BV - 10 - 7 - 2014
‘Minhas cordiais saudações.
Como podes notar estou usando outro endereço eletrônico, o meu
profissional médico e, de sorte que também o faço à senhora vice-prefeita.
Despolitizo a missiva por razões óbvias, porquanto o assunto assim o exige. Ele
está acima das nossas identidades, interesses ou ambições políticas.
É um tema que me comove enquanto médico e, mais ainda, enquanto
crítico dos que usam e abusam dos boa-fé, dos sem-boca, dos simples - crentes
incuráveis dos seus ‘superiores’. E, confortados no desconforto do abandono e
da amargura humanas sempre dóceis e doces seres humanos.
Refiro-me, minha cara vice-prefeita e sei que vossa excelência
compartilha desta mesma minha visão e sentimento, pois, reporto-me à vida
humana, à preservação da vida humana – algo que, serei franco, mas não sei se
acerto; ninguém em autoridade no nosso município pode ser acusado de dar às costas.
Mas há um porém.
Vossa Excelência que tem uma vida conjugal de anos com um médico,
como eu também o fui e, uma vez médico – sempre tratando de exercer a missão
com integridade, dedicação-sem-hora, respeito, amor e magnanimidade. Quero crer
que vossa excelência, com absoluta certeza não sabe do tema e, por isso tomo a
liberdade de informá-la.
Como é público, às vezes, Aqui De Cima, quase sempre vemos o que
nem sempre aos olhos humanos é perceptível. O dr. Antônio, do nosso partido – e
que apartou-se do mesmo (por que será excelência?), mas, em 1994 enquanto
prefeito fez o que ninguém ousara fazer por aí: comprou o Hospital Santa
Terezinha com o claro fito de dar aos mais carentes a atenção que à época
entendia-se uma necessidade imperiosa na cidade de todos nós.
Sucederam-se prefeitos e, cada um a seu estilo, foi administrando
e quebrando os galhos diários que a Casa de Saúde do Povo, acusava diariamente.
O que interessa é que o hospital se expande e, a despeito de todos os desafios
que a área de saúde impõe, de manhã, à tarde e à noite, todos os dias, de todas
as semanas, de todos os meses, anos e décadas – ‘o Santa’ vai desempenhando sua
atividade-fim sob elogios e críticas. Não vou me ater ao balanço, à peça da
radioterapia (terceirizada!?) que quebrou duas vezes mandando dezenas de
pessoas a Passo Fundo por quase um ano e nem a limitações contra um ou outro
profissional, ou até aos CCs que o hospital acomoda. E nem também aos prêmios
que o ‘Santa’ acumula nestes seus 20 anos. Nossa Senhora de Fátima ! - já se
deu conta que este ano o hospital faz 20 anos?!
Minha observação é mais uma vez prolixa, como o dr. Lânius certa
feita observou sobre alguns escritos do velho amigo Ody que um dia lhe disse na
cara, lá no HC, que era do PFL, mas depois me arrependi porquanto sempre me
tratou com respeito e só mais tarde vim a entender na plenitude o que ele
queria dizer, até nos ‘alertando em entrelinhas’... -, pois minha prezada
vice-prefeita, desta feita esta missiva é prolixa, para quem sabe; a ação ser
imediata.
Sabemos todos que o hospital recebe mais gente do que pode, que
faz tudo que pode, que tem uma administração através do senhor Ayub, pró-ativa,
e que mesmo assim sempre pode sobrar um senão.
Na condição de peemedebista histórico, correligionário, e advogado
parceiro de vossa excelência quanto à bem-querença de todo e qualquer ser
humano, peço-lhe que o Hospital Santa Terezinha, nos casos de pacientes
terminais, que lhes seja encontrado um espaço condizente com tal condição.
Esses pacientes e seus familiares não podem acrescer à dor do sofrimento da
fragilidade humana e, da morte iminente, tudo isso em um mesmo espaço, um mesmo
quarto onde estão outros três pacientes, igualmente recolhidos às suas próprias
dores e sofrimentos também confortados por seus parentes e amigos –
desconfortadamente.
Na condição de médico não consigo compreender como pode se dar a
recuperação de alguém que é obrigado à conviver a dois metros de um outro ser
humano que agoniza arfando em busca de mais uma lufada de ar que lhe dê mais um
segundo de vida. Francamente isso me é humanamente incompreensível, embora
entenda as fragilidades do sistema que submissa nossas Casas de Saúde. Mas
isto, perdoe-me excelência, isto ultrapassa o mais paupérrimo sistema de saúde
que um país pode ter. Similaridade encontre-se talvez nos ‘hospitais de
campanha em tempos e picos de guerra’; mas nestes casos a compreensão
contextual cai como luva atenuante em mãos de pilica, dir-se-ia nos meus áureos
tempos de quase medicina familiar.
Conforta senhora vice-prefeita, observar o denodo e o amor
dispensados pelos queridos e, nem sempre devidamente reconhecidos, corpos da
enfermagem e, no caso em tela ao qual me reservo o direito de preservar nomes
até em respeito ao paciente tendo que falecer em condições tão adversas e seus
parentes.
Também entendo que não seja falha administrativa – mas, fazendo
vistas grossas à qualquer responsabilidade pontual, embora sublinhe que ninguém
possa admitir uma situação dessas como regra, mesmo em um regime que privilegie
uma Copa do Mundo em detrimento a uma situação semelhante e que deve
multiplicar-se país afora, o que interessa, prolixa ou objetivamente; é que
Casa de Saúde que um prefeito afiliado nosso ousou comprar para melhor atender
a nossa população (e isto é um fato incontestável comprovado nestas duas
décadas do feito desafiador), é que o Hospital Santa Terezinha, contra todas as
adversidades públicas e notórias, encontre uma solução para uma situação como a
que acabo de narrar. Não sei se o caso foi fato isolado, mas ele - mesmo se
único, estarrece, e precisa de uma ação imediata para dar direito a uma
despedida de quem sofre no leito ou à beira dele – mais justa, mais digna, mais
humana. Observe - minha estimada vice-prefeita: irônica e tristemente a tríade
que todos, de todos os partidos que se apresentam como candidatos a uma vez
eleitos, exibem. Exibem-na prometendo uma vida mais justa, mais digna, mais
humana. E o que constato? – quando a vida começa a dar suas últimas voltas para
dar lugar à morte, a tríade sonega sua presença, provavelmente amputada pelo
Sistema Único, o que não exime a Casa de uma ação pontual, porque não foi para
isso que nos expusemos à crítica principalmente de quem tudo tem – até na hora
da morte.
Em nome de todas as cores partidárias Daqui De Cima, do bairro
Erechim; e, tenho certeza, daí de baixo – porque como disse este assunto não
faz distinções -, rogo-lhe, excelência: promova a ação mais justa, mais digna,
a mais humana e a mais urgente possível, mesmo que esta seja na hora da
despedida daí para Juntar-se a Nós Aqui – especialmente, porquanto, dentro do
‘Santa’ que administramos com todas suas mazelas, mas que há duas décadas demos
de presente à nossa gente e cujos serviços prestados, inclusive na gestão de
vossa excelência, são magnânimos à imensa maioria dos desafortunados de
herança, conquista pessoal ou nome.
Com o devido perdão, porquanto acho que já me fiz entender,
permita-me ser um pouco mais fiel à realidade senhora vice-prefeita, até
porque, como já disse, tenho a mais absoluta convicção que a senhora pode estar
sendo apanhada de surpresa e em absoluto compartilha de uma situação como essa.
Mas como pode um ser humano receber a extrema-unção, com o irmão tendo que
segurar o óleo e o resto da família rezando com o padre – tudo isso diante de
outros três pacientes com parentes e amigos, cada um acreditando na cura!?
Perdoe-me minha cara Ana Lúcia, mas como profissional da área não compreendo
uma situação dessas, talvez, porque no ‘meu tempo’ alguns tipos de respeito
vinham incrustados no diploma. Hoje, observando um caso assim, e em um hospital
coberto de premiações, assaltam-me curiosidades que nem sei por onde
começar.
Na certeza de ações imediatas e providenciais - não de caça às bruxas, mas, talvez de reconhecimento aos que fazem o possível e o impossível
no silêncio, no anonimato quase, como é o caso dos profissionais do Santa,
dando-lhes condições reais de poderem desempenhar mais plenamente suas
atividades profissionais, também preservando-os da convivência dolorosa em
quadros dessa ordem -; de antemão, agradeço-lhe em nome de todos nós Daqui do
Bairro Erechim – Céu e de quem está prestes a se unir a nós. E, creia,
excelência, também estes lhe agradecem.
Saudações eternas,
Dr. Sergio’.
PS – O dr. Comandante Kramer não tem dormido bem. Anda preocupado
com o estado da avenida à qual empresta o nome. Desconfia que está no Plano de
Revitalização do Mato da Comissão, passando de avenida pública à trilha da
Unidade de Conservação. A Carlinda e eu tentamos tranqüilizá-lo com uma cópia
do projeto – mas parece que aí piorou. Puxei meu receituário e ministrei-lhe
uma boa combinação hiptónica de razoável poder. Parece que ajudou, mas em parte. Tem dormido
melhor; mas deu agora a falar durante o sono. Não passa uma noite onde não é
flagrado balbuciando: ‘socorro. Ajudem-me. O avião não caiu – mas estou num
buraco. Socorro. É Comandante K. Tirem-me daqui!’. E aí, inexplicavelmente,
desata a, a, a... como se diz agora... a, a... kkkkkkkkkkkkkkkkkkk-rsssssssssssssss,
vira-se para o outro lado e dorme. No dia seguinte, quando tomamos café e
jogamos xadrez, pede-me baixinho se é normal sonhar todas as noites o mesmo
sonho. Vou desligar o computador e até o celular. Acabo de receber a visita do
doutor Hipócrates – aquele do juramento. Diz que o assunto é sério! Saudações.