádio da cidade.
A emissora tinha na época (ele não lembra o período), um programa que abria espaço para talentos amadores. E na rádio Gaurama o poeta declamava um poema ou dois. Depois voltava à rodoviária, esperava o ônibus, para chegar ao fim da tarde em Erechim. Na parada em frente ao câmpus da URI ele apanhava novo urbano, e voltava para casa.
Como era sábado, os horários dos coletivos eram mais espaçados, mas nada abatia a vontade dele para divulgar seu trabalho. Imaginem as esperas.
Hoje quando ouço reclamações sobre esperas de voos – penso no “Seu Ermindo”. Hoje quando ouço justificativas por não poder estar em reuniões, penso no “Seu Ermindo”. Hoje quando ouço sobre dificuldades para chegar a determinado lugar, penso no “Seu Ermindo”. Hoje quando ouço sobre falta de tempo – penso no “Seu Ermindo”. Até quando eu não posso ir a algum evento, penso no "Seu Ermindo".
Um dia, segundo ele contou, a rádio Gaurama parou com esse tipo de programa. Pois não é que ele descobriu então algo semelhante na rádio Salete de Marcelino Ramos, também aos sábados!
E então suas “viagens” mais que dobraram de tempo. Sempre a mesma rotina – tudo para declamar e divulgar dois poemas, às vezes um.
Ermindo Silva Foto: José Ody |