I
Bota
prestou serviços por meses e anos e ia tudo bem. Trabalho prestado – salário
pago. E aí estava também o material que o bairrista observador erechinense
usava. E eis que um dia o dinheiro do pagamento não pingou na conta de Bota.
Ele estranhou, mas não estrilou. Baixou a cabeça e continuou trabalhando,
embora no seu bolso faltasse alguma coisa e em casa a mulher e os filhos
queriam saber o que acontecera.
II
Bota
pedia à esposa que tivesse calma, afinal a oportunidade da vaga era uma dádiva
em terreno tão duro. Humilde, nem sequer lembrou à cônjuge que se esforçara por
anos e anos para merecer o serviço. E assim, de cabeça baixa focou no trabalho,
até por que, agora, Bota era um homem que lidava com a saúde das pessoas.
Cuidava da vida de quebrados, alquebrados, doentes, desenganados, sofridos,
maltratados pela má sorte – pelo infortúnio. E, ora bolas, um novo fim de mês
estava por vir e então... bingo!
III
E como na Bolívia ou no
Reino Unido, em Ushuaia ou Kandahar, em Washington ou em Cuba – um outro fim de
mês chegou. Bota correu para ver seu saldo, pois já contava com o segundo mês e
os atrasados pagos. Mas, surpreendentemente, assim como quando dava más
notícias a alguns pacientes – seu dinheiro uma vez mais não chegara.
Che de Deus! – gritou
engolindo antes que explodisse. Ficou vermelho como só as bandeirolas em
estrela, de outrora, em certa geografia do planeta – tremulavam.
O que haveria de dizer
desta vez em casa?
E a viagem a Miami, o
giro à Europa, o passeio das crianças à Disney?
Claro que tudo seria
honrado, afinal, Bota não era nenhum profissional da saúde exportado por Cuba –
mas para tanto teria que mexer nos seus capitais que achava intocáveis, ao
menos, em curto prazo.
IV
Dizem as más línguas que
o primeiro pagamento não transferido correspondia a outubro. O segundo, óbvio,
a novembro e, í... no Natal, sim no Natal, Papai Noel, que jamais
esquece de alguém, traria tantos presentes, mas tantos que entre os quais
estaria a reposição dos atrasados.
V
Nos corredores dos
médicos não cubanos as caras já eram de nervosismo. Bota, único no plantão,
sempre que tinha um segundo de folga pensava: ‘me comprometi juramentado com
Hipócrates, mas se não vir com o Papai Noel serei o próprio (hipócrate-s)’. E
isto corria nas veias junto com o sangue, e, cá para nós, nada mais justo. Era
de se admirar que continuassem auscultados por Bota no seu ofício sem ver a cor
de um vintém.
VI
Mas,
e o que poder-se-á dizer, (se é que a situação ainda persiste), dos que não
eram médicos não cubanos, mas profissionais degraus mais abaixo deste, mas
sempre imprescindíveis à saúde da população daquela determinada geografia
planetária? Eles que ganham ‘uma Campo Pequeno’ a menos que os médicos não
cubanos estariam dizendo o quê? - às suas esposas, aos seus maridos, aos seus
filhos, aos seus pais... à bem da verdade consta que até este mês, eles, escaparam
à surpresa. Mas haveria um novo fim de mês, afinal, os dias ruins também
passam. E havia – claro, o plus do Natal.
VII
Quando os sinos
badalaram anunciando que Cristo nascera outra vez para redimir os homens e este
mundo, sob certo olhar, imundo, quando Papai Noel chegou trazendo pacotes, e
abrindo um sorriso que convencia crianças e idosos, Bota colocou-se de pé e
ergueu a cabeça: os dois meses em atraso e o último do ano lhe dariam mais
felicidade que receber da forma tradicional, porquanto, de outra sorte, além de
quitar a dívida e fazer justiça ao trabalho prestado e material utilizado em
prol da vida de outros – ainda sararia a ferida que já se revelava purulenta a partir de chefes maiores ‘made in Piratini’.
VIII
Mas e se Papai Noel
esquecesse... sim, o fim do ano, o ano novo – aí sim a redenção e a paz se
fariam e tudo voltaria como acordado fora e sempre se cumprira, até a infeliz,
não infeliz é pouco, até a desastrosa, não, desastrosa também é pouco, até a
trágica decisão de acabar com um modelo que consorciava as despesas e dividia
de forma equânime e justa os procedimentos... procedidos; com o aval do rei
daquele tempo de Campo Pequeno. Bota diverge do termo rei, afinal não estamos
numa Monarquia, mas logo se conforma quando busca num passado nem tão distante,
que Campo Pequeno já entronara outro eleito, e que logo foi alçado a rei. Logo,
por que não – quem veio depois que também assim seja, o que é uma honra. E
melhor curvar-se a rei que a um comum.
IX
Mas enfim, o ano se
precipitaria de encontro ao seu próprio fim e um novo ano se fez. Antes que os
foguetes espocassem em
Campo Pequeno , médicos não cubanos e fornecedores correram
para conferir o pagamento do último mês de 2014, a quitação atrasada
de outros dois meses. Que nada! Papai Noel já fora visto na Noruega e babaus
rico dinheirinho.
Stalin! Que m.? - se
alguém ouviu que não duvide. Nesse meio tempo um novo sol se abriu sob anúncio
de decreto de corte de gastos.
My god – e agora?
X
Assim
que o sol foi subindo, correram para Poa explicar que não dava mais para
segurar e que a injustiça fosse reparada quitando-se os débitos com a Casa de
Saúde que não atendia mais só os necessitados de Campo Pequeno, mas de outros municípios, como Polis II consentira num agosto de ano 13 - em atenção a
pedidos dos executivos públicos de 31 comunas, ao que, Piratini, abraçara com
os dois braços. (Quanto 1 e 3, 3 e 1. Seria um sinal!?). Qual a significância
desse gesto altruísta, ninguém, rigorosa, absoluta e verdadeiramente ninguém
consegue descobrir, muito menos supor ou sequer desconfiar. Benemerência
‘federal’ – protagonizada por um estado, numa região, num município que
suportaria tudo, com as costas e as mãos de outros; pelo que narra a história
até o dia de hoje – 30/1.
XI
Mas o empreendedorismo de
afiliados a quem agora em Palácio na ‘capita’ obteve algum êxito. Voltaram por
duas vezes com alguns milhares que aplacaram a justa reivindicação de médicos
não cubanos da Casa de Saúde e fornecedores, por serviços prestados e materiais
entregues. Resta uma dívida de R$ 4,7 milhões. Bota – fiel a Hipócrates não
largou porque acredita que com o novo sol, o clima deve melhorar e com ele,
surgir um novo ânimo. Nesse tempo que precede a Porta de Dante, ao menos os
funcionários da Casa de Saúde que prestam serviços à saúde de 32 comunas, não
ficaram sem seus dinheiros num esforço sabe-se lá a que custo. Agora, por que
Campo Pequeno sucumbiu tão passivamente à pressão dos demais 31 municípios é
que são elas. Não existem dinheiros públicos. Existem dinheiros das pessoas
através de seus impostos, taxas, etc.!
XII
Rafael Ayub – diretor
Executivo da Casa de Saúde (que vem dando a cara à tapa) disse que ‘à época
parecia uma boa opção’, mas ela se revela agora desastrosa e poderá assumir
contornos trágicos. Poderá!
XIII
Já que Papai Noel deitou
a barba e sumiu sem o presentão (justo); que o Coelhinho da Páscoa, logo depois
do 1º de abril, seja por Campo Pequeno. ‘Coelhinho da Páscoa o que trazes pra
mim? Um ovo, dois, três ovos assim! Um ovo...’. Não, um não adianta. Tem que
ser os três!