terça-feira, 31 de março de 2020

O frentista da Administração (5 e último)


5º e último episódio


(Final do episódio anterior)
'Voltando ao mestre João. Não fosse ele com sua visão - e provavelmente não duraria nem dois meses na Administração pelo singelo motivo que não tinha como pagar. Ele não me desligou. Ofereceu-me serviços gerais no câmpus em troca da mensalidade. E lá fiz de tudo - como já disse. E foi, para mim, nas dificuldades da Administração, que Jayme Lago, um dia indicou-me para o jornalismo em A Voz da Serra, de onde parti para a profissão da minha vida.'

Aquela experiência da Administração foi de valia impagável. Sim, porque ela me colocou no centro de um grupo que se não mandava na cidade – de certa forma, boa parte dele passaria a mandar - cinco anos depois.

Tenho para mim por dedução óbvia, até por que eu era frentista – mas cego não. Sim, foi lá naquele contexto que nasceu o político Eloi João Zanella. Ou - foi polido.
Sim, foi lá naquele contexto que nasceu a Zebra (símbolo dos governos de Eloi Zanella que mudaram os rumos de Erechim, levando a cidade a desenvolver seu setor industrial...). 

Sim, foi lá naquele contexto que a 'Zebra' (símbolo das campanhas eleitorais de Zanella & Cia.), se arquitetou, organizou e deu seus primeiros e decisivos passos.

Sim, foi naquele contexto que a fermentação do poder de Campo Pequeno trocou de mãos, de roupa, de cabeça, de gente, de pensamento, de linha, de ideias e de ações.

Eloi Zanella foi prefeito de 1977 a 1983.
De 1989 a 1992.
De 2001 a 2008.
Jayme Lago – de 1983 a 1988.
Só em dois mandatos, Zanella e Lago ficaram 12 anos no poder.
No total são 24 anos.

Eram dois dos alunos daquela turma.
Foi naquele contexto que vi de perto a esquerda, como ela pensava, como se portava, o que almejava, o que queria para o Brasil.
Francamente, pelo que defendiam e pregavam, assim como em todas as esquerdas do mundo – me seduziu.
Tinha entre meus professores os mestres, Nédio Piran e Ernesto Cassol – de esquerda é claro. Havia ainda Nelly Zaffari, se não me equivoco. 

De quebra – na Matemática, João Dautartas, sempre um peemedebista que jamais largou a bandeira rubro-negra. Recebeu de presente no dia do seu sepultamento a presença de dois ou três partidários. Os demais continuaram uma reunião de partido naquela tarde de sábado. Não apareceram para levá-lo ao cemitério. Que falta de consideração. Que destino para um aguerrido homem de partido. E isso também me disse, e muito, sobre quem é quem e quem deseja o quê!

Destaco ainda como mestre daquela turma o grande professor de História, Adroaldo Lise. Dava aulas como quem conta um caso. Este era o seu método, entregando mastigado, os pratos dos principais eventos históricos lembrados nas grades curriculares. Professor Adroaldo - diria, um imparcial, com seu inconfundível pigarro. Como disse, um mestre. 

Pois, não vou me dar ao trabalho de tentar saber, onde cada um dos queridos colegas daquela época, anda hoje em dia, não por que não o mereçam, mas por que esta já é uma tarefa muito grande e que exigiria o tempo que neste momento não disponho. Já foi uma busca reabilitar a lista de chamada para não esquecer ninguém.

Por isto – fixo no Linor Pedro Klein que até teve uma vida como 'o diabo gosta': viu a família encaminhada. Pobre Linor – volta e meia se viu no sacrifício de peregrinar Velho Mundo afora. Que sina! – teve o primeiro presidente do Diretório Acadêmico do Cese (Centro de Ensino Superior de Erechim)!
Linor acabaria sendo mais tarde pró-reitor de Administração, cargo antes exercido por Eloi Zanella – na Reitoria da URI -, fruto definitivo daquele nem tão incipiente assim, alvorecer de ensino superior em Erechim. (Hoje o querido Linor mora no céu).

Há outros que tenho visto volta e meia por aí, e todo mundo tranquilo como o João Aldo Zanin, o Juca – Jorge Augusto Muller, o Zulmiro Zucchi, o Adão Oliveira, que virou pastor da Assembleia de Deus – ou enfim, comanda uma igreja. O Adalberto Valentini – fazia as contas dentro da Equipe Política Zebra. (Hoje, o Adalberto também mora no céu. Foi levado pelo Covid 19). E o Paris Bordignon (que faz compras no mercado cantando, anda pelas ruas cantando e defendendo a tese que levantar cedinho e se exercitar por quase uma hora e, cantar claro, dá mais longevidade...).

Enfim, há os que faleceram (querido João Picoli) - que ao longo do tempo entrevistaria inúmeras vezes - e tantos outros que nunca mais fiquei sabendo onde se meteram. 

O professor Girônimo, então um sacerdote, acabaria tornando-se bispo coadjutor e mais tarde, bispo da diocese de Erechim e, bispo emérito, aposentado aos 75 anos. Nesse meio tempo ainda foi reitor do Seminário de Fátima, vigário da catedral e em Aratiba, pároco, deu aulas em escolas públicas, no seminário e em 1994 assumiu a vaga de Dom João Aloísio Hoffmann. Ou seja, o professor foi bispo por 18 anos. De quebra – integrou o Conselho Universitário da URI – extensão daquele início com o Cese em 1972 e, em 3 de novembro de 2019, aos 83 anos, atendeu convocação de Deus e com Ele foi morar.

Foi lá naquele ambiente que eu tive a certeza que a matemática, a contabilidade, as contas, enfim, não eram para mim. Passava porque ajudavam – ou me empurravam, mas como seria depois, sozinho?

E foi pensando nesta certeza que decidi abandonar o curso depois de um ano e meio. Não dava. Não daria. Não adiantaria insistir na coisa errada. No meu interior eu sabia – mas ficava quieto.

Mas, um dia, Jayme Lago, me disse o que eu não me dizia: que eu não servia para aquela coisa, que eu não tinha jeito de economista ou administrador, que o meu negócio era outro. Depois de me alertar que daquela área eu não sabia nada e, devia manter distância, para meu bem, foi ele, Jayme Luiz Lago que observou pela vez primeira: “o negócio desse guri é escrever”. E foi assim, que por um pedido com jeito de ordem, que o Jayme Lago interpelou o amigo, também colega daquela inesquecível turma, Gilson Carraro: “Ô Gilson, arruma um lugar pra esse guri lá no jornal. Diz pro Geder pegar ele. O negócio dele não é aqui - é no jornal!”. E assim, sem mais nem menos, fui parar na redação de A Voz da Serra, ainda em 1972.

Os Carraro, para quem não sabe, tinham o jornal mais antigo da cidade - A Voz da Serra, de 1929, (na verdade, de 1929 a 1937 chamava-se O Boavistense – quando em 37 trocou para A Voz da Serra) hoje, tentando se reanimar ainda em família como Voz ou no Online. 

Entrementes posso dizer em alto e bom tom que tive a honra de ter como patrão - Estevam Carraro. Guardava um olhar de 'pai' para comigo. Só para registro: Quase todas as noites, por volta da 1 hora da madrugada, ele entrava na redação vestindo um roupão que lhe cobria até os pés, trazendo numa bandeja, duas grossas fatias de pão decoradas com recheios e uma enorme xícara ou caneca de café com leite. "Toma guri. Tu tá muito magrinho e a madrugada é longa", dizia.  

Trabalhava das 23h até clarear o dia, ao lado do Geder.
E deste ganhei outro presente: “ô guri! Se tu quer ganhar dinheiro, pega uma pastinha e vai vender (comercial). Se quer passar fome, como eu, vai bater notícia!”, dizia com sua impagável irreverência, seguida de uma apavorante gargalhada sob o bigode de fogo. É era pura verdade. Não peguei a pastinha. Sentei à máquina - e deu no que deu.

Evidente que fome ele não passava – mas o recado era claro e, rigorosamente, verdadeiro ao menos para jornalista que nunca confundiu os princípios de base, nem as alturas dos objetivos sagrados do jornalismo tal qual foi concebido, ao menos em tese.
Mais tarde haveria de deixar A Voz da Serra e tentar outras sortes em outras empresas da cidade – mas o vaticínio de Jayme Luiz Lago parecia ferver nas minhas veias até que um dia larguei tudo e fui embora.

Fui para uma escola de jornalismo de verdade da qual até hoje me orgulho do que dizem de quem pela Famecos passa: “então tu também és um filho da PUC!?. Sim – sou”. Entre os professores, Ana Amélia Lemos, Aníbal Bendatti e o marcante Antoninho Gonzales e, tantos outros nomes consagrados do jornalismo de escola e de redação - à época vivendo seus últimos anos do que se convencionou - jornalismo romântico.

Eram tempos onde ser jornalista significava uma honra, porquanto uma censura, mesmo que tímida, ainda teimava em mostrar suas unhas (1975 - 1979). Mas àquela censura a gente se obrigava, porque ela não tinha medo nem vergonha de se mostrar, de se assumir, ou, de ditar o que podia ou não. Mas passou. Porém também vivi isso.
Hoje em dia não sofremos mais deste mal: hoje a 'censura' tem vida própria e nem fica vermelha quando dita a pauta do que pode ou não pode  dentro da imprensa. Tudo em nome de qualquer coisa - menos do bom e sagrado jornalismo. Coisas de mercado - dir-se-á mundo afora. 

Ouço um barulho: deve ser o Geder mexendo os ossos no caixão e sussurrando no céu: “jornalismo de pastinha, Ódddyyyyyy - ahahahahahahah!”.

E foi esta a história daquela história.
Para muitos – nada.
Para outros – uma coisa de poucas consequências, 
com o que não concordo.

Hoje, aquela sala de aula é nada mais, nada menos que a Capela Santo Agostinho do Câmpus da URI, inaugurada 20 anos depois, em 25 de setembro de 1992. Capela ! - não seria obra do destino para aplacar os pecados lá cometidos, ou para homenagear aquele punhado de grandes, pequenos e 'ninguéns' que dali alçaram voos!?. 
Pois, 20 anos depois daquela minha primeira e apavorante aula, uma universidade nascia do empenho, da obstinação e do talento de muitas, muitas pessoas; mas que se pudesse resumir elencaria o trio, Cleo Joaquim Ortigara (Frederico Westphalen), Mara Regina Röesler (Santo Ângelo) e Glenio Renan Cabral (Erechim), o 'Grupo Tarefa', que deu origem e conduziu todo o processo de criação da URI.

Que os Santos da capelinha da URI - velem pelas almas ainda encarnadas ou desencarnadas dàquela primeira turma de Administração de Empresas do Cese/hoje URI - de bispo a prefeitos, de presidentes de partido a candidatos, de funcionários públicos a empresários autônomos, de professores a diretores, de pensadores da esquerda a pensadores da direita, de centristas a liberais, de mestres a frentista. De frentista a jornalista. Por que não!?


Nota: Se alguém sentiu-se ofendido ou não reconhecido, peço escusas, pois a intenção foi de reviver e saudar todos os personagens. Aos leitores minha sincera gratidão, fim maior de quem se aventura a transferir algo por qualquer meio de comunicação social. 





segunda-feira, 30 de março de 2020

O Frentista da Administração (4)


4º Episódio

(Final do episódio anterior)
Um sentimento de ter apagado como quando, deitado vestindo um roupão branco, verde ou azul - ambos claros - com fortes luzes quase sobre o corpo, se toma uma anestesia direto na veia  que literalmente me encapsulou dando a sensação de levitar. Lembro que, não sei como, levantei – sim, eu me lembro, eu me lembro, eu consegui me levantar e... e... disse! S-ss-ii-imm-mmm, e-e-e-uuuu, f-f-af-uff-uf-a-ufa-fal-fu-fu-uafall-uei, eu faaaaeellllllleiiiiii:'


- Vamos menino, empurrou de novo o “ministro de Deus Girônimo”, enquanto seu crucifixo balançava sobre seu peito e eu juro, eu juro... eu me via crucificado nele.
Pois, foi naquela hora, que eu senti ser verdadeiro o dito popular que têm certas coisas na vida que a gente considera impossíveis, rigorosamente impossíveis, que parecemos não suportar e, é justamente nestas horas, que nos superamos e tiramos forças sabe-se lá de onde. Só pode ser Lá... Lá de Cima. Foi nesse trecho da praia da minha vida que eu perdi as minhas pegadas – mas, inacreditavelmente, atravessei o pedaço - com certeza, levado nos braços, no colo... Dele. Lembrei de Gabirel o Pensador:'

“Senhor, eu quis seguir-Te,
e Tu prometeste ficar sempre comigo.
Porque deixaste-me sozinho,
logo nos momentos mais difíceis?
Ao que Ele respondeu:
Meu filho, Eu te amo e nunca te abandonei.
Os dias em que viste só um par de pegadas na areia 
são precisamente aqueles
em que Eu te levei nos meus braços”
.

- Quem é você, rapaz, ordenou o professor Girônimo Zanandrea.
Eu me levantei, como disse, de onde me julgava pregado. Não sei como – me ergui e até hoje não descobri como - falei. Sim, eu falei.

- Meu nome é José Adelar Ody ... Ôôôdy. Eu não sou diretor de nada, não sou gerente de nada, não tenho terras, não sou agropecuarista e nem proprietário de alguma empresa. Não sou sócio. Não tenho afinidades com patrões. Só tenho o meu serviço... (eu falava sem gaguejar... Seria eu mesmo que falava!?) e prossegui: eu trabalho lá no Posto Atlantic do seu Abílio, o seu Abílio Machry... fica ali perto dos trilhos na frente da antiga CEEE, quase ao lado do Banco do Brasil

Maaasssss – eu não trabalho lá nos fundos onde fica o dono. É mais à frente... mas também não é no escritório... é mais à frente. Mas, também não é no caixa e nem no balcão... Nããããããooooo. Eu trabalho de manhã, de tarde, sábado, domingo e feriado, no carnaval, na Páscoa, no Natal e no Ano Novo lá na frente do posto, debaixo de chuva, de sol, de neve. Eu sou especialista em encher tanque de gasolina, ver o óleo, a água da bateria, o óleo do freio, a água do radiador... o aperto da correia. Na cidade ninguém me bate em limpar parabrisa, posso ensinar como se enxuga um carro (depois de lavado tem que enxugar com pano úmido e, na sombra, senão mancha... e depois é só lustrar). Nas horas de folga limpo as mangueiras das bombas com álcool, varro o pátio. Nunca me sento, ajudo a trocar, a desmontar, a consertar e recolocar pneu pequeno ou de caminhão. Tem gente que só calibra comigo. Acho que é questão de confiança. Eu não sou dono de nenhuma empresa, nem sócio ou gerente. Não sou administrador de nada (repeti), talvez para frisar e me separar de vez do resto da turma. Não sei. Lá no posto do seu Abílio eu estou à disposição dos senhores, de todos..., e quem não quiser abastecer ou trocar o óleo ou comprar algum pneu ou mandar lavar o carro... quem não quiser gastar nada... pode passar lá igual que eu passo o melhor ar da cidade no carro, de graça, e no fim fica limpo como se tivesse sido lavado. Sou o melhor passador de ar em carro de Erechim.      Terei o maior prazer em receber todos os senhores lá no meu local de trabalho, porque afinal, ... “quem não é o maior, tem que ser o melhor!” - (este era o mote de referência dos postos Atlantic!).

Quando parei de falar... ou teria sido Jesus Cristo ou Deus, que falou por mim, porque não gaguejei nenhuma vez... a sala explodiu em palmas. Quando me sentei, aí mesmo é que as palmas se levantaram. Até o ministro de Deus, digo, o padre, o professor Girônimo Zanandréa batia palmas... enquanto seu crucifixo de peito, até que enfim, tinha sossegado e levava outra vez Ele pendurado no maderio de metal (?).

O nada, o último, o pelado, o rapazote, o guaipeca conseguira enfim se apresentar e ainda assim continuava nesta vida. Não tinha sido abatido por nenhum mal súbito como eu vinha prevendo. E nem deu tempo de mais nada para abrir cadernos ou coisa do gênero porque o sinal bateu. Vários daqueles gerentes, donos, sócios, já administradores autodidatas que buscavam a titulação porque já tinham vencido na vida – vieram então falar comigo. Apertei mãos limpas e macias com as minhas cheias de craca e com cheiro forte diesel.

Daquela inesquecível noite em diante fui meio que ‘adotado' pelo restante da turma que me dava carona por volta das 19h, falava comigo, me ajudava em contabilidade. Eles que já eram bem resolvidos profissional e economicamente – nunca se furtaram em me ajudar e muito. Tenho para com aquela turma e professores uma das gratidões de difícil resgate nesta vida. No ano seguinte, como eu tinha ficado para trás em matemática financeira, acabei tendo aulas com outros amigos, entre eles, Julio Brondani, com quem até debutamos no rádio apresentando um programa na rádio Erechim aos sábados à tarde. Mais tarde, até trabalhei no câmpus, porque não podia pagar. Passei provas e provas em mimeógrafo à alcool, ajudei a montar a biblioteca na salinha onde hoje é a assessoria de imprensa, varria a sala, o corredor, o pátio. Era pau para toda obra. Em troca do pagamento das mensalidades, troquei o horário no Posto Atlantic. Batia o ponto às 5h da manhã e ia até às 13h. Das 14h às 18h fazia de tudo no câmpus ajudando a direção que tinha no front, o grande ser humano, professor/diretor, João Dautartas. Outra lembrança importante: Saía às 23h da faculdade e para meu pai não ter que chamar às 4h da madrugada para ir ao posto de gasolina onde começava às 5h, arrumei uma cama dessas de campanha, cheia de molas fora do lugar e que me furavam as costas, e passei a dormir no depósito do posto em meio a pilhas e pilhas de pneus, galões de óleo e, por que não, ratazanas apostando corrida a madrugada toda. O que o tempo nos ensina: quando temos 20 anos - não vemos, sequer desconfiamos dos perigos. Hoje penso: e se desandasse uma pilha de galões ou de pneus...!? As 4h45min o Adão que trabalhava de noite no posto, me chamava e então levantava, batia o ponto e começava meu trabalho, assumindo o caixa, as bombas, a calibragem e troca de pneus, a limpeza das mangueiras e do pátio do posto. Viajantes que saíam ainda escuro dos hotéis, passavam pelo posto, para depois percorrerem o interior da região. Quantos pneus de caminhões de leite troquei debaixo de frio de rachar ou sob chuva? Nossa Senhora de Fátima - não acredito que um dia fiz isso e tudo meio no escuro. Às 8h quando o movimento crescia, funcionários indo para empresas próximas, eu já estava de pé e trabalhando há 3 horas. E assim ia até 13h. Corria almoçar em casa e às 14h já teria de estar no Centro de Ensino Superior de Erechim (Cese), ou Fapes ou, bem mais tarde, URI. E tudo - a pé. Nada de carro. Nada de ônibus. 

Voltando ao mestre João. Não fosse ele com sua visão e coração bondoso - e provavelmente não duraria nem dois meses na Administração pelo singelo motivo que não tinha como pagar. Ele não me desligou. Ofereceu-me serviços gerais no câmpus em troca da mensalidade. E la fiz de tudo - como já disse. E foi, para mim, nas dificuldades da Administração, que Jayme Lago, um dia indicou-me para o jornalismo em A Voz da Serra, de onde parti para a profissão da minha vida. (A qualquer hora o 5º e último episódio).



domingo, 29 de março de 2020

O Frentista da Administração (3)



3º Episódio

Final do episódio anterior
'Mas eu juro pelo meu emprego que mantinha com unhas e dentes – de frentista do Posto Atlantic, eu juro que preferia mil vezes, não – mil vezes é pouco -, um milhão de vezes eu preferia copiar aquelas contas enviadas por satanás, do que ouvir meus colegas se apresentando... proprietário, sócio, diretor, gerente, dono, administrador, Banco do Estado do Rio Grande do Sul, Banco do Brasil, Secretaria da Fazenda, agropecuarista...! E o professor de Metodologia que parecia ter baixado direto do céu em cima do estrado, esfregava as mãos num paradoxo com jeito de caso pensado - cândida (para meus colegas) e freneticamente (para mim) -, enquanto um enorme crucifixo lhe pendia e balançava no peito. Lá do canto do canto, do último canto do meu canto da sala eu ju, eu jjjj... eu ju-ju...e,e,e, jjjjjjjjuuuuuro que tinham descido Ele do crucifixo e me levavam de arrasto para ocupar Seu lugar. “É hoooojee. É hoje que tu vai ver o que é bom pra tosse”, era o que martelava dentro da minha cabeça. Eu já me via no lugar de Cristo. Só que não haveria de ressuscitar.' 

- Muuuuuitto bem, prosseguiu o professor Girônimo Zanandréa. Vamos ao próximo aluno?! O seeenhooor ééééé?
Eu sou João Aldo Zanin. Sou corretor de imóveis. Tenho meu escritório ali no Condomínio Erechim e estamos à disposição dos amigos! (palmas....).
Aiaiaiaiai – e-e-e-euuuu, eeuuuu preciso de um imóvel?... pensava lá no meu canto com a cara pegando fogo e enfiada entre as pernas. Eu que não tenho nem onde cair morto e o colega colocando à disposição de quem quisesse um imóvel. Mas ele estava na dele... e eu... bem eu estava na minha, não... na minha não... estava no meu... azar de ter sido aprovado.

- O próximo, disse o professor com os dedos entrelaçados como só os tranquilos do Ministério de Deus podem se colocar.
Sou Dorvalino Ceconello, da Cooperativa de Getúlio Vargas; me chamo Eugênio Miroslau Kluch do Banco do Estado; eu sou Heitor Detoni... trabalho como contabilista; sou Henrique Ângelo Salomoni - granjeiro; me chamo Idione Enderle e trabalho no INPS; meu nome é Ilário Strada e sou do Daer; José Vedana, vendedor de veículos; José Thorsetenberg, Banco do Brasil; Ademir Basso, da Ascar de Concórdia, plá, plá, plá...; Jorge Augusto Muller, do Banco Nacional do Comércio; Rui Oliveira Rigoni, Intecnial... plá, plá, plá... Luiz Álvaro Prataviera, Lurdes Pedron... Caixa Econômica Estadual; Osvaldo Gorski... Banco do Brasil, plá, plá, plá, e plá e plá...!

Chega Meu Deus – chega! Eu não acredito que... que... que tô aqui no meio dessa gente que... que... isso sim é que é geeennte e não um desencaixado como eu. Todo mundo é alguma coisa de importante e eu... um... um o quê? Aonde é que eu andava com a cabeça quando aceitei fazer vestibular? Tanta gente que rodou e eu aqui? – eu pagaria, sim, se eu pudesse eu pagaria para ficar no lugar de um rodado no vestibular – mas não, agora eu estava no brete que nem boi no frigorífico da Cotrel, ou melhor, da Aurora.

- Mas olha só minha gente... que bonito néééé´. Todos já maduros, pais de família, certamente cristãos... e agora aqui – dispostos a um novo desafio... ensinava o ministro de Deus, o professor de Metodologia, Girônimo Zanandréa a quem só faltava um púlpito para comandar o espetáculo... o espetáculo que culminaria com a minha execução na apresentação. E cada vez que seu crucifixo balançava – mais eu me via pendurado na cruz.

Aiaiai – se, se... seeerá que eu co-co-co-me-cocome-cocomeeeço por Adelar, ou por José... ou José Adelar... e o, o, o Ooddyyy – será que eu digo?! Quem é gago sabe que começar com “A” parece que empaca. Não a-a-a-aaaaaaaaa-av-av-aaavannnça! Que desgraça eu ter passado. E continuava: “Me chamo Renault Tedesco, da Emater de Gaurama; Claudete Cantelle; Ivone Maier, Benenoy Fish, trabalho um Curtume de Passo Fundo, Adalberto Valentini, engenheiro de Erechim; Vinícius Mário Cesne; Adão de Oliveira Smelindro - Banco do Estado; Abigail Weimann, Secretaria da Fazenda; Zulmiro Zucchi, comerciante; Sérgio Alves Trindade, Caixa Econômica Federal e era só plá, plá, plá, e mais plá, plá, plá...; Sadi Provenzi, Banco do Estado; Sérgio Antonio Vial, Banco do Brasil; Gilson Edy Carraro – diretor do jornal a Voz da Serra... plá, plá, plá, pluuum!

- Olha só que lindo... todos muuuuito bem já encaminhados nesta vida dada por nosso Senhor Jesus Cristo - Senhor Pai que tanto nos ama... pessoas distintas da sociedade local e regional e que estão vindo em busca de mais conhecimentos, demonstrando sua ânsia pelo saber e de se tornarem pessoas mais capacitadas, afinal, a educação está na origem das pessoas e das sociedades de bem e, blá e blá, e mais blá – era mais ou menos o que os meus ouvidos teriam apanhado naquela noite de inesquecível memória. Eu queria saber que horas eram, e como Míster Bean, me esgueirava com o pescoço, com a cabeça, com as orelhas, com os olhos, com o tronco... com o que pudesse tentando ver quanto faltava para bater para o intervalo – mas o meu colega da esquerda não parava de se remexer e o da frente tinha seu relógio de ouro escondido sob as mangas de um fino casaco. Casaco não. Paletó!

A fila estava terminando. As apresentações da primeira turma do curso de Administração de Empresas do Cese em 1972 estavam chegando ao seu fim e a minha vez, a minha hora; sim, aquela seria definitivamente a minha hora, estava também chegando. Os últimos falavam depressa e a minha vez vinha contra mim como um tsunami. Tu vê e não pode fazer nada. É abrir os braços e esperar o estouro contra o peito, contra o rosto, contra a cara...

Meu coração não batia. Pulava. Eu suava nas mãos e a água me corria pelas pernas. Eu queria rezar – mas não achava o começo. Já ia direto para a “...seja feita a Vossa vontade... mas livrai-nos do mal amém... amém e amém!”.

Eu queria me ofender – mas nem achava as palavras. Até os palavrões contra mim eu tinha perdido. Minha brincoringa tremia sobre as canelas inundadas e geladas. Eu procurava um papelzinho que não existia no chão, eu fechava, abria e fechava os botões da camisa de casemira que minha mãe fizera, eu arrumava e desarrumava algum fio dos meus cabelos encaixados. Tossia alto, parecia que me afogaria no seco do meu canto de tanto nervosismo. Minha testa e as bochechas eram a faísca de todos os vulcões. Eu estava para morrer, à beira de um colapso e ninguém via nada, ninguém fazia nada. Só podia, pensava... eles queriam que eu morresse ali mesmo e pensando bem, do jeito que eu me via, melhor lugar não havia. Seria ali... lá... aqui no canto do canto do meu canto da sala. A primeira e única morte num canto de sala de aula – abatido, vitimado por uma hecatombe nervosa. De que mais eu morreria? – talvez de nada! E de que mais poderia morrer um nada senão do nada? – era o que todos os meus sinais vitais e espelhos me diziam. Um nada – aqui no meio de tanto. Então – que faleça de um tiro só e acabe de uma vez com esse sofrimento, essa agonia que igual só pode estar na cabeça dos pobres sequestrados do Iraque... enquanto tem cabeça!
- Muuuuuito beeeeeeem... disse o bispo, digo, disse o padre, o Ministro de Deus, o professor Girônimo Zanandréa. E agora – vamos ao último, isso mesmo... nunca, mas nunca alguém fora tão feliz para me definir. Vamos ao último. Lá na última carteira. Quem é aquele menino, aquele rapazote lá? – ao mesmo tempo em que todas cabeças da sala, todos os olhos da sala da Administração, do Cese, da Fapes, da Sete, de Erechim... toda aquela multidão de vencedores se viraram e me acenderam um milhão de lâmpadas, e me focaram – me olhando, me mirando, me flechando, me fuzilando com tiros e raios de olhos certeiros e mortíferos como os tomahawk, seria ali e não mais em outro lugar. Minhas orelhas queimavam, a testa tisnava, o suor escorria gelado. Eram todos os contrastes de uma vez só: o gelo se derretendo sobre meu corpo em ardência. Era eu... um nada – numa sala onde todo mundo era muito e, todos, todos já encaminhados, como o próprio professor dissera, ou bem feitos na vida, sentados como uma plateia que parece adivinhar o esquecimento da fala ou o tropeço do artista num teatro. Eu artista – sim, artista no paredão enquanto mais de quarenta armas estavam apontadas para mim. Eu não sabia mais onde trabalhava, onde morava, onde nasci, quem eram meus pais, meus amigos, não sabia de onde vinha, como fora parar ali, lá, e de repente o professor, o padre com o crucifixo no peito me empurrou: “vamos menino. O que foi!? Está tudo bem contigo? Vamos. Fale. Teus colegas querem conhecê-lo. Eu sei que nem todos tem o dom da palavra e, para uns, este momento até é difícil. Mas tudo, tudo é um aprendizado. Coragem. Vamos – fale. Somos todos ouvidos. 
Santo Deus - por que, mas por que ele ainda tinha de ter falado 'eu sei que nem todos tem o dom da palavra...'. Vamos - coragem. Você pode...

Um sentimento de ter apagado como quando, deitado vestindo um roupão branco, verde ou azul - ambos claros - com fortes luzes quase sobre o corpo, se toma uma anestesia direto na veia  que literalmente me encapsulou dando a sensação de levitar. Lembro que, não sei como, levantei – sim, eu me lembro, eu me lembro, eu consegui me levantar e... e... disse! S-ss-ii-imm-mmm, e-e-e-uuuu, f-f-af-uff-uf-a-ufa-fal-fu-fu-uafall-uei, eu faaaaeellllllleiiiiii: (A qualquer hora o 4º episódio).-

sábado, 28 de março de 2020

O Frentista da Administração (2)





2º Episódio

(Final do 1º Episódio)
'(- Aiaiaiaiaiaiai, por que é que eu não fui embora antes de entrarmos na sala. Nossa Senhora de Fátima e agora? Eu vou ter de falar! Mas como? – ga-a-gago do jeito que sou, como é quee-e-e-e-e-euuuuu vô fa-fa-faaaaa-a-a-lar? Pronto. Estava recolocado no alvo de todos os bullyngs que sofri no ginásio, no científico, no trabalho do posto de gasolina, no, na...).

- Muito beeeemmm. Vamos começar aqui pela direita – disse o professor de Metodologia Científica, padre Girônimo Zanandréa. Isto, pela direita! Quem sabe... cada um diz o seu nome, o que já fez, o que faz atualmente, enfim, qual é a sua profissão... Está bem assim?! Então vamos dar início: o seu noommme... o senhor... aqui da direiiiiita!'

- Eu sou... Eloi João Zanella. Sou gerente da Caixa Econômica Estadual... ali da avenida Maurício Cardoso. (Palmas... muitas palmas).
- Muito bem senhor Eloi. Vamos então saber quem é o segundo da fila – aqui ó, isso, isso -, sempre da direita... (esse... da direita também até hoje me cutuca os ouvidos... mas agora eu entendo, politicamente olhando...). O seeenhor é...!
- Eu me chamo Jayme Luiz Lago. Eu tenho uma empresa de pré-moldados, a Comac, que fica ali na rua Valentim Zambonatto.
- Muuuiiito bem, disse o professor Girônimo, sufocado por palmas.
- Vamos  para o próximo, disse o professor. O senhor ééé´!
- Eu sou João Picoli e sou agricultor (dos grandes) e, palmas e palmas.
- Muuuuuiiito bem, comemorou o professor. Vamos fazer o seguinte: para que eu não precise ficar anunciando, e para ganharmos tempo, quando um termina de se apresentar, o seguinte já se levanta e diz o nome e a profissão. Está bem assim?! Perguntou em tom de quem ordena. ‘Então vamos prosseguir. O seeenhoorr ééééé...?’.
- Meu nome é Ary Francisco Madalozzo e sou proprietário da Indústria Madalozzo (palmas...); eu me chamo Paris Bordignon e sou funcionário do Banco do Brasil há muitos anos... mais palmas; meu nome é Zeferino Detoni e sou contabilista.... meu nome é Ademir Lourenço Pilotto e trabalho na Construtora Viero... palmas e palmas.

Santa Mãe de Deus – Nossa Senhora de Fátima, só dá dono de empresa, diretor, gerente, bancário, produtor rural, proprietário disso e daquilo – nem professor essa gente é... Se fossem professores ao menos haveria alguém como eu, de brincoringa... mas, que nada. Só dava calça de friso e gravata de nó grosso, aquele tradicional nó americano, no gogó. E eu – o que diria - eu que trabalhava no Posto Atlantic a eles que nem tinham me notado, nem sabiam que existia, nem acreditavam que até eu, um nada,  com eles lá estava.
Os colegas (?) se mexiam, se remexiam e iam se ajeitando nas cadeiras quando se aproximava a vez de cada um. Uns ajeitavam o nó da gravata, outros alinhavam algum fio de cabelo, outros limpavam a garganta para falar claro, bem e bonito; alguns ainda davam um toquezinho na grande pasta que descansava no chão, e outros remexiam os enormes chaveiros com chaves da firma, da casa, do carro, do banco, da garagem, do cofre, do prédio, do apartamento – só faltava a chave da faculdade.

- Vamos continuando. Viu como é bonito a gente ir se conhecendo, dizia o professor Girônimo Zanandréa, metido no seu inconfundível blusão azul e de gola olímpica. “O próximo...!”.
- Meu nome é Cecílio Viega Soares e sou Oficial da Brigada Militar - comandante do 13º BPM... palmas... muitas palmas....; eu sou Walkírio de Oliveira e trabalho na Menno... mais palmas; eu me chamo Dilson Sérgio Spinatto e trabalho no Banco do Brasil, mais palmas ainda; sou Alberto Luiz Zuanazzi e trabalho na Secretaria da Fazenda do Estado... muitas palmas; meu nome é Ademir Luiz Mossi e trabalho na Samrig... palmas; me chamo Alzira Mara Santolin e trabalho no Banco do Brasil... plá, plá, plá...; sou Dílio de Oliveira Chaves e sou gerente do Banco do Estado do Rio Grande do Sul em Getúlio Vargas... plá, plá, plá.... Eu também sou proprietário da Indústria Madalozzo e me chamo Euclides Antônio Madalozzo, muitas palmas. No meu canto no fim da sala eu queria furar a parede e correr como Forrest Gump – atravessar a cidade, o rio Uruguai, o país e que nunca mais me encontrassem.
E seu eu pedisse licença para ir ao banheiro? – mas pensando bem por que o professor Girônimo Zanandréa daria licença, deixaria um fedelho inotado naquele ambiente, levantar-se, parar com todas as apresentações daqueles ilustres senhores da sociedade erechinense, para responder se eu podia ou não podia ir ao banheiro? Quem era eu na ordem do dia para interromper tal solenidade para saber se eu podia sair dali, atravessar toda a sala e ir ao banheiro? Não. Nem falar. Seria muito melhor que eu nem me mexesse no meu canto... Quem sabe até batesse o sinal antes de chegar a minha vez e aí eu ficaria para a próxima aula – que, com a mais absoluta das certezas deste mundo de terra -, para mim nunca mais haveria a tal de próxima aula. Sumiria do mapa.
E aaiaiaiaiaiaiaiaiai, a fila ia andando. Já estava quase no meio da sala. E se de repente o professor Girônimo Zanandréa parasse tudo e mandasse começar do fim?, - me veio à cabeça! Só pra a gente ver como até um pânico pode ficar ainda pior. Meu Deus – quase que desmaio. Quase me afogo num engasgo surdo.  E se ele fizesse aquilo, só para inverter, só para surpreender, só para segurar todo mundo bem atilado... 
Não. Até aí não. Ele não faria uma injustiça daquelas comigo. Já não bastava o meu sofrimento assim, a conta-gotas, um por um, vindo, vindo, vindo... e ainda deveria cogitar que de repente o professor pulasse para... e “vamos agora recomeçar, agora láááá do fim. Quem é aquele... aquele.... aquele..... menino, aquele, gurizinho, aquele”... guaipeca lá do fundo. Também é aluno? - imaginava. Eu suava como só se suava no desmonte de um pneu de caminhão no alto do verão, segurando as espátulas com os músculos que não só ameaçam, mas queriam saltar fora dos braços como fazia lá no posto de gasolina - no meu trabalho.
Meus dias de gagueira pareciam que estavam perto do fim, pois naquela noite das apresentações da primeira aula de Administração de Empresas em Erechim; naquele ambiente insólito e totalmente hostil para a minha realidade de empregado de salário mínimo, mais tímido e quieto que o simples e respeitado vereador Ronsoni em noite de discursos na Colenda, eu haveria de me encontrar com meu destino. Se... se tivesse de falar seria o fim da gagueira; sim, pois eu morreria. Com certeza – eu cairia seco... mas, graças a Deus eu morreria no meu canto. Dali eu não arredaria pé e de preferência eu cairia de costas contra a parede para que nem me conhecessem. Como católico praticante eu me consolava porque em morrendo ali, teria ao menos um padre para me ministrar a extrema unção - o professor de Metodologia Científica, Girônimo Zanandréa.

Quando as apresentações mais ou menos chegaram à metade, alguém teve a feliz ideia de propor um pequeno intervalo para que pudessem satisfazer seus vícios de cigarro lá fora – mas tudo aquilo não passou de cogitação e os tais intervalinhos ficariam para outras ocasiões, depois da apresentação da turma da Administração. Ai – que azar. Isso só pode ser coisa de quem não tem nada. Tu já viu pobre, miserável e remediado ter sorte um dia na vida?

- Vamos prosseguir então, meus queridos alunos e diletas senhoras... disse o professor Girônimo Zanandréa. O sssennhoorrrrrrr ééééééé´...!
- Eu me chamo Linor Pedro Klein... e também sou funcionário do Banco do Brasil... agência de Erechim... palmas e mais palmas.

Minha Mãe – outro do Banco do Brasil. Naquele tempo era o paraíso no céu e o BB na terra. A única coisa que eu tinha de proximidade com o Banco do Brasil era a vizinhança com o posto de gasolina. O banco e o posto, onde eu enxugava carro, ficavam (como ainda ficam) lado a lado. Este era o nosso parentesco. No mais... eles tinham os carros e eu os panos e as canelas; eles mandavam encher o tanque e eu enchia; eles pagavam e eu recebia...  recebia e entregava para o patrão.
Eles patrão – eu empregado. Eles e eu ali, juntos? Eu no meio deles?! Que ousadia... que afronta... que discriminação deixarem um miúdo, um desconsiderado, um nada; entrar, sentar e ficar entre aqueles boludos – era como eu me via.
Por que é que esse... esse... esse professor – perdão mas eu não sabia que o professor Girônimo Zanandréa era um padre (nem sonhava que viria a ser bispo), nem suspeitava que ele era um ministro de Deus (até Ele tem ministro? - e depois ainda falam do companheiro Lula, da Dilma...), mas por que não fazia que nem o João Dautartas, professor de Matemática, que entrou na sala e nem chamada fez?
Do João Dautartas, por debaixo do seu bigode cor de fogo, só se ouviu um “boa noite!!”, direto, seco e ardido como uma labareda... e se punha a encher o quadro negro de contas e mais contas. Por que ele, o professor de Metodologia Científica, não fazia como o pessoal da esquerda – o Nédio Piran, o Ernesto Cassol... – professores de primeira grandeza! Estes sim pareciam professores de faculdade. Iam direto. Pau nos governos, nas injustiças dos governos e sem esse negócio ginasial de se apresentar... Eu não compreendia os desígnios do ministro de Deus. Só ouvia a minha rebeldia interna e a minha capitulação externa. 

Eu era um cubo ao quadrado nas contas quilométricas, astronômicas, seguidas de minhocões sem cabeça, que iam da parte debaixo do quadro em seta de giz para a continuidade do mostrengo da exposição matemática do João. Aquilo só podia ser coisa do diabo – contas absolutamente pecaminosas. Uma provocação a quem se acostumara a ver a vida com os brilhos da simplicidade – mas era a faculdade. Não o ginásio. Ele graduado. Eu, desgraçado.
Mas eu juro pelo meu emprego que mantinha com unhas e dentes – de frentista do Posto Atlantic, eu juro que preferia mil vezes, não – mil vezes é pouco -, um milhão de vezes eu preferia copiar aquelas contas enviadas por satanás, do que ouvir meus colegas se apresentando... proprietário, sócio, diretor, gerente, dono, administrador, Banco do Estado do Rio Grande do Sul, Banco do Brasil, Secretaria da Fazenda, agropecuarista...! E o professor de Metodologia que parecia ter baixado direto do céu em cima do estrado, esfregava as mãos num paradoxo que parecia de caso pensado - cândida (para meus colegas) e freneticamente (para mim) -, enquanto um enorme crucifixo lhe pendia e balançava no peito. Lá do canto do canto, do último canto do meu canto da sala eu ju, eu jjjj... eu ju-ju...e,e,e, jjjjjjjjuuuuuro que parecia que tinham descido Ele do crucifixo e me levavam de arrasto para ocupar Seu lugar. “É hoooojee. É hoje que tu vai ver o que é bom pra tosse”, era o que martelava dentro da minha cabeça. Eu já me via no lugar de Cristo. Só que não haveria de ressuscitar. (A qualquer hora o 3º Episódio).-

sexta-feira, 27 de março de 2020

O frentista da Administração (1)



1º Episódio

1972.
Eu trabalhava das 8 às 12, das 13h30min às 18 horas no Posto Atlantic do seu Abílio Machry – posto Nota 10. Ali ao lado do Banco do Brasil. Na esquina. Já estava com o 2º grau concluído e haveria vestibular para Administração de Empresas, o primeiro, no CESE – Centro de Ensino Superior de Erechim -, hoje URI.
Meus colegas e grandes amigos do posto insistiam: - “Má tu tem que fazê o vestibular. Vaaaai... que tu vai passá”. No último dia da inscrição me levaram de macacão preto com graxa e tudo. Contra a vontade tive de me inscrever. Administração? De quê? Com base em quê? Era a pressão que eu mesmo me determinava.
Fiz. No dia do resultado parecia um fim de campeonato: mais de 15 funcionários do posto ao redor do rádio. Quando chegou no 26º - José Adelar Ody! Nossa Senhora de Fátima – que emoção.
À noite saiu um churrascão, uma baciada de salada de tomate com cebola, pão e um barril de chope, tudo na lavagem lá nos fundos do posto. Depois cantamos e fomos quase todos para o meretrício. Era hábito de pobre naqueles anos. Hoje, o meretrício eliminou as classes sociais.  Socializou-se e está disseminado. Mora nos bairros, no centro, na vizinhança... 
Quando vieram as aulas eu me vi no meu lugar. Já na largada olhava as coisas de baixo para cima. Me descobri peixe mais pequeno do que era, também porque o meu salário era exatamente do tamanho de um salário – mínimo. Numa paulada só, para a matrícula, nem 30 dias de serviço deram conta.
Só me safei pela intervenção do seu Alberto Mathias Ody, meu extraordinário pai, meu socorro de sempre. Por onde tem andado depois de seu falecimento a 12 de junho de 1998 – dia dos namorados? Não sei por onde anda ele e os que já se foram, mas, incrivelmente sinto-o sempre perto. E francamente isto não é exagero, nem socorro à tese feita, ou pense o que quiser. Sinto a figura de meu pai sempre junto de mim.
Dito isto, logo percebi que ir e entender as aulas e passar nos exames, isto seria um problema, mas bem menor do que outro: como pagar? Como eu haveria de pagar uma faculdade!?
E, por que a vida é assim mesmo, quando a gente tem certa idade a coisa até pode parecer feia, mas encara-se o 'bicho véio', balancei, mas fui. Nada que nos faça repensar e desistir. E fosse o que Deus quisesse. Ter 20 anos exatos não é como ter uma vida toda de experiência, cautelas, desafios e, por que não, medos.
No primeiro dia de aula lá estava eu perdido, absolutamente perdido, que nem candidato pelado a vereador em tempos de dez cadeiras, no meio de um mundaréu de gente – todos eles amigos... do meu patrão. Tinham intimidades que só os patrões têm entre si: se falavam sem licenças, se chamavam de apelidos, jogavam, jantavam e bebiam como irmãos dados desde sempre. Não havia assunto preferido ou limitado. Todos lhes eram permitidos, porquanto olhavam- se à mesma altura. Conclusão: os meus colegas de sala de aula eram todos, ou quase todos, patrões. Eram donos de si. Davam ordens. Se um ou outro não - pelo menos - mandava no próprio nariz onde trabalhava. 
Eu? Bem eu não contava. De vez em quando um ou outro me olhava com a esquina dos olhos se perguntando: “.... mas... quem será aquele estranho, desimportante!?”.
Entrei na sala, onde hoje é a capela Santo Agostinho, assim como um guaipeca, que leva um pontapé numa das ancas e sai se arrastando com o rabo no meio das pernas, pisando curto, num trote encolhido e, pisando em plumas para não ser notado. Quieto para não despertar qualquer curiosidade, ou ira, quem levar um coice ou ser atropelado de vez, a pedradas e um chiiiiiiiiaaaaaaaaaa – sai daí ôôôôôô.....  Nem oi - ouvi. Afinal, eu era um desnecessário. Um intrometido. quem sabe - um fedelho em meio a loções de barba e perfumes.
Sentei na última cadeira, da última fila, do último canto, no lado esquerdo do professor. Era o canto do canto. Dava contra a parede pelas costas e pelo lado direito onde hoje é a porta de entrada à capela do câmpus. Mais para trás não tinha como. Mais que aquilo eu não poderia me esconder. Quem quisesse me ver teria de se virar, levantar, garimpar os fundos da sala e me procurar. Era ali que eu queria ficar. Ali era o meu lugar. Longe e só. Esquecido. Bem ali - lá. Deslembrado.
Os meus colegas nem pareciam meus colegas. Eram todos independentes, grandões, gente de mais idade, se vestiam de outro jeito, auto-suficientes, superiores. De vidas feitas. Tinham 'curriculuns vitae'. Fumavam sem licença do pai porque eles eram o pai. Falavam de negócios e de dinheiros que nunca ouvira falar. Meu limite, meu máximo, meu teto era ele - o salário mínimo. O mesmo valor que deviam pagar, sei lá, a um sem-número de funcionários, imaginava.
No pátio interno onde frequentemente anos depois se estendiam lonas para eventos, ali descansavam os automóveis dos meus colegas – os patrões. Não só tinham mais, inimagináveis mais de tudo do que eu, mas até mais, inclusive do que os professores. Eles chegavam pelos fundos do prédio, iam de carro até quase dentro da sala. Sinceramente – parecia que o lugar era deles. Até hoje penso naquilo ou seria nisso! E não era deles mesmo?
Eu? – nem ônibus pegava porque naquele tempo nem tinha. Hoje – reclamam dos micro que apanham a gente na porta da casa, na porta da escola, na porta da porta. Se atrasa... aiaiaiai.
E foi assim que sem saber que já fazia bem para a saúde naqueles tempos, que eu caminhava como só os pobres e, os remediados, sabem como. Pobre e remediado não risca um compromisso na agenda e nem calça tênis da moda, se veste com a melhor malha, carrerga o celularzinho no cinto de algodão, o walkman nos ouvidos - e sai de óculos escuros a passear pela Sete. Não. Pobre e remediado chega do serviço correndo, lava a cara, engole um pão com café, pega os cadernos e sai correndo em outra direção. em direção a outro compromisso. Para pobre e remediado nada é perto. Tudo é longe e obrigatório. Longe... ou a distância certa. Digamos - a  distância de pobre. A necessária. A que é, e fim.
Eu era como estranho e remediado diante daquela insólita situação que me assistia, quieto que nem cusco que finge dormir num canto, com a cabeça deitada sobre as patas e as orelhas sobre as vistas, respirando como em ponto morto - para me proteger dos olhares. Fingia – porque como cusco que se preza, expia tudo. Especialmente, que não me expiassem. Ademais, quem haveria de querer saber sobre mim?
Quando chegava para a aula de Administração às 19h15min, com os bofes pendurados e só seguros pelos anos da juventude – meus colegas sisudos, já meio gordinhos, fumantes, de barba feita, cortes alinhados e roupas frisadas, estacionavam seus carrões da época, um ao lado do outro e saiam até com alguma dificuldade dos fofos e fundos assentos de seus Corcéis e Impalas, Volkswagens e Opalas e Simcas, Aero Willys e DKVs, trazendo à tiracolo – pastas executivas, volumosos e pesados chaveiros e cobiçadas capangas.
Cada um dos meus colegas tinha o seu carro. Noutro dia uns vinham até com outro automóvel. E eu, cada sempre indo como sempre. À pé. À pé e com pressa, fugindo às minhas próprias pegadas que ameaçavam me alcançar. Fugidias de mim mesmo. Onde ia, mal e mal, a sombra me perseguia porquanto a pressa era mesmo depressa.  
No primeiro período da primeira noite de aula, quando o professor de Metodologia Científica entrou na sala, trazendo uma enorme pasta preta, eu vi com os meus olhos, definitivamente, que não estava mais no 2º grau. Até ele, o professor, parecia-se diferente dos que tive na vida até ali no Mantovani. E o mais importante, foi só então que uma tempestade desabou sobre mim: eu era timido. Ti-mi-do. E mais - gago. Sim, gggg-aahhhg-go. Ainda sou. 
- Boaaa nooooiiiiite padre Girônimo, saudaram em coro, os “donos da sala”, levantando-se em sintonia assim como os estádios se erguem quando se iniciam os acordes do hino nacional, ou quando o time da casa pega a bola e ameaça um ataque que tem a cara de gol uns metros à frente. Um que outro ainda alinhava sobre a carteira, junto à bolsa chamada de capanga, uma caneta que refletia luz à me cegar.
Eu que não mandava nada, e nem ninguém tinha vindo falar comigo, se é que haviam me notado, só pensava em desaparecer dali. Maldita hora em que me inscrevi para o vestibular! O meu lugar, o meu mundo era o chão pintado de diesel do posto, era o cheiro forte de gasolina no ar e os amigos lá do bar Arthur. Com certeza aquela ali não era a minha casa. Eu sabia que não iria durar naquele ambiente e então, por que eu ainda insistiria? Que pegasse os caderninhos e saísse costeando no escurinho, se preciso fosse e até melhor, pelo potreiro que dá para o Seminário de Fátima e adeus tia Chica! Nem notariam, e se notassem, até dariam graças a Deus: “‘íííí... se foi o quieto, o guaipeca...”. Mas não. Não sei por que – ficava.
- Boa noite a todos. É uma alegria estar aqui com os senhores, com as senhoras; que percebo também no mesmo ambiente, e que bom isso... na abertura deste ano letivo e, ainda mais, abertura de um curso novo. O lindo curso de Administração. Administração de Empresas. É uma alegria poder conviver com esta primeira turma deste curso tão importante, e blá, blá, blá.., foi discorrendo o meticuloso professor Girônimo Zanandréa, com uma fala pontuada, macia, aveludada, e se não fosse - diria - uma fala de padre por que não, de tão afável. Ademais, a plena lotação e até uma emoção não ar, contribuíam para salientar ainda mais suas fofas e róseas bochechas.
Cada vez que ele movia o olhar para o meu lado, eu me encolhia. Deslizava, me afundava e desviava os olhos. “Que Deus Misericordioso, não permita que ele me note” era só o que eu pensava e pedia em segredo.
- Muito bem. Senhores e distintas senhoras. E para melhor podermos nos relacionar, ao longo do ano, que tal nos apresentarmos! O Menino Jesus, quando veio ao mundo, também foi logo apresentado aos três magos. Eu sei que quase todos aqui já se conhecem pelas relações empresariais, comerciais e sociais, mas estamos em um ambiente novo, e considero oportuno a gente se reapresentar, ou, de repente, tem alguém que não conheceeeemos... disse o professor Girônimo erguendo as sobrancelhas e olhando para o meu lado, afundando-me ainda mais atrás da carteira.
- Aiaiaiaiaiaiai, por que é que eu não fui embora antes de entrarmos na sala!? - gritei dentro de mim. Nossa Senhora de Fátima e agora? Eu vou ter de falar! Mas como? – ga-gago do jeito que sou, como é quee-e-e-e-e-euuuuu vô fa-fa-a-a-af-aff-faaaaa-a-a-lar? Pronto. Estava eu recolocado no alvo de todos os bullyngs sofridos no Campos Sales, no JB, no Mantovani - no ginásio, no científico, no posto de gasolina, no CPOR, no, na... (A qualquer hora o 2º Episódio).

sexta-feira, 6 de março de 2020

Presidente da ACCIE quer norte com ideologia (2003)


Em 2003 o então presidente da Accie, Jaci José De Lazzari (agora se assina assim), advertiu em uma entrevista, que a região precisava definir qual era seu norte, sua ideologia (vocação) para desenvolver-se. Para tanto pregou até mesmo a união de lideranças políticas contrárias e convocou as principais instituições regionais - incluindo todas as prefeituras da Amau e da Amunor (região nordeste), para, num esforço único, definirem seu perfil, sua missão e suas metas - constituindo um bloco sólido de poder e força com vistas ao próprio desenvolvimento. Passaram-se 17 anos e nada disso tornou-se realidade. O último deputado federal da região foi eleito em 1998. Há 22 anos portanto. Partidos políticos, candidatos e municípios optaram pelo caminho da satisfação de conquistas pessoais. E este caminho tem nos levado à estagnação política, econômica e social. O esquecimento viral de Brasília por Erechim, região Alto Uruguai e nordeste, não é por acaso. Ele circula nas nossas veias feito sangue da ignorância - simples assim. Este é o objetivo de recuperar aquele alerta de 2003; solene, particular e miudamente, não assimilado por ninguém. Desprezado por todos. E é também por isto que estamos onde estamos - assistindo do chão batido ao desenvolvimento de Passo Fundo, Chapecó e até Concórdia. Assistindo, pelo retrovisor, é claro. Agora, em tempos pré-eleitoral, desfia-se a mesma cantilena. Parem com isso! chega de tentar fazer entender que todos não passamos de um bando de idiotas. O aviso foi dado. Não o seguiram. Agora re-prometem como se ninguém tivesse memória. Recordemos a entrevista, e prestemos atenção ao centro, ao núcleo, ao que realmente interessa e que foi dito pelo líder empresarial, e visionário; como disse, há 17 anos. 


"Não, não é o que o leitor apressado pode estar pensando! Jaci José Delazeri, presidente da Accie (Associação Comercial Cultural e Industrial de Erechim) quer que a região norte do estado tenha sim uma ideologia, mas sem vínculos políticos.
Segundo o empresário, a Accie vai ‘tentar’ criar um Instituto de Desenvolvimento Regional (IDR). O novo órgão não pretende substituir a Amau, nem o Credenor, muitos menos as prefeituras – mas quer trabalhar com estas entidades.


Ody – Erechim faz 85 anos. Estamos adiantados ou atrasados?
Jaci – Tem que andar mais rápido. Na época do DI andávamos mais depressa. Os jovens têm pressa. Eles querem que as coisas aconteçam: têm ansiedades, sonhos, ambições, querem espaço. O mundo está interligado. Não temos mais interior, temos internet. O mundo é maior que era há 20 anos. A Accie tem esta dimensão.

Ody – O que afinal da Accie quer?
Jaci – Queremos através de projetos, resgatar, preservar e promover a cultura. Aí entra a política, a economia, o social, a educação... a cultura. O comércio tem que ver prestigiada a sua raiz regional. Temos que segurar o que é daqui. Sob este aspecto o povo tem ser bairrista – sempre respeitando o livre mercado.

Ody – Tem gente organizando caravanas para comprar num supermercado de Passo Fundo...
Jaci – Isto não derruba minha tese. Se os preços de determinado mercado daqui são maiores, devem ser reavaliados. Temos uma rede de supermercados que está aí para competir e isto é extraordinário. Sou contra a vinda de uma rede de supermercado de fora para cá porque eles vêm e num primeiro momento baixam os preços e depois implantam políticas danosas. Esta rede regional que já existe vai provocar a concorrência.

Ody – Tem outro exemplo?
Jaci – Tenho! Olha a Comil. Enquanto tinha raízes em Cascavel (PR) só se ouvia que iria embora. Agora que a família Corradi se radicou aqui, já abriram outra empresa (EMA), fábrica de silos.  Estas são as raízes que eu falo. Eu sou pró-mercado e pró-sociedade. Não defendo ações de grupos ou de indivíduos.

Ody – Erechim não está sendo menos cidade-pólo do que já foi um dia?
Jaci – Erechim precisa de ações urgentes do governo do estado. A conclusão da RST-480, a RS que vai de Pinhalzinho (Viadutos) à região nordeste...

Ody – Como conseguir isto. A RST-480 se arrasta desde 1978.
Jaci – Em junho o governo Rigotto vai estar com sua sede em Erechim. Vamos reunir a Amau e a Amunor, a classe empresarial, os trabalhadores. Este é o momento de afinar a orquestra.

Ody – A Accie quer comandar este processo?
Jaci – A Accie quer participar do desenvolvimento regional que está no seu estatuto. Vamos criar o Instituto de Desenvolvimento Regional onde primeiro será definida a missão da região, depois vamos traçar a ideologia da região norte e depois as metas. Não falo de ideologia política, mas de compromissos com a sociedade.

Ody – Isto não vai passar por cima do Credenor ou da Amau?
Jaci – Rapaz – eu já te disse que não se trata de política. Esta ideologia não pode ser uma coisa mutável. Não tem nada a ver com o Credenor. Nós não precisamos de dinheiro – mas de atitudes. Neste instituto estarão a prefeitura de Erechim, a Cotrel, a URI, a Amau, o Credenor... tudo!

Ody – O senhor não está pensando em criar um poder paralelo?
Jaci – Mas que poder paralelo!? Não temos poder nenhum sem dinheiro. Nós queremos é liderar um processo de consciência. A igreja católica tem 2 mil anos: tem missão, ideologia e metas. Nós precisamos de algo assim.

Ody – O senhor não está misturando neste projeto suas intenções políticas?
Jaci – Eu não tenho ficha política...

Ody – Mas isto é fácil. Eu mesmo lhe alcanço uma!
Jaci – Pára com isso. Estou falando num projeto de desenvolvimento e tu vem falar de política... Olha o PT: está vivendo grandes dificuldades. O Lula tem um enorme capital político e neste momento não está em dificuldades com a sociedade, mas com o núcleo central do seu partido. Se o Lula conseguir fazer as reformas que são necessárias ao país, ele poderá ser um dos maiores presidentes que o país já teve.

Ody – E se não fizer?
Jaci – Se o PT não conseguir atender as demandas do seu núcleo central imutável, será um grande fracasso. Se atender, estará não só cumprindo com sua missão com os menos favorecidos, mas vai se consagrar e o partido vai se manter. Eu não condeno quem tem ideologia – mas quem pensar diferente do governo central, no PT, deveria sair, mesmo mantendo sua ideologia.

Ody – O PT dos radicais e o PDT de Brizola?
Jaci – O PDT tem outro núcleo que é pró-estado – mas nem assim o condeno. Eles têm a sua ideologia.

Ody – Como está a questão das feiras?
Jaci – Estamos vivendo novos tempos e faremos as feiras sem agredir o passado. Vamos inaugurar no parque um memorial com todos que construíram as feiras. Ninguém será esquecido. Quem trabalhou será lembrado para sempre.

Ody – A cidade tem projeto?
Jaci – A Accie lançou um, mas é para 30 anos. É um plano estratégico da Accie...

Ody – O senhor defendeu a união de Eloi Zanella com Antônio Dexheimer e ambos... agradeceram.
Jaci – O Zanella é um grande líder. O Dexheimer é um líder. O Zanella é prefeito três vezes... o dr. Antônio já foi uma... mas eu respeito muito o dr. Antônio porque quando estava apoiando a campanha do Eloi Zanella, nós perdemos para o dr. Antônio Dexheimer. Então, temos que respeitar e olha que o Zanella era forte, assim como é forte hoje.

Ody – O senhor ainda defende esta união?
Jaci – Eu já disse o que penso.

Ody – Dizem que os dois não deixam ninguém crescer dentro do partido de cada um deles – PP e PMDB?
Jaci – Isso é mentira. Quem disse isso?

Ody – Mas se ouve que seria verdade... Ou mais ou menos verdade.
Jaci – E eu digo que é mentira: nós temos dois políticos vitoriosos, os deputados Ivar Pavan (PT) e Iradir Pietroski (PTB). Eles foram impedidos ou prejudicados pelo Zanella e pelo Dexheimer? O Zanella e o Dexheimer constroem as suas próprias vitórias. Eles não barram nada. O que falta é gente de coragem como o Pietroski e o Pavan. Quem quiser se lançar que faça como esses dois e meta a cara.

Ody – Desculpe a insistência, mas o senhor não se sentiu desprestigiado pelo Zanella e o Dexheimer com a sua proposta de união deles?
Jaci - Eu já disse o que eu penso sobre isto.

Ody – O senhor não considera que levou "chineledas" de ambos?
Jaci – Não me abalo com chineladas. Quem quiser – que se candidate.

Ody – O seu mandato na Accie vai até o fim do ano. Meu personagem, o Bota, há mais de um ano garantiu que o senhor ficaria mais outro mandato logo depois que o senhor disse que era o último. O senhor deixa mesmo a Accie em dezembro?
Jaci – Pois olha, avisa o Bota que ele tinha razão. Até para não ficar pegando no meu pé, avisa teu personagem que se a Assembleia da Accie quiser,  eu fico mais dois anos. Tenho uma série de metas que ainda não pude concluir. Diga para o Bota que ele tinha razão. Depois eu penduro... as botas!

Ody – Eu recebi uma carta anônima que perguntava o que mais o senhor queria ser na cidade... talvez – presidente do céu!
Jaci – Eu tenho minhas responsabilidades como presidente da Accie. Não posso me esconder no anonimato como alguns o fazem. Tenho que dar a minha contribuição para esta cidade e vou dá-la sempre que chamado. Quem é presidente da Accie não recebeu um chamado? Não posso e nunca irei me esconder ou me esquivar das minhas responsabilidades".