* Texto escrito depois de Ypiranga e
Brasil (F) em 2008 quando o canarinho subiu!
- I -
Quando o Brida foi calçado dentro da
área no momento em que, inacreditavelmente, a bola lhe sobrava como
um maço de dinheiro que se acha perdido no bolso de uma roupa
esquecida, e o Vinícius Costa da Costa, de frente, apitou, e se
inclinou com uma perna encolhida e a outra esticada e com o braço
estendido, mais duro que nas melhores continências reverenciadas a
um certo líder sanguinário do passado, para a marca do pênalti, eu
levei os olhos ao céu e pensei comigo mesmo: sim, o Valério
(Schillo) está vendo o jogo!
Claro, porque do jeito que as coisas
andavam entre Ypiranga e Brasil (Farroupilha), domingo e já no 2º
tempo, o time sentindo as ausências, errando passes, nervoso com o
peso da cobrança de 18 mil bocas que gritavam da arquibancada, e com
o Brida sem ritmo, tudo indicava que – se não perdesse -, já não
seria tão fora de consideração.
Enquanto o Brasil cercava pela frente
e pelas costas o Costa da Costa, pedindo que voltasse a história,
procurei o Vagner. Sim, porque com ele, era gol. E o encontrei
caminhando pra cá, pra lá, com a bola embaixo do braço. Quando vi
– decidi: gol.
Mesmo assim, não quis ver. Baixei os
olhos na cabine e esperei pelo xuááá. A bola quando entra e pega
na rede faz xuááááááá. Mas esperei, esperei, esperei e ouvi o
apito do Vinícius e foi - tuuuuuuummmmmmmmmm. Tuummmm? – me
perguntei! Como tuuummmmmm!? Mas devia ser xuáá! Não resisti e
ergui o olhar e a bola vinha caindo do céu e alguém a tirou para
fora do Brasil.
Eu que conheço o Colosso há 37 anos,
segunda fará 38; nunca soube – mas domingo descobri que ele tem
mãos. Logo depois do tuuuuuummmmmmmmm, o Colosso botou as mãos na
cabeça não acreditando no que tinha visto. O time desfalcado,
jogando mal, nervoso, contra uma touca e tudo se encaminhava para um
desfecho infeliz, postergando uma festa impostergável (?).
O estádio se sentou com a cabeça
enterrada em 36 mil palmas de mãos.
- II -
De manhã, dia dos pais, saí às 10
horas para comprar ingresso para o meu filho Eduardo. Na Sete,
chapéus cata-ovo, almofadas, gorros, radinhos, bandeiras de ‘O
grito do Ypiranga!’, misturavam-se a coloradas e tricolores. Carros
iam, vinham e paravam. Mulheres desciam e com os filhos escolhiam a
bandeira e saíam de novo em desfile com o pavilhão verde-amarelo
tremulando na janelinha. Plat, plat, plat, plat, plat, plat, plat –
fazia o pano das cores nacionais, Sete acima, tocada pelo vento.
Na portaria do estádio encontrei uma
fila. Eram 10 da manhã e havia fila. Era hoje. Tinha de ser hoje.
Não podia e nem seria em outro dia. Era demais a mobilização pelo
feito canarinho, quando ainda nem as churrasqueiras ardiam cidade
afora.
Às duas da tarde o movimento era de
jogo grande.
Na cabine da Difusão, o Idylio
Badolotti me chamou e conversamos sobre a decisão, ao lado do dr.
Edson Machado da Silva. Lembro que entre outras coisas disse: ‘o
Diego, a melhor coisa que apareceu no Colosso em 2008...’, quando o
Amilton, mostrando toda a sua versatilidade, cortou lá debaixo e fez
o raio cair: ‘seu Idylio, seu Idylio... vê se vocês reconhecem
esta voz!’.
E foi então que entrou: ‘meu caro
Idylio... meu caro Amilton, meus caros ouvintes da Difusão...’ e
logo o Idylio também cortou: ‘Tramoontini!’. Não é que até o
eterno Tramontini da velha rádio Erechim esteve no campo? Ainda
brinquei: ‘hoje podemos reunir o Tramontini, o Ceni, o Ydilio e o
Milton Doninelli!’.
Subiam às cadeiras homens e mulheres
que nunca vira antes. O eterno ypiranguista Chico Pungan, trazia com
familiares, o Celeste Dal Prá. Apoiado numa bengala alta subia os
degraus em busca de uma cadeira. Sociais cheias. Lá embaixo as
arquibancadas iam sendo tomadas como o sol que vem sobre ipês e
pessegueiros quase ao final dos invernos, e vai se esparramando e
enchendo de luz tudo o que vê pela frente, sem a menor possibilidade
de ser contido.
- III -
Quando Pelé fez a bola passar pelo
meio das pernas do Jadir naquela quarta-feira, 2 de setembro de 1970,
e fuzilou o goleiro Breno, fazendo levantar o estádio do canarinho,
nem naquela noite havia tanta gente como já se via no Colosso
faltando 15 minutos para o adeus do Ypiranga à Segundona.
Eu não sei de onde esse Brasil de
Farroupilha tira tanta gana quando vê o Ypiranga pela frente. Fazia
uma semana que o time serrano tinha sido surrado nas Castanheiras
pelo Pelotas, que apanharia do canarinho três dias depois. Será que
o Brasil, por verde e vermelho, será que é por isso que ele se
agiganta contra o Ypiranga? Haveria aí um grau de parentesco com o
falecido Atlântico do futebol de campo?
O fato é que a partida ia pau a pau.
Se o Brasil não era um Milan para o Ypiranga, o canarinho não se
encontrava e, maltratando a bola pelo passe errado; enervava o anseio
coletivo que tinha todas as certezas do mundo de que seria naquela
tarde, não se sabe como, que o tabu seria quebrado e a Primeirona
festejada até a noite alta cair.
Houve gol anulado do Brasil (e bem
anulado), mas o ar primaveril que banhava as 18 mil cabeças no
Colosso, encontrava uma estranha resistência, como que decretada
pelo destino. Algo como Brasil e Uruguai, Inter e Olímpia, Fluminese
e LDU. Não podia de jeito nenhum, deixar de acontecer a festa tão
ao alcance da vaga, mas os deuses pareciam conspirar. Estariam apenas
brincando, se divertindo, fazendo o estádio suar gelo, ou, a praia
ficava ali mesmo, no entorno da lagoa que deu origem ao nome de
guerra do Colosso em vaticínio do dr. Wilson Wattson Webber, em
discurso durante churrasco de recepção a visitantes no fim dos anos
60 no pavilhão em construção.
- IV -
Aos 31, aos 35, aos 38, aos 42, eu
tinha jogado a toalha. Eu sei do velho ditado que o jogo só acaba
quando termina – mas, as coisas estavam com ar, jeito e cara de
impossíveis. Por isso tratava de confortar o desconforto tentando
ressuscitar que apesar da frustração, ainda havia dois tiros: o TAC
e o Guarani de Venâncio, para derrubar a Segundona.
Eu não sei como o Pito foi parar
dentro de campo naquele jogo. Só sei que quando um quarto do estádio
já estava nas vicinais da Sete para escapar ao engarrafamento, o
Pito foi se intrometendo como um anão de circo, e meio despercebido,
mas comandando o espetáculo; e de repente ele descobriu ‘a melhor
coisa que apareceu no Colosso em 2008’ , e o Diego arrumou na perna
boa e disparou um canhão assim como as tropas russas fizeram naquele
mesmo dia na Ossétia do Sul.
O tiro seco e inapelável fez o
estádio explodir. Nem o estrondo do intervalo que estourou vidros
nas cabines de rádio conseguiu lembrar o que veio com o disparo de
Diego. Ali não foi nem xuááá – mas um xuuáááááááá
antecedido por um tuuuuuummmmmm. Quando vi, a bola estava quieta,
desmaiada, desfalecida, morta no fundo das redes, não, no fundo das
redes não, no fundo da 2ª Divisão.
- V -
O estádio pulava sobre si mesmo.
Os choros de alegria não tinham
vergonhas, sim, porque vergonhoso seria tentar segurar àquela hora
um mar de água que desce com o estouro de uma barragem.
Quando o Diego e meio time saíram
correndo ao alambrado, querendo escalá-lo e pulá-lo para os braços
da nação verde-amarela, outra revelação do futebol erechinense de
2008, o bom repórter Tiago Ávila, conseguiu fazer eco ao que
gritava Diego colocando na sua boca o microfone da Erechim. ‘É pro
meu pai, é pro meu pai!’, gritava tresloucado o autor do disparo
que matou a Segundona na vida do Ypiranga e colocou o clube na
Primeirona.
- VI -
Eu não sei porque o Costa da Costa
insistiu em dar mais 5 minutos, mas, quem entende os árbitros quando
quer o fim ou não se quer o último apito!? Escaramuças ainda se
ensaiaram entre os atletas tudo porque quem havia ganho o céu de
presente assim como o bom ladrão que arrependeu-se na hora ‘H’;
este não haveria de querer sentir o calor do inferno. E isto deve
ser compreendido, pois quem, em sã consciência, em não sendo nem
Adão, nem Eva – haveria de entregar o paraíso como se nada
fosse?!
Quando o árbitro encontrou o fim da
partida, nove anos ficaram para trás naquele prrrrrrrrrrrrrrrrrrrr.
O Banana pulava como só o Banana pode pular e rolar, porquanto o seu
time, a despeito de crises e derrotas, reabilitações e vitórias,
jamais, perdeu a sua identidade, a vergonha e a alma. Milhares de
Bananas, num repente, rolavam pelo gramado do Colosso onde um dia já
foi lagoa.
- VII -
Os fios das emissoras de rádio eram
recolhidos e enrolados e já se precipitava o crepúsculo do fim de
tarde. Da tarde do dia dos pais. Da tarde de 10 de agosto de 2008. O
Ypiranga, segunda-feira, 18, estará de aniversário e fará 84 anos.
Oito décadas e quatro anos de honra à sua origem, à sua tradição,
à sua história. 84 anos de honra ao seu fim, maior, principal e
único.
E quando eu deixei o Colosso da Lagoa
e a brisa leve ainda levantava um papelzinho de bala aqui, um
ingresso amassado dali, senti que o banner com a figura de Valério
Schillo, no hall do Colosso, também recebeu uma golfada e se estufou
quieta e rapidamente chamando-me a atenção, como num ‘psiu, ô
Ody!, psiu... eu não estava só lá em cima. Hoje , eu andei pelas
cadeiras, pelos banheiros, pela copa, estive lá fora, dei a volta
nas arquibancadas. Eu estava nos gritos do Amiltom, do Chico e do
Juliano Panazzollo. Estava no descortino do Pito e na perna esquerda
do Diego, na ôla e nas lágrimas de cada um dos 17.818. Eu estava no
peito e no pulmão de cada jogador. Eu estava na alma e no coração
do Ypiranga. Agora – posso voltar em paz. A missão está
cumprida’.
‘Nas planuras e serras tão lindas/
Ypiranga/Ypiranga em louvor!/
Quer na paz, quer na luta bem-vindas/
As vitórias da força e do amor!’.
A crônica de uma tarde anunciada
estava pronta.
Ontem à noite, 9 de abril, o Ypiranga
FC reescreveu a crônica com novos atores – mas manteve o mesmo
final.
Mas o feito desta semana não pode ser
um final.
Os ares que foram notados na abertura
de 2014, promissores, devem recém estar começando a soprar pelos
lados do Colosso.
O sonho deve ser mais alto, mais
amplo, maior e duradouro. Por isto, reafirmo o que este espaço já
explicitou este ano: o Ypiranga montou e vem adaptando conforme as
necessidades e circunstâncias, duas equipes: uma dentro de campo e
outra fora do gramado. É provável que a de dentro do campo erga
taças. É certo que à fora de campo, restará uma missão só:
sustentar a equipe de dentro das quatro linhas e, erguer o clube.
Como se percebe, a leitura final é só
uma: independentemente dos ‘atletas’ de fora de campo – o jogo
(que não tem tempo para acabar) só está começando.