Atendendo pedido de um amigo escrevo mais uma coluna, depois de cinco - a derradeira, sobre o Frentista da Administração. A historinha se passa em 1972 no Centro de Ensino Superior de Erechim (Cese). Era a primeira aula de Metodologia Científica. Girônimo Zanandréa, então padre, era o professor.
Pois, eu trabalhava no posto de combustíveis Atlantic, do senhor Abílio Machry. Fiz vestibular por insistência dos colegas e amigos do posto, e passei. Tinha então 19 anos. E não é que professor Girônimo mandou, na primeira aula, que um por um se apresentasse!
E assim foi que entre proprietários, empresários, gerentes e funcionários de órgãos públicos que na época desfrutavam de grande respeito no meio social, e tinham excelentes vencimentos, pois não é que no meio daquela gente, a maioria com bem mais idade, estava eu; mais novo e claro - exímio passador de ar, lavador de carro e abastecedor de carros. O que eu diria naquele hora?
Bem, o que eu diria? - eu disse na coluna de sexta-feira passada.
Vamos ver se rende mais uma.
Aquela experiência para mim foi de valia impagável.
Sim, porque ela me colocou no centro de um grupo que se não mandava na cidade – de certa forma, boa parte dele, passaria a ‘mandar’ cinco anos depois.
Tenho para mim por dedução óbvia, até por que eu era frentista – mas cego não.
Sim, foi lá naquele contexto que nasceu o político Eloi João Zanella.
Sim, foi lá naquele contexto que nasceu a Zebra (símbolo dos governos de Eloi Zanella que mudou os rumos de Erechim, levando a cidade a desenvolver seu setor industrial...).
Sim, foi lá naquele contexto que Jayme Lago bolou tudo (pai/mentor de Zanella gerente da Caixa Econômica Estadual e ser político).
Sim, foi lá naquele contexto que a Zebra se arquitetou, organizou e deu seus primeiros e decisivos passos.
Sim, foi naquele contexto que a fermentação do poder de Campo Pequeno trocou de mãos, de roupa, de cabeça, de gente, de pensamento, de linha, de idéias e de ações.
Eloi Zanella foi prefeito de 1977 a 1983.
De 1989 a 1992.
De 2001 a 2008.
Jayme Lago – de 1983 a 1988.
Só em dois mandatos, Zanella e Jayme ficaram 12 anos no poder.
No total são 24 anos.
Eram dois dos alunos daquela turma.
Foi lá naquele contexto que vi de perto a esquerda, como ela pensava, como se portava, o que almejava, o que queria para o Brasil.
Francamente, pelo que defendiam e pregavam, assim como em todas as esquerdas do mundo – me seduziu.
Tinha entre meus professores os mestres Nédio Piran e Ernesto Cassol –d esquerda é claro.
De quebra – na Matemática, João Dautartas, sempre um peemedebista.
Pois, não vou me dar ao trabalho de tentar saber onde cada um dos queridos colegas da época, anda hoje em dia, não por que não o mereça; mas por que esta já é uma tarefa muito grande e que me exigiria o tempo que neste momento não disponho.
Por isto – fixo em um ou outro, e no Linor Pedro Klien que está com a vida como o diabo gosta: sombra e água fresca. Eu sei que ele vai chiar – e já que vai – digo tudo: família encaminhada e sem problemas financeiros. Não chia Linor – relaxa e goza! Pobre Linor – volta e meia se vê no sacrifício de peregrinar Velho Mundo afora. Que sina. Que destino! – está tendo o primeiro presidente do Diretório Acadêmico do Cese!
Em tempo, observe-se, o Linor acabaria sendo mais tarde pró-reitor de Administração, cargo antes exercido por Eloi Zanella – na URI -, fruto definitivo daquele nem tão incipiente assim, alvorecer de ensino superior em Erechim.
Há outros que tenho visto volta e meia por aí e tudo mundo tranqüilo como o João Aldo Zanin, Heitor Detoni, o Juca – Jorge Augusto Muller, o Osvaldo Gorski, o Zulmiro Zucchi, o Adão Oliveira, se não me engano virou pastor – ou enfim, comanda uma igreja, o Adalberto Valentini – outro que está com o burro na sombra.
Enfim, há os que faleceram e tantos outros que nunca mais fiquei sabendo onde se meteram.
Mas, foi naquele contexto, então, que a meu juízo nasceria a Zebra, de direta é claro; candidatos em potencial, a esquerda bem delineada e até uma espécie de centro – com o João -, ou seja, havia para todos os gostos.
O professor Girônimo, então um sacerdote, acabaria tornando-se bispo coadjutor e mais tarde, bispo da diocese de Erechim e, hoje, bispo emérito.
Ficou no cargo ou no posto ou na condição de bispo – até esses dias, quando ao completar 75 anos, e obedecendo as leis que regem a igreja católica no mundo, apresentou seu pedido de renúncia.
Quer dizer – aquele meu professor que eu queria detestar pelo resto da vida por ter me colocado naquela condição, sem saber, foi de tudo.
Nesse meio tempo ainda foi reitor do Seminário de Fátima, vigário da catedral e em Aratiba, pároco da catedral, deu aulas em escolas públicas, no seminário e em 1994 assumiu a vaga de Dom João Aloísio Hoffmann. Ou seja, o professor foi bispo por 18 anos. De quebra – integrou o Conselho Universitário da URI – extensão daquele início com o Cese em 1972.
Então, naquele contexto havia futuros prefeitos, presidentes de partidos políticos, secretários, pensadores e ativistas da esquerda à direita. Um bispo e, claro, um frentista de posto de gasolina.
Foi lá naquele contexto que eu tive a certeza que a matemática, a contabilidade, as contas, enfim, não eram para mim.
Passava porque ajudavam – ou me empurravam, mas como seria depois, sozinho?
E foi pensando nesta certeza que eu via antes do tempo, a bem da administração, que decidi abandonar o curso depois de 1,5 ano. Não dava. Não daria. Não adiantaria insistir na coisa errada. No meu interior eu sabia – mas ficava quieto.
Mas, um dia, Jayme Lago, me disse o que eu não me dizia: que eu não servia para aquela coisa, que eu não tinha jeito de economista ou administrador, que o meu negócio era outro.
Depois de me alertar que daquela área eu não sabia nada, e devia manter distância, para meu bem, foi ele, Jayme Luiz Lago que observou pela vez primeira: ‘o negócio desse guri é escrever”.
E foi assim que por pedido com jeito de ordem, que o Jayme interpelou o amigo Gilson Carraro: ‘Ô Gilson, arruma um lugar pra esse guri lá no jornal. Diz pro Geder pegar ele. O negócio dele não é aqui, mas é escrever!’.
Os Carraro, para quem não sabe, detinham o jornal mais antigo da cidade - ‘A Voz da Serra’, de 1929, hoje, reanimado ainda em família como Voz.
E foi assim, que sem mais nem menos, fui parar na redação de A Voz da Serra.
Trabalhava das 23h até clarear o dia, ao lado do Geder.
E deste ganhei outro presente: ‘ô guri! Se tu quer ganhar dinheiro pega uma pastinha e vai vender (comercial). Se quer passar fome, como eu, vai bater notícia!’, e deu sua apavorante gargalhada sob o bigode de fogo.
Evidente que fome ele não passava – mas o recado era claro e, rigorosamente, verdadeiro ao menos para jornalista que nunca confundiu os princípios de base, nem as alturas dos objetivos sagrados do jornalismo tal qual foi concebido, ao menos em tese.
E sabendo exatamente as razões, para mim cristalinas, que decidi seguir o conselho do Geder e não toquei, jamais, toquei numa pastinha de vendas.
Mais tarde haveria de deixar o jornalismo e tentar outras sortes em outras empresas da cidade – mas o vaticínio do Jayme Lago parecia ferver nas minhas veias até que um dia larguei tudo e fui embora.
Fui para uma escola de jornalismo de verdade da qual até hoje me orgulho do que dizem de quem pela Famecos passou: ‘então tu também és um filho da PUC!’. Sim – sou’. Entre os professores, Ana Amélia Lemos, Aníbal Bendatti e o extraordinário Antoninho Gonzales, e tantos outros nomes consagrados do jornalismo de escola e de redação - à época vivendo seus últimos anos do que se convencionou por jornalismo ‘romântico’.
Eram anos onde ser jornalista era uma honra, porquanto uma censura, mesmo que tímida, ainda teimava em mostrar suas unhas. Mas até mesmo aquela censura a gente respeitava, porque ela não tinha medo de se mostrar ou de se assumir.
Hoje em dia não sofremos mais deste mal, ao menos quando olhamos à direita: a 'censura' tem vida própria e nem fica vermelha quando dita a pauta do que pode ou não pode. Tudo em nome de qualquer coisa - menos do bom e sagrado jornalismo. Coisas de mercado - dir-se-á mundo afora. Ouço um barulho: deve ser o Geder mexendo os ossos e sussurrando: 'jornalismo de pastinha, Ódddyyyyyy - ahahahahahahah!'.
E foi esta a história daquela história.
Para muitos – nada.
Para outros – uma coisa de poucas conseqüências, com o que não concordo.
É só olhar para os atores principais, entre os quais, destacaria além dos colegas e professores, é óbvio – do professor de Metodologia Científica, também aquele guaipeca do frentista que no meio de pessoas já influentes na cidade, descortinou seu norte e do qual me orgulho muito, porquanto desde sempre exercido com a mais independente das independências.
Hoje, aquela sala de aula é nada mais, nada menos que a
Capela Santo Agostinho.
Inaugurada em 25 de setembro de 1992 - 20 anos depois.
Que os Santos da capelinha da URI - velem pelas almas daqueles primeiros, de bispo a prefeito, de presidente de partido a empresário, de mestre e doutor - a frentista. De frentista a jornalista.