Paulo Cezar Madalozo - Crédito/Arquivo de Família |
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E aííííí bicho véio! Azzzzaaaaa, Adelar. Senta aí – vamos
dar uma olhada. Não te apavora. Coloca esse lenço de papel, deixa eu me ajeitar
aqui. Abre bem a boca. Vamos dar uma
olhada. Fica gelo meu amigo. Fica gelo. Olha aí... nem peguei nada ainda. Abre
a boca. Deixa em me ajeitar melhor – com esse banquinho mais perto, isso,
relaxa, relaxa... Ahã, ahã – Nossa! Vamos ter que mexer em pelo menos dois
dentes pra tu poder se defender melhor na mastigação. Mas o que te fizeram! Tu
me falou um dia que foi em Porto Alegre. Que coisa bicho! Mas vamos ajeitar o
que sobrou. Ainda bem que dá pra arrumar o que sobrou. Vamos dar uma olhada
aqui, aqui... ah, ahã, ahã, ahããã... É... aqui tem mais. Bueno Adelar. Agora... amanhã
ou depois tu vai ter que arrumar. Tu vai ter que dar um jeito nisso. Eu te digo. Quanto antes melhor – cara.
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Paulinho, o que tu acha... Quanto tempo...?
-
Ah meu velho... Isso aí nós vamos fazer com calma pra
ficar bem, mas acho que no mínimo de quatro a cinco vezes a gente consegue dar
uma boa melhorada. Temos que ir com calma. Vê um horário que fica bom pra você
e vamos começar. Eu sei que tu tens o jornal, tá na A Voz da Serra agora, então
somos vizinhos cara. Também tem o colégio, tem o Correio do Povo - nossa, como tu consegue atender tudo isso bicho!? Mas vê quando tu pode e me avisa sempre uns dias antes e vem. E vamos começar. No fim tudo vai dar certo.
-E..
tu
tens uma ideia de quanto vai dar?
-
Adelar, não te preocupa com isso. Vamos indo devagar e tu
vai pagando como pode. Não esquenta com isso. Isso é de menos. Primeiro vamos dar um jeito
nisso.
E
foi assim que eu comecei a ir ao dentista com boa rotina, depois de ter voltado
de Porto Alegre - tentando um milagre para os buracos que um “dentista” me fez na
boca em um sábado de manhã quando morava na capital.
Em 1991, estabelecemos uma rotina: saía da redação,
atravessava a Maurício Cardoso passando pelo Monumento ao Jornaleiro, e entrava
ao lado da Omega. Seguia pelo corredor até o final e lá estava o consultório,
onde além de um profissional de odontologia, reencontrei um amigo pra matar
saudades de muitas lembranças dos tempos de pré-adolescência. Um dos assuntos
era sobre Santa Maria, onde estudamos durante um período – porquanto ele lá se
formou em Odonto e eu, seis meses depois de entrar na Filosofia, mudei e fui
garimpar coisas do jornalismo em Porto Alegre. Mas, acabaríamos retornando para
nossa terra em tempos diferentes – ambos formados no que gostávamos. Lembro mais: em 1991 durante as sessões no consultório, discutíamos a convocação que o técnico da seleção brasileira tinha feito. O técnico? Falcão.
Sobre
aqueles tempos um episódio em particular, guardo nos
arquivos da minha memória. Nossa! Não seria redundância? Memória com arquivos! Mas,
enfim – vai assim mesmo. Importa o que importa.
Pois,
o
tal de episódio que não esqueço, aconteceu na velha e, já falecida há 43 anos,
Baixada Rubra de tantas glórias, derrotas e vitórias. Lá houve um tempo em que dezenas e dezenas de amigos se divertiam jogando bola todas as tardes.
Um
dia,
o massagista do Atlântico, que nos acostumamos de chamar por “Seu Martin” (um
uruguaio que parou no Atlântico não sei como), observando como quem procurava
alguma coisa mais para fazer, percebeu que podia começar outra coisa no Atlântico.
Nas quartas-feiras e sextas-feiras, dias em que os profissionais só treinavam
fisicamente (terças e quintas era coletivo – com bola então), pois nas quartas
e sextas, “Seu Martin” notou naquele turbilhão de gurizada jogando em um dos
quatro cantos do gramado e, principalmente, no campinho de terra que havia atrás da arquibancada dos visitantes e, junto à grande árvore das raposas, que seria possível montar um time com aqueles guris.
O campinho de terra da árvore das raposas, para quem não é daquele tempo, ficava
onde hoje é o corredor quase na entrada ao ginásio do Galo.
Logo
“Seu
Martin” teve a ideia de formar um time: o infanto-juvenil do Atlântico. E aí alguns
foram “selecionados”, outros não quiseram e começamos a treinar sob as ordens
do “técnico uruguaio”. Como já nos conhecíamos bem, o time não levou tempo e
encaixou. Seu forte era o coletivo. O craque: Zeca do Mato (morava naquela casa
branca que havia dentro do Mato da Comissão – Parque Longines Malinowski).
Na
primeira ou segunda apresentação pegamos um time da antiga Legião
e fizemos 11 a 0. E assim fomos jogando até que em um sábado, o adversário
subiu a vara: era a temível Cruzada dos Maristas. O time era afamado, mas no
futsal - na época futebol de salão. Já no campo – não era tudo aquilo, mas ainda
assim, muito bom. Entre outros, Dimorvan, Poletto & Cia. Grandes jogadores.
Todos nós sabíamos que o furo seria mais embaixo naquele dia.
Passado
o
nervosismo inicial e como o jogo estava empatado (nosso goleiro Toca pegara
antes um pênalti), começamos a jogar o que sabíamos. No fim a partida terminou
3 a 1 para nós – infanto-juvenil do Atlântico, onde fui capitão com orgulho.
Guardo
a escalação até hoje: Toca; Paulo, Facão (João Claudio Fachini),
Paulo Sonora (Paulo Sérgio da Silveira) e Zé Pirulito; eu e o Zeca do Mato
(José Conceição – craque que o Inter um dia quis levar); Sidiney, Toninho Dal
Prá (Antonio Luiz Dal Prá), Paulinho Madalozzo (Paulo Cezar Madalozzo) e Glenio
Sebben.
O
tempo foi passando e todos foram pegando seus caminhos e defrontando-se com seus desafios e destinos.
Glenio Sebben faleceu em um acidente, na noite da sua formatura. Uma tragédia
na RS 135 quando retornava de Getúlio Vargas. O Facão reside em Erechim e
chegou a ser presidente do Hospital de Caridade. Zeca do Mato aposentou-se como
funcionário público da prefeitura. Toninho Da Prá foi morar em Porto Alegre e
hoje é vice-presidente da Federação Gaúcha de Futebol. Paulo Madalozzo continuou
como dentista importante da cidade e excursionista sul-americano com sua
espetacular motocicleta. E de outros – nunca mais soube.
Pulando no tempo, de
um
ano e pouco para cá troquei a missa das 16h aos sábados na catedral, pela das 18h na
São Pedro. E ali, encontrava todos os sábados, meu dentista por um tempo e meu
centroavante. Sempre em pé, no penúltimo banco, metido em seu abrigo - lá estava ele com uma das mãos no queixo e o cotovelo apoiado na outra mão, ou; com as duas mãos cruzadas descaídas a frente no colo.
Terça-feira
desta semana, 2/6, me preparei para gravar mais um programa na TV Erechim. Era às
10h. Passei em frente da capela do HC e percebi que havia muita gente (todos de
máscara) até mesmo fora da capela. Fiquei pensando: “puxa vida, quem teria
falecido – para tanta gente?” - ainda mais considerando esses tempos onde quase tudo está proibido, menos morrer.
Quando
cheguei
na TV comentei, foi quando o Heitor Donida me surpreendeu: o Paulo Madalozzo.
Desabei. Pior: o programa já ia começar e não sairia antes das 11h15min. Não dava mais para ir me despedir do amigo.
Quando acabou o programa passei próximo à capela e vi que estava tudo vazio.
Fico
com a lembrança do Paulinho (era como eu o chamava) e dos nossos rápidos
encontros nas missas da São Pedro aos sábados e, do nosso último momento, no posto Ipiranga do também amigo, Gilmar Pituco, há cerca de dois meses ou um pouco mais; quando
ele me falou como estava enfrentando sua luta contra a doença que o levou. Na
realidade nunca tivemos uma amizade, assim, para reuniões e longas conversas,
mas sempre nutrimos um respeito e carinho recíproco – que se renovava quando nos
encontrávamos, até porque a cidade assim o permite. O que fica é a certeza que
mais um dos Madalozzo, parte orgulhando as melhores tradições desta família
profundamente enraizada nesta terra. Terra que muito deve aos Madalozzo. Tive
outros dois, se não me engano, Ari e Euclides, na primeira turma da
Administração do Centro de Ensino Superior de Erechim.
Perdi
um
amigo.
Perdi
o
meu centroavante daquele infanto-juvenil do Atlântico que se perdeu no tempo.
Vai
fazer falta à sua família.
Vai
fazer falta à esposa, Alba Marina, aos teus filhos Anderson e Rodrigo, à
tua nora Daniele, esposa do Anderson.
Vai
fazer falta ao teu neto Giovani que chegará em outubro.
Vai
fazer
falta à sua legião de amigos do futebol de campo, de salão, de motociclistas e aos colegas de
profissão.
Fará
falta
à cidade.
Paulo
Cezar Madalozzo partiu para sua última viagem.
Mas,
pela nossa crença e fé, ainda jogaremos no mesmo time, em outros campos é
claro.
Até
um dia meu centroavante.