quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Que o Coelhinho seja por Campo Pequeno!





I
Bota prestou serviços por meses e anos e ia tudo bem. Trabalho prestado – salário pago. E aí estava também o material que o bairrista observador erechinense usava. E eis que um dia o dinheiro do pagamento não pingou na conta de Bota. Ele estranhou, mas não estrilou. Baixou a cabeça e continuou trabalhando, embora no seu bolso faltasse alguma coisa e em casa a mulher e os filhos queriam saber o que acontecera.

II
Bota pedia à esposa que tivesse calma, afinal a oportunidade da vaga era uma dádiva em terreno tão duro. Humilde, nem sequer lembrou à cônjuge que se esforçara por anos e anos para merecer o serviço. E assim, de cabeça baixa focou no trabalho, até por que, agora, Bota era um homem que lidava com a saúde das pessoas. Cuidava da vida de quebrados, alquebrados, doentes, desenganados, sofridos, maltratados pela má sorte – pelo infortúnio. E, ora bolas, um novo fim de mês estava por vir e então... bingo!

III
E como na Bolívia ou no Reino Unido, em Ushuaia ou Kandahar, em Washington ou em Cuba – um outro fim de mês chegou. Bota correu para ver seu saldo, pois já contava com o segundo mês e os atrasados pagos. Mas, surpreendentemente, assim como quando dava más notícias a alguns pacientes – seu dinheiro uma vez mais não chegara.
Che de Deus! – gritou engolindo antes que explodisse. Ficou vermelho como só as bandeirolas em estrela, de outrora, em certa geografia do planeta – tremulavam.
O que haveria de dizer desta vez em casa?
E a viagem a Miami, o giro à Europa, o passeio das crianças à Disney?
Claro que tudo seria honrado, afinal, Bota não era nenhum profissional da saúde exportado por Cuba – mas para tanto teria que mexer nos seus capitais que achava intocáveis, ao menos, em curto prazo.

IV
Dizem as más línguas que o primeiro pagamento não transferido correspondia a outubro. O segundo, óbvio, a novembro e, í... no Natal, sim no Natal, Papai Noel, que jamais esquece de alguém, traria tantos presentes, mas tantos que entre os quais estaria a reposição dos atrasados.

V
Nos corredores dos médicos não cubanos as caras já eram de nervosismo. Bota, único no plantão, sempre que tinha um segundo de folga pensava: ‘me comprometi juramentado com Hipócrates, mas se não vir com o Papai Noel serei o próprio (hipócrate-s)’. E isto corria nas veias junto com o sangue, e, cá para nós, nada mais justo. Era de se admirar que continuassem auscultados por Bota no seu ofício sem ver a cor de um vintém.

VI
Mas, e o que poder-se-á dizer, (se é que a situação ainda persiste), dos que não eram médicos não cubanos, mas profissionais degraus mais abaixo deste, mas sempre imprescindíveis à saúde da população daquela determinada geografia planetária? Eles que ganham ‘uma Campo Pequeno’ a menos que os médicos não cubanos estariam dizendo o quê? - às suas esposas, aos seus maridos, aos seus filhos, aos seus pais... à bem da verdade consta que até este mês, eles, escaparam à surpresa. Mas haveria um novo fim de mês, afinal, os dias ruins também passam. E havia – claro, o plus do Natal.

VII
Quando os sinos badalaram anunciando que Cristo nascera outra vez para redimir os homens e este mundo, sob certo olhar, imundo, quando Papai Noel chegou trazendo pacotes, e abrindo um sorriso que convencia crianças e idosos, Bota colocou-se de pé e ergueu a cabeça: os dois meses em atraso e o último do ano lhe dariam mais felicidade que receber da forma tradicional, porquanto, de outra sorte, além de quitar a dívida e fazer justiça ao trabalho prestado e material utilizado em prol da vida de outros – ainda sararia a ferida que já se revelava purulenta a partir de chefes maiores ‘made in Piratini’.

VIII
Mas e se Papai Noel esquecesse... sim, o fim do ano, o ano novo – aí sim a redenção e a paz se fariam e tudo voltaria como acordado fora e sempre se cumprira, até a infeliz, não infeliz é pouco, até a desastrosa, não, desastrosa também é pouco, até a trágica decisão de acabar com um modelo que consorciava as despesas e dividia de forma equânime e justa os procedimentos... procedidos; com o aval do rei daquele tempo de Campo Pequeno. Bota diverge do termo rei, afinal não estamos numa Monarquia, mas logo se conforma quando busca num passado nem tão distante, que Campo Pequeno já entronara outro eleito, e que logo foi alçado a rei. Logo, por que não – quem veio depois que também assim seja, o que é uma honra. E melhor curvar-se a rei que a um comum.

IX
Mas enfim, o ano se precipitaria de encontro ao seu próprio fim e um novo ano se fez. Antes que os foguetes espocassem em Campo Pequeno, médicos não cubanos e fornecedores correram para conferir o pagamento do último mês de 2014, a quitação atrasada de outros dois meses. Que nada! Papai Noel já fora visto na Noruega e babaus rico dinheirinho.
Stalin! Que m.? - se alguém ouviu que não duvide. Nesse meio tempo um novo sol se abriu sob anúncio de decreto de corte de gastos.
My god – e agora?

X
Assim que o sol foi subindo, correram para Poa explicar que não dava mais para segurar e que a injustiça fosse reparada quitando-se os débitos com a Casa de Saúde que não atendia mais só os necessitados de Campo Pequeno, mas de outros municípios, como Polis II consentira num agosto de ano 13 - em atenção a pedidos dos executivos públicos de 31 comunas, ao que, Piratini, abraçara com os dois braços. (Quanto 1 e 3, 3 e 1. Seria um sinal!?). Qual a significância desse gesto altruísta, ninguém, rigorosa, absoluta e verdadeiramente ninguém consegue descobrir, muito menos supor ou sequer desconfiar. Benemerência ‘federal’ – protagonizada por um estado, numa região, num município que suportaria tudo, com as costas e as mãos de outros; pelo que narra a história até o dia de hoje – 30/1.

XI
Mas o empreendedorismo de afiliados a quem agora em Palácio na ‘capita’ obteve algum êxito. Voltaram por duas vezes com alguns milhares que aplacaram a justa reivindicação de médicos não cubanos da Casa de Saúde e fornecedores, por serviços prestados e materiais entregues. Resta uma dívida de R$ 4,7 milhões. Bota – fiel a Hipócrates não largou porque acredita que com o novo sol, o clima deve melhorar e com ele, surgir um novo ânimo. Nesse tempo que precede a Porta de Dante, ao menos os funcionários da Casa de Saúde que prestam serviços à saúde de 32 comunas, não ficaram sem seus dinheiros num esforço sabe-se lá a que custo. Agora, por que Campo Pequeno sucumbiu tão passivamente à pressão dos demais 31 municípios é que são elas. Não existem dinheiros públicos. Existem dinheiros das pessoas através de seus impostos, taxas, etc.!

XII
Rafael Ayub – diretor Executivo da Casa de Saúde (que vem dando a cara à tapa) disse que ‘à época parecia uma boa opção’, mas ela se revela agora desastrosa e poderá assumir contornos trágicos. Poderá!

XIII
Já que Papai Noel deitou a barba e sumiu sem o presentão (justo); que o Coelhinho da Páscoa, logo depois do 1º de abril, seja por Campo Pequeno. ‘Coelhinho da Páscoa o que trazes pra mim? Um ovo, dois, três ovos assim! Um ovo...’. Não, um não adianta. Tem que ser os três!