quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Fora das quatro linhas

 

Foto Arquivo CER Atlântico/Divulgação


A histórica conquista da Liga Nacional de Futsal/2023 pelo CER Atlântico há poucos dias tem inúmeros responsáveis. A começar pelos atletas – sem dúvida são eles que ganham ou perdem em última análise. No entanto se faz necessário reconhecer dois nomes fundamentais para o titulo. Em artigo anterior já citei o presidente, os dirigentes, departamentos e outros profissionais. Mas aqui destaco dois, como disse, fundamentais.

 

Técnico Paulinho Sananduva/Foto: Edson Castro

O técnico Paulinho Sananduva foi sem dúvida o condutor. Sempre do alto da sua experiência como ex-atleta da prateleira superior; na condição de técnico foi acumulando experiência que lhe rendeu títulos ao longo da carreira e agora, comanda o Atlântico pela terceira vez na concretização do seu maior sonho dos últimos anos.

Tático experimentado, conhecedor do potencial físico, técnico e, especialmente emocional, de seus comandados, Paulinho Sananduva sempre teve o grupo na mão dentro do vestiário e dentro da quadra. Respeitado pelos seus adversários, pelas arbitragens e pela crônica, não se destaca por arroubos inócuos de voz ou gesticulações, que geralmente inflamam o público (e o enganam), mas de pouca praticidade positiva junto ao atleta dentro de quadra que compreende a partida. A meu juízo é só olhar nos olhos do Paulinho e você percebe que está diante de uma pessoa simples e humilde, que sabe ouvir, que conhece seu ofício e, sobretudo, que guarda respeito e sem egocentrismo, mantém-se elevado porquanto respeitado se faz. 

Sempre tive uma convicção – e com ela ninguém precisa concordar -, que Paulinho Sananduva e o Atlântico tem uma certa química, uma identificação, uma espécie de relação amorosa fazendo transparecer que se não nasceram um para o outro – sempre se conheceram, porquanto ambos tem a mesma alma, a mesma dedicação profissional e a mesma vocação meio amadorística/profissional, ou seja: a entrega vai até o último segundo (mesmo nas derrotas), sem jamais se dar por vencido como acontece nas “peladas” amadoras entre amigos, somada àquele profissional que quer continuar vencendo a despeito dos títulos, taças e faixas no peito. E a conquista de mais uma taça o faz vibrar – mas logo coloca com os pés no chão, vira a página e inicia tudo como todo trabalhador comum o faz todas as segundas-feiras, sem deixar o sucesso subir à cabeça - independente do fim de semana que teve. E convenhamos, a história ensina: esta é uma virtude indelével que acompanha os grandes. Só os grandes.

 

Supervisor Elton Dalla Vecchia/Foto: Edson Castro
Elton Dalla Vecchia, supervisor, é um patrimônio humano do CER Atlântico. O tipo de profissional que todo clube adoraria ter. Eu não sei há quantos anos ele está no clube, mas a ele o futsal do Galo praticamente foi entregue. É claro que há um corpo diretivo que discute tudo que se passa (passado, presente e futuro), mas cabe a Elton Dalla Vecchia, até onde se sabe, fazer contatos com clubes e atletas – a começar dentro do próprio Atlântico para sentir a temperatura, a pulsação, as dificuldades, os problemas, as satisfações e as intenções dos próprios atletas. E isto, é claro, foi lhe agregando experiência, vivência, confiança e autoridade para olhar e falar com muita segurança com o grupo e, especialmente, com os rivais – clubes, equipes, dirigentes e atletas com vistas a uma possível transação. Elton construiu uma imagem de respeito no mundo do futsal,

Impressiona a agudeza que o Elton tem sobre as potencialidades de atletas no mundo do futsal. E este olhar estende-se pelo Brasil, por países latinos, alcançando além Oceano Atlântico, países onde este esporte é praticado com as exigências e a excelência como é jogado no nosso país.

Não fecha ano onde o Atlântico perde atletas pelas mais variadas causas, mas não inicia ano onde o Atlântico já sabe onde está quem ele deseja para continuar no topo do futsal nacional como uma equipe minimamente competitiva. A conquista, os títulos são outra coisa – mais além. Mas montar times competitivos, disto o Atlântico - de dirigentes a torcedores ninguém jamais pode duvidar.

Em síntese, o Elton é um profissional com a cara e a história do Atlântico. Aparentemente tranquilo por fora, mas interiormente um vulcão pelo melhor, pela organização, pela entrega, pela competitividade e garra, e por fim – pela vitória. Este é, se não o único, o maior profissional da equipe que o clube conta e do qual não deve e nem pode se desfazer ou perder.

 

Enfim – para não perder o fio condutor da história que levou o Atlântico à conquista do “Brasileirão do Futsal”, é longa e cheia de colaboradores. Destaco Aljocir Berticelli (o Pato) “in memorian”, e tantos outros ainda ativos, com lugar especial para sua fanática a crescente torcida que herdou a paixão dos tempos em que o Atlântico jogava em gramados.

 

O Atlântico é hoje no futsal um clube reconhecido nacionalmente pela imprensa, clubes deste esporte e pelo público em geral. Na cidade, o reconhecimento é sobretudo, e diria, unânime, por sua organização, por seu planejamento, por saber o lugar onde está e onde pode chegar – além de conhecer o caminho das pedras.

Para 2024  Paulinho Sananduva e Elton Dalla Vecchia continuarão a comandar o CER Atlântico Futsal - fora das quatro linhas.

Fico a me perguntar: será que Jandir Cantele imaginava isso lá por 1991 ou algo do gênero, quando entre uma e outra gôndula de filmes em vídeo cassete que ele e a esposa estavam consultando no início de uma tarde de sábado na Panorama Vídeo, me falou baixinho – “vou te dar uma de 'chocheira' - uma em primeira mão. O Atlântico está ingressando no futsal. Espera pra ver. Vamos começar por baixo – mas tu conhece o Atlântico!”, e abriu seu sorriso seguido de uma risadinha - a mesma que ele cansou de dar quando o Índio decidia um Atlanga.

 

 

 

    

domingo, 17 de dezembro de 2023

Atlântico tu és poderoso

 

Flor Ixora na entrada de casa. Foto: José Adelar Ody


 (1 -Publicado em 2005. 2 – De hoje. 3 - Ambos enaltecem seu DNA desde 1915)

 1

No mês dos seus 90 anos o CER Atlântico dá um presente do tamanho da sua história, à sua torcida e à cidade. O Galo está na finalíssima da decisão do futsal nacional. Isto não é pouca coisa.

 

O que mais chama a atenção é que o Atlântico, nesta epopéia, traz como identidade as suas mais fiéis e tradicionais armas. A garra, a entrega, a luta, a nunca desistência, a busca do resultado mesmo quando ele parece impossível.

 

Isto faz deste time e clube 

sempre um postulante, que jamais deve 

ser desafiado com menosprezo.

 

Assim é o Atlântico,

porque assim ele sempre foi.

O aniversário é dia 20 de setembro, 

mas o Atlântico já é a melhor notícia 

da cidade em 2005.

2

Hoje, 17 de dezembro de 2023, o Brasil 

ficou sabendo qual é o DNA do 

Galo Verde-Rubro

ao virar uma final de campeonato 

em 20 segundos sagrando-se campeão 

brasileiro de futsal.

 

Recebi inúmeras mensagens de amigos 

que residem Brasil afora. 

Mas uma ressalto aqui

e é do meu primo Leodério:

“Esta vitória é dos nossos pais!”.

Sim, porque o tio Lauro Ody e

o meu pai Alberto Mathias Ody

eram fanáticos do Atlântico.

Nunca deixaram de ser.

Desconfio, que por conta dos “deuses

do futebol”

e do futsal

– e do DNA atlantino –

- cada um deles resolver entrar em quadra

e fazer o seu.

3

Eles não conheceram o Atlântico Futsal.

Mas sabiam de cor que para este clube, 

juiz não apitar o final, a esperança, a luta, 

a entrega 

e a garra sempre continuam correndo juntos, 

e por que não; o milagre verde-rubro, 

pois, enquanto houver vida, 

jamais deve ser desprezado.

Não pelo adversário,

mas por aqueles que vestem 

esta gloriosa camisa.

 

Minha homenagem ao presidente 

Julio Cezar Brondani e seus pares, 

direção técnica, atletas e torcida através 

desta folhagem/flor Ixora, aos pés de casa; 

que nunca deixa esquecer-me 

do DNA do Atlântico desde meus tenros anos.

“Atlântico, tu és poderoso”.

 

 

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Reflexões sobre o tempo passando

Imagem sobre o tempo/Livre Uso
1

22 de novembro de 2023. 

Nada mudou? Tudo mudou - e quase nada mudou.  Hoje não há mais cercas de madeira para pular no Atlântico e nem tem mais campinho de terra. Lá agora jogam futsal e tênis. Nadam em piscinas cobertas e ao ar livre. Os amigos se dispersaram. A alfaitaria do meu pai fechou. Ele se foi em 1998. A mãe não me chama mais. Também se foi. Quem sabe – não tenham se juntado a John Kennedy e a quem o matou. O suposto/único atirador também foi morto. Tomara que “Lá em Cima” a história tenha sido esclarecida. E para contrapor à surpreendente, impactante e violenta retirada de Kennedy do cenário mundial na expectativa de um "e agora - o que vai acontecer?", observa-se a cada década, a cada ano, a cada dia - o homem provando a si mesmo, numa crescente exponencial que ele é essencialmente "personalista". O homem é um ser imprevisível. Intolerante. Agressivo. Incorporou a barbárie. Rouba, logra e mata por um celular. Não tem compaixão. Perdeu a civilidade. Mata os animais, destrói o meio ambiente, polui o ar, os rios, o mar. Drena banhados e aterra desavergonhadamente nascentes. Promove queimadas e derruba tudo que pode. O homem pensa no hoje. No agora. Em si só. Não considera seus netos. Dinheiro?  Terra? Poder? Isso troca de mãos. Olha os impérios soterrados pelo tempo. No geral o mundo dos homens é um bêbado cambaleante. Cai, levanta, anda uns passos inseguros, cai de novo e se vai incógnito - achando que está certo. Avança nas ciências e tecnologias, mas pouco se relaciona humano. Troca o fuzil atribuído a Lee Harvey Osvald por facões, metralhadoras e mísseis. Pedras e paus. Olhando o panorama mundial - parece que 22 de novembro de 1963 é hoje e caminha potencialmente para ser ainda mais, amanhã.

2

Sessenta anos depois dos tiros que abalaram ou até, de certo modo mudaram o mundo em Dallas, amor e ódio se estendem tempo afora como dois trilhos de uma via férrea, aparentemente, sem fim. Seria este mais um recorte do homem sobre a terra que caminha para o precipício - para deixar outro modelo de convivência vir e se instalar? Quem regula isso? - por que o planeta não admitirá este estado de coisas se é que há mesmo Divindades de convivência fraterna, civilizada e amorosa. A natureza dá sinais de perder a paciência. Dentre tantas coisas que já ouvi, uma delas começa a fazer sentido: "Não fosse o homem, o mundo seria perfeito". Este homem que vem se revelando que, aparentemente, gostaria mesmo é de carregar tudo que pode e recolher-se à sua caverna e lá saborear, isolado, a razão única - a sua razão. Mas hoje é um dia de reflexão séria: 22 de novembro de 1963. "Pai, pai - mataram o Kennedy!". Como a vida passa depressa! 

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Hoje 22 de novembro - há 60 anos

 

Momentos entes de ser assassinado, John Kennedy ao lado da esposa Jakie/Arquivo Livre Uso
/

 

I

Eu não sei se a Alba Albarello ainda morava na ponta debaixo do Atlântico, com sua mãe e seu irmão. Acho que não – mas era ali no canto debaixo da cerca que eu pulava para dentro do estádio. Era na junção de onde é o Mantovani com a Atlântico – na rua da frente para o centro da cidade. Ok!?

 

II

Um ótimo lugar para pular a cerca era no lote que a partir de 1964 seria do Mantovani. Tinha já os lugarzinhos certos para botar o pé direito, depois o esquerdo, segurar com as mãos e fazer o giro por cima. Colocar um pé no outro lado e... ‘tuummm’ – sair correndo para cima do barranco até o nível do campo quase atrás da goleira ‘debaixo’ do Atlântico. (quem atacava contra a goleira do Mantovani – chutava para baixo...(!)).

 

III

Quando eu chegava era 1h15min ou no máximo 1h30min. Em poucos minutos a turma que morava nas redondezas do Atlântico se juntava: Jorge, Ademir, Facão (João Cláudio Fachini), Malo, Vitoldo, Bruno, Zeca, Ivo, Rogério, Zé Pirolito, Carlinhos, Alemão (Valdir Nunhoffer), Theco, Pedrinho, os Dufloth, Toca, Nelsinho, Anilson, Toninho Dal Prá, Otaviano, Paulinho Madalozzo, Mingo... Até o Jacaré aparecia.

 

IV

Os dois melhores – eram os irmãos Jorge e Ademir, ou então Jorge e Zeca, ou Zeca e Ademir, ou ainda, Anilson e Zeca -, tiravam par ou ímpar e escolhiam os times. Cada um escolhia um e assim as forças de equilibravam.

Este foi um dos primeiros, mais transparentes conceitos e método prático de exercício de justiça que conheci. Não havia, nunca, a possibilidade de um grupo ser império e o outro totalmente vassalo.

O equilíbrio das forças mantinha acesa a chama de disputa pau a pau e a expectativa de resultado imprevisível. Também foi por este sistema que descobri que no futebol, quando as forças se equivalem, o ‘momento’ e a inspiração podem desequilibrar. Quem estivesse num dia melhor – mais chances tinha.

 

VI

Num canto do imenso campo do Atlântico (quando a gente têm 10 ou 11 anos os campos sempre são imensos), onde a sombra batia mais cedo – lá joguei minhas melhores partidas e lá vi alguns dos melhores jogadores de bola desta vida.

Errar passe era coisa que acontecia em semanas. ‘Janelinhas’ e tabelas, gols por cobertura e ‘entrar com bola e tudo’ – eram da rotina. 

Craques de pé no chão na melhor acepção do termo – era a maioria.

 

VII

Nos clássicos diários de 5 vira – 10 ganha; a paridade das forças fazia a partida se espichar.

Quando o intervalo era alcançado com um dos times batendo nos 5 gols - o couro do lombo estava curtido. As costas ardiam e os peitos dos pés estavam inchados e tomados de um vermelhão só, de tanto receber, dominar, tocar, passar e bater.

 

VIII

A bica da concentração de madeira do Atlântico reunia os dois times em sua volta. Foi a melhor água de matar sede que já tomei. E pegar com as duas mãos uma ‘concha’ daquela dádiva, e com ela apagar o fogo do rosto e dos ombros – então, nem se fala.

 

IX

Quando os fôlegos estavam de novo tranquilos e a brisa embalada pelos cinamomos ameaçava com um arzinho frio as costas descansadas e surpresas com a sombra – era hora de recontar os gols e voltar para o segundo tempo: "5 a 3... – Ué, 5 a 63 Já tão querendo roubá! Cinco a 4... 5 a 4! Vocês só contam os de vocês. Tu não viu aquela hora que Anilson tocou a bola e... aquele tu não conta né...! – Tá bom... 5 a 4. 


X   

Aquele era um bom dia para se jogar dentro do campo do Atlântico – usando um das laterais. Sim, porque era quarta, dia de preparação física do Atlântico. E como não era dia de coletivo – sobrava campo para nós. Mesmo assim, até antes da física do Índio, do Uga, do Noronha, do Popy e do Tomasi, a gente se ‘matava’ como numa decisão.

 

XI

O equilíbrio dos times levaria a partida tarde afora.

Se por acaso um deles disparasse – se faria outra mais tarde -, mas isto era difícil. A tarde estava garantida.

Como devia ser tranquilizador para quem era pai naquele tempo. Sim – porque os filhos com certeza estavam em lugar certo e sabido: dentro do campo do Atlântico jogando bola. Até que a noite mandasse o dia e nós embora.

 

XII

Naquela tarde, porém, minha mãe me chamava da porta da casa, aos gritos, e eram recém 3 horas. O sol era quase um raio contínuo.

Dei de mão ‘numa das goleiras do campinho’ e peguei minha camiseta. Coloquei um papelzinho de bala no lugar para re-sinalizar ‘a goleira’ e desci o barranco correndo. Botei o pé no buraco da cerca sem olhar, passei a perna por cima, o pé no outro lado e ‘tuummm’. Mais 150 metros e estava em casa. "Vai avisá o pai que mataram o Kennedy", disse ela com ar de pavor – O que? Quem?... "Mataram o Kennedy", repetiu.

 

XIII

Saí correndo pela Jerônimo Teixeira e depois pela Nelson Ehlers e só parei na alfaitaria do meu pai – na Nelson Ehlers, 168, ao lado do Samdu. "Mataram o Kennedy, mataram o Kennedy", disse para meu pai sem fazer a mínima ideia do que estava falando.

Logo, dois ou três fregueses permanentes do  chimarrão, aqueles homens bonachões que sabem contar histórias como raros – com os olhos arregalados saltaram: " O quê? O Kennedy? Mataram o Kennedy? - e ligaram o rádio Semp à luz e aí sim é que a conversa embalou.

 

XIV

À noite, na janta que não era janta - mas café com pão, havia um ar de velório à mesa. Tinham matado o Kennedy – e eu estava com a impressão que tinham matado um parente. O ‘mundo lá de casa’ parecia que tinha chegado ao fim, como sempre alguém já naqueles distantes anos – ameaçava e prometia.

Tive a nítida impressão que a nossa vida, que o mundo enfim, dali para a frente não seria mais o  mesmo, pois afinal, John Fitzgerald Kennedy, presidente do EUA tinha sido morto a tiros. E ele representava tudo o que dizem. 

 

XV

Quem achar que esta história é uma demasia, digna de risos porquanto revela nossa modéstia e submissão perante os assuntos americanos – que segure e acalme o riso gratuito. Ou por acaso não nos portamos de igual modo quando vimos pela TV, em cores e em tempo presente, o mundo se terminando com o ataque ao WTC.

Sessenta anos depois – os americanos são ainda donos do mundo. Talvez um exagero, mas o “talvez” eu mantenho.

Sessenta anos depois – nossa reverência ainda é imensa.

Sessenta anos depois – nossa submissão é igual.

22 de novembro de 1963. 


XVI

Localizando 1963...

... Presidente João Goulart decreta três dias de luto no Brasil.

Leonel Brizola governava o RS.

José Mandelli Filho é o prefeito de Erechim. 

Pedro Alexandre Zaffari o vice. Ambos do PTB.

Segundo o Anuário Estatístico do Brasil, Erechim tem 65.972 habitante. É o 13º município em população no Estado. 

Incêndio destroi a parte de madeira do Colégio São José.

Falta um ano para inauguração oficial do então Colégio Mantovani.

Vereadores fixam 11 cadeiras no Legislativo.

Quarenta e dois candidatos à vereança.

18.922 erechinenses comparecem às urnas.

Lançada a pedra fundamental da CEF.

Equipe do Atlântico "massacrada" em Passo Fundo.

Nome oficial: "Escola Técnica Industrial Dr. Salvador Caruso MacDonald".

Fortes chuvas e águas invadem casas e firmas na cidade.

Instalado primeiro telefone automático na prefeitura.

Lançado o álbum dos Beatles "Please Please My"

"All my Loving" é a música mais tocada no ano.

No Brasil explode o sucesso "Garota de Ipanema".

Filmes: "Os pássaros", O silêncio", "Oito e Meio", "Fugindo do inferno", "Deu a louca no mundo", "O leopardo", "Desprezo", "Trinta anos esta noite", "O carrasco" e "Moscou contra 007" se destacam. 

Em agosto Martin Luther King faz seu famoso discurso "Eu tenho um sonho".

Morre em junho o Papa João XXIII.

Surge o Papa Paulo VI.

Em 1963 são realizados quatro atlangas.

Time base do Atlântico: Paulinho (Popy); Osmarino, Carlos (Pedro Celso), Noronha e Sebastião; Zé Carlos e Assis; Tomasi, Cardoso, Índio e Carioca.

Time base do Ypiranga: Edgar; Ênio (Luiz Carlos) Garcia, Winitu e Bira; Cláudio e Clóvis; Butiaco, Amarelo (Bolívar), Meia Noite e Manequinha.

Curiosidade: Aeroporto Comandante Kraemer registra 119 pousos em um mês. Voos de carreira. Som, você leu certo: 119 voos em 1963 em Erechim. 


XVII

22 de novembro de 2023.

Nada mudou? Tudo mudou - e quase nada mudou.  Hoje não há mais cercas de madeira para pular no Atlântico e nem tem mais campinho de terra. Lá agora jogam futsal e tênis. Nadam em piscinas cobertas e ao ar livre. Os amigos se dispersaram. A alfaitaria do meu pai fechou. Ele se foi em 1998. A mãe não me chama mais. Também se foi. Quem sabe – não tenham se juntado a John Kennedy e a quem o matou. O suposto/único atirador também foi morto. Tomara que “Lá em Cima” a história tenha sido esclarecida. E para contrapor à surpreendente, impactante e violenta retirada de Kennedy do cenário mundial na expectativa de um "e agora - o que vai acontecer?", observa-se a cada década, a cada ano, a cada dia - o homem provando a si mesmo, numa crescente exponencial que ele é essencialmente "personalista". O homem é um ser imprevisível. Intolerante. Agressivo. Incorporou a barbárie. Rouba, logra e mata por um celular. Não tem compaixão. Perdeu a civilidade. Mata os animais, destrói o meio ambiente, polui o ar, os rios, o mar. Drena banhados e aterra desavergonhadamente nascentes. Promove queimadas e derruba tudo que pode. O homem pensa no hoje. No agora. Em si só. Não considera seus netos. Dinheiro?  Terra? Poder? Isso troca de mãos. Olha os impérios soterrados pelo tempo. No geral o mundo dos homens é um bêbado cambaleante. Cai, levanta, anda uns passos inseguros, cai de novo e se vai incógnito - achando que está certo. Avança nas ciências e tecnologias, mas pouco se relaciona humano. Troca o fuzil atribuído a Lee Harvey Osvald por facões, metralhadoras e mísseis. Pedras e paus. Olhando o panorama mundial - parece que 22 de novembro de 1963 é hoje e caminha potencialmente para ser ainda mais, amanhã.

XVIII

Sessenta anos depois dos tiros que abalaram ou até, de certo modo mudaram o mundo em Dallas, amor e ódio se estendem tempo afora como dois trilhos de uma via férrea, aparentemente, sem fim. Seria este mais um recorte do homem sobre a terra que caminha para o precipício - para deixar outro modelo de convivência vir e se instalar? Quem regula isso? - por que o planeta não admitirá este estado de coisas se é que há mesmo Divindades de convivência fraterna, civilizada e amorosa. A natureza dá sinais de perder a paciência. Dentre tantas coisas que já ouvi, uma delas começa a fazer sentido: "Não fosse o homem, o mundo seria perfeito". Este homem que vem se revelando que, aparentemente, gostaria mesmo é de carregar tudo que pode e recolher-se à sua caverna e lá saborear, isolado, a razão única - a sua razão. Mas hoje é um dia de reflexão séria: 22 de novembro de 1963. "Pai, pai - mataram o Kennedy!". Como a vida passa depressa! 


 




domingo, 19 de novembro de 2023

Quem achou minha "japona"!?

 


 

1

Sim, eu sei. Você também já perdeu cada coisa!

Aliás, desde o minuto quando chegamos a este mundo, sabe-se de antemão que o nosso futuro é certo: vamos ter uma grande perda no fim de tudo. Um dia vamos perder a vida que recebemos.

 

No final da tarde de um domingo em mil novecentos e outubro – quando cheguei em casa, descobri que nem todo o fim de domingo precisa ser necessariamente – um poço de melancolia.

 

- Aonde é que tá tua “japona!? (japona era o termo popular usado na década de 1960 para jaqueta. Trata-se de um acessório de roupa para o inverno). Quem viveu aqueles anos sabe; e quem não teve uma "japona"? Era a ante-sala ou o ante-roupeiro do "sobretudo", este sim, para o pior frio. Mas "sobretudo" era vestimenta de adulto pra fora.

2

"Santa Mãe de Deus! Aonde é que estava a minha "japona" ?! – só pode ter ficado no cinema!?".

Era nova e tão valorizada que meu pai voltou comigo ao cinema. Até hoje não sei como conseguimos entrar de novo no Cine Ideal naquele mesmo fim de tarde de domingo. Estava sentado na parte de cima. e nada, nada e nada.

3

Eu me lembrava: tinha tirado a bendita, dobrado e colocado na cadeira. Sentei em cima dela. Numa daquelas remexidas na torcida pelo Tarzan – a jaqueta, digo a "japona", deve ter escorregado e caído debaixo da cadeira. Eram aquelas cadeira de abaixar o assento e entre o mesmo e o encosto ficava uma brecha. Fim de filme – feliz e aliviado com a vitória do bem sobre o mal, esfreguei os olhos e me fui. Não sentia frio e nem me lembrava de mais nada. Sabe lá Deus quem a achou, e aonde foi dormir!?

 

É evidente que eu podia dar adeus tia Chica à “japona”. Ou seja – já naquele tempo o jargão popular “achado não é roubado” estava vivo.

4

Outra vez, também depois de uma matinê no Ideal ou no Luz, não lembro, mas – perdi o guarda-chuva.

É incrível como naqueles anos de mil novecentos e outubro – 1962 ou 1964 -, pois era impressionante como naqueles tempos a gente ia ao cinema! Só hoje percebo isto! Hoje... não se perde mais nada, muito menos guarda-chuvas nos cinemas. Quase nada se perde e pouco se vai a cinema em Campo Pequeno - uma pena. Mas também... os filmes vão à nossa casa!

De lá pra cá são novos tempos. 

Até "japona" virou jaqueta e vai saber quem instituiu o termo daqueles anos inesquecíveis - até eles -, perdidos no tempo.

 

De lá para cá perdi blusas, provas, dinheiro, calota de carro, chuteiras, rádios, pentes, fotos, chinelos, discos, livros, amizades, canetas, documentos, decisões - até ônibus eu perdi.

Perdi familiares, parentes, amigos e namoradas.

Quem é que já não "perdeu a cabeça?!".

5

É incrível como as pessoas perdem coisas.

Se bem me lembro, naqueles tempos de guri, às segundas-feiras, era dia de vasculhar debaixo do pavilhão de madeira e depois no de concreto da Baixada Rubra (estádio demolido do Atlântico) e procurar dinheiro, carteiras, pentes, cigarros... que haviam perdido na domingueira de futebol no Atlântico. Afinal "todo mundo" sempre alguém perde alguma coisa! E se alguém perde porque não se colocar a "achar"?

 

Na caixinha de lembranças de cada um de nós, as mais exóticas perdas se acumulam ao longo dos anos.

6

Ainda bem que o mundo tem também lá os seus achados: a prótese é um bom exemplo. As vacinas outro. Na tecnologia então nem é bom entrar. Às vezes achamos até o que alguém perdeu como foi esse caso da minha antiga "japona". Hoje em dia se eu perder uma daqueles ninguém vai saber, pois podem até confundir o termo que no caso aqui não passa de uma fotografia do vocabulário, sobre o significado de determinadas palavras naquela época. 

Só sei que para distração ainda não tem remédio.

 


quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Marinho Peres no Inter

 

Marinho Peres no Inter (Foto/divulgação)

Era um fim de tarde.

Não recordo com exatidão mas parece que era fins de 1975. Eu estava na  redação de noticias da Rádio Difusora – atual Bandeirantes em Porto Alegre. Minha função era redigir o Jornal da Manhã do dia seguinte. Eu e o Eduardo Bueno (Peninha). Trabalhava das 17 às 22 horas.

Além do telex pelo qual vinham as noticias das agências, tínhamos o hábito de ouvir a Rádio Guaíba que na época era uma espécie de fonte de notícias de outras rádios da capital.

Pois, de repente a Guaíba anuncia uma noticia em primeira mão: o Internacional acabara de contratar o quarto-zagueiro Marinho Peres, junto ao Barcelona.

A Guaíba fez um contato com o diretor de futebol do Inter, Arthur Dallegrave, que estava em Barcelona e coube a ele anunciar a contratação. Imagina – Marinho faria companhia a Figueroa. O Marinho que fora capitão da seleção brasileira em 1974.

Marinho teria vindo a pedido do técnico Rubens Minelli que, segundo se especulava, via no atleta a peça que faltava para introduzir no Inter (e talvez no futebol brasileiro) o comando da linha de impedimento. Além disso, Marinho Peres por ter dupla cidadania teria de prestar serviço militar na Espanha e isso ele não queria, porquanto poderia atrapalhar sua carreira. Li hoje que ele então teria feito contato com o técnico do Inter dizendo que ouvira que o Inter teria interesse em contratá-lo. E foi o que aconteceu.

O resto da história todo mundo sabe. Foi um sucesso.

 A “espinha dorsal” do Inter tinha então Manga, Figueroa, Marinho Peres, Caçapava (depois Batista), Falcão, Paulo César (Carpegiani) e Flávio (depois Dario).

Às 10 da noite quando peguei o Caldre Fião no Morro Santo Antonio e fui descendo em direção ao centro, pensei comigo mesmo – o Inter é quase uma seleção. E o tempo confirmou. Era mesmo.

Esta semana Marinho Peres faleceu aos 76 anos.

Deixou uma história de exemplos, inovações em sua posição (comandava a linha de impedimento, quase não fazia faltas e era muito inteligente), além de muitas conquistas. Foi um dos grandes zagueiros da história do Inter, do Barcelona e do futebol brasileiro. Esteve com o erechinense Paulo César (Carpegiani), ambos do maior Inter de todos os tempos na seleção de 74.

Importante observar ainda que, mais tarde, na condição de técnico de futebol, Marinho Peres emprestou sua inteligência e ensinamentos a várias equipes do futebol brasileiro e a clubes de pelo menos três países. 

São lembranças que contrapondo aos tempos de hoje - sinto muita saudade, como jornalista, apreciador do futebol e torcedor do Internacional.

terça-feira, 5 de setembro de 2023

De incêndios e solidariedade

 

 

Reprodução do Livro dos Atlangas/Fonte: A Voz da Serra/divulgação

    @ Aonde você estava há exatos 60 anos? 


- I -

 

   Quando gritaram que havia um incêndio no centro da cidade, todos correram para as janelas.

 

   Estava eu no 8º andar na Assembleia Legislativa. Se não me engano era 1976?!

 

   Talvez entre uma e duas horas da tarde.

 

   Da janela, o pavor; que se via lá pelos lados do mercado público ou mais à direita?!

 

   - Está queimando a Renner, alguém gritou.

 

   Rádios ligados na Guaíba e já transmitiam.

 

   Teria eu lá meus 23, 24 anos!

 

   Aquilo me lembrou o ‘fogo do Paraná!’.

 

   Aliás, sempre que se falava ou presenciava um incêndio, eu lembrava do ‘fogo do Paraná!’.

 

 - II -

 

   Em 1963 – houve um grande incêndio no Paraná.

 

   A televisão brasileira ainda engatinhava e o que as rádios noticiavam é que o fogo se fazia fora de controle e a cada dia o medo dentro da gente ia crescendo.

 

   Por aqui se comentava, não sei se para brincar ou amedrontar, ou apavorar; que as forças civis já não tinham mais como controlar o fogo que engolia matas, lavouras, localidades e todo mundo estava fugindo.

 

 - III -

 

   Tinha eu meus 10 anos e poucas vezes me lembro nesta vida, de ver meus medos cederem lugar ao pânico.

 

   Era questão de dias: o fogo comeria o Paraná e já estaria batendo em Santa Catarina que era mais estreito – olhem, só no mapa -, e daí seríamos nós. Seria a nossa vez.

 

   Correr para onde – depois de nós, o Uruguai (país) – mas e depois! Olhem, só no mapa!

 

   Ninguém, absolutamente ninguém escaparia do ‘fogo do Paraná’!

 

 - IV -

 

   O Uruguai, sim, talvez ele, o velho e bom rio Uruguai, que era quase um ‘mar’ de tão largo aos meus olhos infantis, talvez ele pudesse, só ele, ali em Marcelino Ramos, deter o ‘fogo do Paraná’ e nos salvar.

 

   ‘Mas não adianta: o fogo era tão grande, as explosões jogavam brasas a muitos metros de distância e é quase certo que nem o rio Uruguai iria segurar o fogo. E ainda mais que tinha a ponte... e havia o estreito. Por um ponto do Uruguai mais estreito, ah, o estreito, ali o fogo do Paraná iria me encontrar. Aiaiaiaiaiaiai – Minha Mãezinha do céu!

 

 - V -

 

   Nossa Senhora de Fátima – quantos rosários deveríamos devorar para impedir que aquela tragédia se consumasse! Será que a vida acabaria assim – tão sem alternativa?

 

   E Erechim, Santo Deus, ainda se Erechim tivesse bombeiros!

 

   Lá em casa, na frente do Mantovani, conferia todas as noites onde estava a magueira e torneira, e se havia água.

 

   Era na escola, era na mesa do almoço de casa, era com os amigos à tarde, era na igreja, era na Baixada Rubra – e sempre o ‘fogo do Paraná’ estava na conversa.

 

   Quantos pais jogavam as culpas nas crianças pelas suas artes, e por isto ou aquilo, é que o ‘fogo do Paraná’ saíra de controle e vinha agora, castigar a todos sem distinção, queimar tudo e a todos, independente de quem era bom ou desobediente, rico ou pobre.

 

   O fogo do Paraná não queria nem saber quem era do Atlântico ou do Ypiranga.

 

   Da Escocesa ou da Marcial.

 

   Do PTB ou da UDN.

 

   Do Comércio, do Atlântico ou do Caixeiral.

 

 - VI -

 

   Não se dormia sem dobrar o joelho ao lado da cama e sem antes rezar com o fervor que ferve no centro de todos os incêndios – para que o ‘fogo do Paraná’ não viesse para Erechim – primeira vizinha de Santa Catarina.

 

   Na madrugada do dia 5 de setembro de 1963 - hoje, 60 anos -, escapei da morte abatido por susto: ‘Olha o fooooooooogo!’ – gritou meu pai da soleira da porta dos fundos da nossa casa ali perto do Mantovani, às 6 horas da manhã.

 

   Todos pularam das suas camas ao mesmo tempo e quando vi que o clarão ruborizado no céu eu acreditei pela primeira na vida, que a vida tinha fim, e que a morte vinha vindo ali por detrás do Hospital de Caridade.

 

 - VII -

 

   ‘Santa Mãe do Céu – é o fogo do Paraná!’, acho que fui eu que gritei, ou gritamos todos.

 

   E era.

 

   Não havia como considerar que podia ser mentira.

 

   Não tinha como desacreditar do que se podia ver.

 

   Não. Não, ninguém estava sonhando nada. Era pura verdade: estouros e labaredas, o horizonte pintado de clarão e fogo. As chamas estavam vindo – comendo tudo pela frente.

 

   Era o fogo do Paraná, que incrivelmente, chegara.

 

   Sim, ele tinha transposto o velho e bom rio Uruguai, fizera a volta pelo sul e agora vinha vindo de volta para nos pegar ali perto do Atlântico.

 

   Certamente do aeroporto, para o São Cristóvão, para a avenida Sete, para o Caridade e agora nos pegaria ali no Mantovani, no Atlântico... e depois queimaria Três Arroios, Sede Dourado... meus avós, tios... tudo!

 

   Era o fim do mundo e dos tempos chegando em fogo, como certa feita, veio travestido de dilúvio.

 

 - VIII -

 

   As Ave-Marias e o Pai-Nossos se misturavam e não se concluíam em reza alguma.

 

   Nada se concatenava, nada era organizado.

 

   Gritos de incredulidade e o pânico eram nós mesmos em carne e osso, e em cada um. O fogo estava ali, gigantesco, e vinha engolindo casa por casa!

 

   Meu pai ligou o rádio e a voz mais grave do Tramontini logo anunciou: ‘pavoroso incêndio irrompeu há instantes no Colégio São José... está fora de controle. O sinistro começou pela parte de madeira... Um caminhão de uma empresa particular está puxando água. Centenas de erechinenses estão ajudando com mangueiras e até com baldes. As chamas erguem-se a dezenas de metros. O sinistro é dos mais pavorosos...’ acho que foi mais ou menos isto...!

 

 - IX -

 

   Nossa Senhora de Fátima, Rogai por Nós. Nossa Senhora de Fátima, Ro... ro... Nosssssa Senhora de Fáááátimmma... Tende Piiieeedaaadeeeee de Nóóóssssss – Para que todas as Promessas de Cristo...!

 

   Não, não era o ‘fogo do Paraná’ – mas era o Colégio São José – a parte de madeira que estava queimando... ‘e o sinistro só não se alastrou porque foi impedido por uma parede de alvenaria...’, diria mais tarde o jornal A Voz da Serra. ‘Graças e Louvores se deem a todo o momento/Ao Santíssimo e Diviníssimo Sacramento. Graças e Louvores se deem a todo...’!

 

 - X -

 

   Ninguém teve aulas naquele dia.

 

   À tarde, nunca descobrirei como, eu fazia parte de uma ‘comissão’ que buscava livros que foram salvos lá no São José e levava tudo de camionete, ou de Vemaguete, ou nos braços mesmo, até as salas que abriram espaço no Mantovani, quase concluído. Tudo ia para uma pilha e outros iam separando.

 

   As aulas das 1.200 alunas do Colégio das Irmãs foram dadas por semanas, meses... até 1964, lá no Mantovani, no Medianeira e no Industrial.

 

   O padre Tarcísio Utzig era o presidente da Comissão Central – formada na cidade -, para reconstruir um novo ‘Colégio das Freiras’ – um novo São José. Oscar Abal era o vice.

 

   Havia quase uma dezena de comissões pró-reconstrução.

 

   O prefeito José Mandelli Filho comunicou ao governador. Ildo Meneghetti mandou disponibilizar as escolas públicas.

 

   A Voz da Serra vociferou com seu papel de imprensa: ‘... e onde estão os bombeiros de Erechim? A população que paga a taxa....’.

 

 - XI -

 

   Poucas vez vi nestes meus anos, e só hoje me dou conta disso, poucas vezes vi e senti tamanha solidariedade. Era como se a cidade tivesse pegado fogo e perdera um pedaço de si.

 

   E não era?!

 

   Nunca mais ouviria falar no ‘fogo do Paraná!’.

 

   Será que ele existiu mesmo?!

 

   O que consumiu a parte de madeira do São José existiu. O meu pânico foi inesquecível naquela longínqua aurora de 5 de setembro de 1963.

 

   A solidariedade nasceu e fortificou-se para mim, diante dos meus olhos, também naquele dia e nos dias sequenciais.

 

   Como é bom descobrir que podemos ajudar, e como é gratificante nutrir um sentimento de que, no fundo de tudo, estamos todos no mesmo barco, navegamos sobre o mesmo mar e sonhamos com um porto seguro mais ou menos parecido.

 

 - XII -

 

   Todas as vaidades se desmancham e evaporam um dia, pois no centro de todas as razões somos todos por ventos favoráveis, e também todos, nos regozijamos quando a terra firme se permite à nossa vista.

 

   Os sinistros, as tragédias também têm este poder.

 

   Quase sempre, para nos devolver às nossas limitações, à nossa pequenês e finitude, enfim, à nossa igual origem, e igual fim, às vezes nos é cobrado um bem precioso.

 

       5 de setembro de 1963. 

      60 anos do incêndio do Colégio das freiras. 

      60 anos – do fim do ‘fogo do Paraná’ no meu arquivo de pânicos.

 

 

quinta-feira, 17 de agosto de 2023

De “Pedruka’s” e 99 anos do Ypiranga F.C.

 

 


Neste dia 18 de agosto o Ypiranga F.C.  completa 99 anos. Trata-se de uma história muito rica do futebol local para os padrões de Erechim. Hoje é um clube que encontra-se na série “C” do campeonato brasileiro.

Há poucos dias fui procurado pela senhora Elvira Pungan Tafernaberry. Ela é esposa de João Pedro Tafernaberry, Pedruca – o maior camisa nove que eu vi jogar no Ypiranga ao longo do tempo que acompanho futebol.  Pois a esposa do craque deseja prestar uma homenagem ao seu filho Carlos Miguel que está de aniversário neste dia 20 de agosto. Ele só não seguiu os passos do pai por causa de uma sequência de lesões.  No entanto atuou em todas as etapas das categorias de base do Grêmio sendo inclusive capitão em algumas delas. Carlos Miguel era voltante. Mas, como disse, as lesões o obrigaram a largar o futebol. Decidiu estudar e seguir outras carreiras, com sucesso, como é descrito mais adiante em um texto da própria mãe.

Vislumbrei no contato com a senhora Elvira, uma forma de homenagear a família do Pedruca, seus filhos (em especial o aniversariante Carlos Miguel) e os 99 anos do clube. Do casal João Pedro (Pedruca) e Elvira vieram quatro filhos – Carlos Miguel, Juliana Cássia, Ederaldo Marcelo e Karen Luciana (in memorian) e cinco netos. João Pedro (filho de Carlos Miguel), Karin Cristina e Eduardo Gabriel (filhos de Juliana) e Leônidas (in memorian) e Laís (ambos filhos de Marcelo).

Retomando ainda sobre o grande Pedruca. Nascido em Uruguaiana, iniciou jogando pelo Rio-Grandense de Santa Maria, passou pelo Cruzeiro (POA), teve uma rápida passagem pelo São Paulo (SP) e veio para o Ypiranga nos anos 1960.  Considerando os gramados de hoje, a medicina, a preparação física, a fisiologia, enfim, tudo que cerca um jogador de futebol – entendo que Pedruca teria condições de jogar por um clube da série “A”. Ele era atacante, mas sabia armar, finalizava com as duas pernas e tinha um porte físico de muita força. Embora não sendo um jogador alto - era dono de uma impulsão fora dos padrões normais com ótimo tempo de bola para o cabeceio. Pedruca era, em última análise, aquele tipo de jogador decisivo. 

Mas – a par do aniversário do clube neste dia 18 -, vejamos as palavras da senhora Elvira para o seu filho Carlos Miguel que aniversaria dia 20.


Carlos Miguel, filho de Pedruca, no Grêmio aos 15 anos. Foto: Arquivo de Família.

“Hoje ao acordar lembrei-me da querida Erechim pela qual tomei mais do que gosto – amor. E, lembrei-me que em não podendo estar junto do Carlos Miguel no dia do seu aniversário, poderia deixar uma mensagem para ele. Lembro que estudava no Colégio Medianeira pela manhã e, à tarde quando terminava as tarefas corria para o campinho jogar futebol. Às vezes ligava para o Marcelo seu irmão menor onde jogavam juntos. O objetivo era ser uma espécie de “Os Pedruka’s”.

Aos 13 anos, sempre incentivado pelo pai, foi para o Grêmio fazer teste nas categorias de base. Aprovado – jogou pelos infantis, juvenis e juniores. Por sua natural condição de líder – inúmeras vezes foi capitão dos times nessas categorias. No entanto, quis o destino, que o Carlos Miguel acabasse convivendo com uma série de lesões levando-o a abandonar os gramados. Uma pena, pois ele tinha todas as condições de tornar-se um grande jogador – como o seu pai foi.

Formando em Administração de Empresas na PUC, iniciou-se em outras atividades. Concluiu também o curso de Direito iniciado em Erechim e formado em Vacaria.  Atualmente o Carlos Miguel exerce sua função como servidor público no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) em Estrela. Ele é casado com Andréa, professora, e tem um filho que leva o nome do avô João Pedro Tafernaberry. Muito adoentado, o vovô Pedruca não teve tempo de esperar pelo netinho e partiu exatamente um mês antes do nascimento – em 1º de fevereiro de 2016.

Quero dizer que me orgulho de todos da minha família. Do meu marido, o Pedro (Pedruca que nos deixou há oito anos), dos nossos três filhos e cinco netos. Desejo um feliz aniversário ao Carlos Miguel e perdoe não poder estar aí nessa data.  Que Deus proteja a todos eles”.

A par desta mensagem, me associo aos cumprimentos. Para o Carlos Miguel que conheci desde pequeno e ao clube Ypiranga – este de aniversário neste 18 de agosto e o primeiro, domingo, 20. Como se percebe claramente, Carlos Miguel tinha tudo para seguir os passos do pai, e quem sabe ir até mais longe – mas foi vitimado pelas lesões. Menos mal que amparado numa sólida formação familiar, encontrou outro caminho onde pode manter sua família e também sentir-se realizado.

Ao Ypiranga F.C. que depara-se com seus 99 anos fechando a sétima tentativa de subir para a série “B” do campeonato brasileiro, resta a convicção de uma história de muitos desafios superados enquanto time de futebol e, especialmente, enquanto entidade esportiva que aprendeu a conviver com reveses e também a superá-los.

Não há por que lamentar mais uma tentativa de não alcançar seu objetivo maior, a série “B”. Tenho para mim que um clube de futebol depende de inúmeras outras variáveis, que há bom tempo, a cidade de Erechim não consegue atender e que são essenciais para a concretização mais viável do sonho ypiranguista.

Pedruca em 1967 no Ypiranga

Por fim uma última observação: os aniversários e datas deste gênero não servem apenas para comemorar como se um objetivo fosse alcançado – mas, deveriam servir; sobretudo, para celebrar a história, a caminhada diária das mesmas, onde desafios, decepções, tropeços, conquistas, tristezas e alegrias se conjugam. A caminhada – esta é a vida. 

Então – Parabéns Ypiranga F.C., parabéns ypiranguistas, parabéns Carlos Miguel. E parabéns, por que não à senhora Elvira – que sente-se honrada com o legado que continua sua caminhada por todos de sua família – uma espécie de eternos “Pedruka’s” dentro ou fora dos gramados, alcunha que imortalizou-se no camisa “9” do clube das cores nacionais na década de 1960.

Nove vez fora temos então os 99 anos do Ypiranga lembrando do seu maior "9".