As férias chegaram.
Nas escolas já mandaram todo mundo
embora.
A cidade está metade vazia.
II
Este é um tempo justo.
Quem trabalha - rico, pobre ou
remediado tem férias.
III
Quando a gente era criança
Se tinha férias – só da escola.
Quem era pobre – classe econômica
média-baixa,
sabe o que são férias, que não só
as da escola?
Hoje, a classe média,
por exemplo,
também tem férias para seu sustento.
Trabalha só sete meses.
Cinco são pros governos.
Eheheheheheh - e depois ainda reclamam
da vida no Brasil!
IV
Quando a gente era adolescente,
tinha férias da escola e no serviço.
Atenção: serviço, ocupação,
trabalho - é um lugar onde também se ganha uma bolsa,
bolsa-salário,
e, como disse,
com direito a elas: férias.
V
A média-baixa que tinha férias,
férias de verdade,
não sabia o que era,
se contentava e se jubilava,
e contava,
e até ciúmes provocava,
passando férias pelo Sesc.
Na praia.
Êta – vida!
VI
Nossa Senhora de Fátima!
‘O ano que vem eu vô arrumá uma
vaga pelo Sesc, ah, vô’!
Quanta gente adolescente o Sesc
apresentou à praia!
VII
A granfinagem, felizarda, salgava as
canelas, ancas e costados em altos mares.
Fritava a tez branca
pelas capita do nordeste,
e quando voltava,
a gente via na cara,
nas pernas, nos braços
e nos ombros
– quem era rico,
quem era classe média-baixa,
quem era pobre
e quem era remediado.
VIII
No meu tempo de adolescente e de pobre
(que ainda não acabou e, receio, nem vá passar),
o que mais eu ouvia
da ‘crasse remediada em tempo de
féria
era: má quéro durmi tipo bicho!’.
IX
Em parte esta era uma necessidade,
uma vontade,
mas sobretudo
– uma saída, ou melhor: a única
alternativa.
X
Hoje em dia já se dá graças
a Deus se a gente tem um emprego.
Férias – é uma consequência,
Mas, atenção;
dentro do quadro de extinção de
empregos que vai voltar,
férias é dádiva.
XI
Hoje em dia,
ao contrário daqueles distantes anos
da nossa inesquecível e adorável adolescência,
férias já não significa
necessariamente ter de ir à praia.
XII
Parece que hoje, apesar dos pesares, é
mais fácil ir,
e é;
porque a liberdade que se conquistou e
se avoluma,
remete a gente para fora de casa e
atira-nos ao colo de grupos de amigos,
onde um puxa o outro
e a gente acaba indo.
XIII
Houve tempo em que tirar férias era
passar três meses na colônia
– na roça.
Carpir,
dormir cedo,
levantar cedo,
andar de carroça,
de cavalo,
tomar banho de rio,
comer melancia,
pêssego,
figo e uva.
Pescar,
e aos domingo
ir à missa à pé – 5 quilômetros
longe.
XIV
Houve tempo em que o melhor da
temporada de férias do serviço,
era vendê-las e trabalhar dobrado
e ganhar dobrado.
De quais situações tais dinheiros me
salvaram, não recordo,
mas desconfio que perdi oportunidades.
XV
Houve tempo em que as férias nos
depositavam no meio de um latifúndio de vazio,
de solidão,
de falta de amigos que saíram de
férias.
De ausências que só mesmo a
expectativa do reencontro
– mantinha a vida.
XVI
Houve tempo também,
que o melhor das férias
era o fim delas: voltar para o serviço;
a volta às aulas.
Ah – a volta às aulas!
XVII
Os novos colegas de turma.
A classe que se ocuparia na sala de
aula,
quem seriam os nossos professores,
que livros teria de comprar!?
XVIII
Ganharia, enfim, uma caixinha com 24,
e não seis,
24 lápis de cor?!
Os reencontros que eram como um
ressuscitar,
alguns tão guardados que nunca se
tornaram públicos.
Será que eles existiram de verdade?
XIX
Já faz tempo que se descobriu que não
tirar férias nunca é bom,
e nem se ficar sempre de férias é
suportável.
A gente não aguenta ficar trabalhando
a vida inteira e,
muito menos,
ficar sem fazer nada toda a vida.
Quem se ocupa
– quer se desocupar e o
contrário-senso também é pura verdade.
XX
O certo é que já estamos ingressando
num novo mundo onde se descobre que se trabalhar é preciso
– tirar férias é mais do que
preciso.
XXI
Há alguns anos escrevi:
‘Esses dias a imprensa divulgou que a
expectativa média de vida do brasileiro aumentou de 67 para 71, 72
anos'.
XXII
Acho que o governo já tinha esses
dados e por isso mudou a aposentadoria.
Penalizado,
o governo concedeu o direito ao irmão
camarada tirar férias todos os anos - até os 60.
XXIII
Pelo que eu concluo: se um dia a
expectativa média de vida for de 200 anos,
a aposentadoria vai ser dada a partir
dos 197: como é que um governo, do povo, deixaria o trabalhador (em
extinção) sem férias!?’.
XXIV
Assim,
ao menos sempre sobra um consolo: a
cada fim de ano,
o direito ‘inalienável – é assim
que se diz?’
de um mês inteirinho de férias;
– nem que seja para
‘durmir tipo bicho!’.