sábado, 27 de março de 2021

Três razões para viver...: conhecer, aplaudir e perdoar

 



 

 

1

Lima Barreto era considerado um

escritor maldito. É de sua autoria

a máxima “a única crítica que me aborrece

é a do silêncio”.

A equipe que participou

do projeto “100 razões para viver,

sem medo de morrer – Uma breve história

de Erechim”, chama pra si a

máxima de Barreto: “talvez a equipe

também seja considerada maldita

pela intelectualidade bota amarela”.

E finaliza na apresentação: “... a equipe

teme apenas pelo silêncio, pois

no futuro já garantiu a confortável

condição de réu para julgamento

pelo tribunal da história”.

A obra tem

a produção de Osnei de Lima,

pesquisa de Enori Chiaparini,

prefácio de Alcides Mandelli Stumpf

e, redação,

de João Francisco Campello Dill.

Já deixo claro: não posso me considerar

membro da nata intelectual bota amarela,

muito menos crítico literário;

mas me atreverei a não fazer silêncio.

Até porque, tivesse

Erechim uma cama,

o livro estaria

na cabeceira.

 

2

O produto é de 2019, o projeto,

a pesquisa especialmente,

a redação

e a edição

– até a publicação e seu lançamento,

demandam um tempo

que só os envolvidos podem aferir.

Tenho para mim que,

muito provavelmente,

o trabalho mais penoso e que leva

aos autores a se projetarem na

“confortável condição de réus para

julgamento

pelo tribunal da história”, vai da

inescapável missão de terem que deixar

de fora dos 100 nomes

– outros tantos

ou talvez dez vezes mais.

3

Mas diria aos autores – esta é uma

“acusação” natural a quem se

dispõe elaborar listas de melhores

e maiores.

Osnei, Chiaparini e Dill

sabiam disso de antemão.

Devem

ter passado noites remoendo não só

dúvidas, mas a ponto de talvez até

os mesmos terem se acusado.

 

4

 

Eu não sei se porque entre os mais

diferentes gêneros literários,

o que contempla biografias,

me é de uma preferência

e por isso...

Li algumas

– mas 750 páginas

sobre 100 que aqui viveram

é muito interessante.

Este livro devia estar nas escolas,

nos Poderes, na imprensa.

Na casa de quem quer saber mais

sobre conterrâneos que já se foram.

Imperdível.

 

5

Alguém poderá acusar os autores de

que uma biografia não se faz em cinco

ou seis páginas – a média que cada um

mereceu -, mas isto já estava

na sua origem. Não sejamos oportunos

nem amadores, para nos apresentarmos

como sabedores de algo que os autores

sempre souberam.

Ademais – existe lastro e profundidade sim.

Tanto na pesquisa quanto na redação.

É sobretudo uma leitura que cativa e agradável.

 

6

A obra em si é simplesmente fantástica.

A “descoberta” de associar cada um

dos biografados a um verbo que resume

seu perfil e feitos merece elogios.

Ela permite saber sobre cada biografado

com uma só palavra.

Outra atrativa associação foi ligar

cada biografado a um filme. 

E olha,

lendo a história dos eleitos e observando

a associação com a sétima arte, é difícil

não concordar com a proximidade dos

“enredos”.

 

Peguemos Acelyno Rigo, um sujeito que

em 1938 colocava no ar sua Rádio

Experimental. Teve sua imagem associada

ao filme “A Era do Rádio”.

Para resumir sua vida como

“uma razão para viver... – experimentar!”.

Ou ainda a Irmã

Consolata.

Nascida na Áustria em 1914,

em 35 designada vem para o Brasil,

aportando em 38 na Boa Vista do Erechim

para sua missão. Sua imagem foi associada

ao filme “Asas do desejo” que aborda

anjos que habitam entre humanos,

servindo-lhes em momentos de angústia

e desesperança. O escrito recorta

como “uma razão para viver – Servir!”.

Alguém discorda?

 

7

Pouco me dediquei a pesquisar quem

foi quem ou quem fez o quê?

– para levantar qualquer reparo mais

relevante sobre eventual esquecimento na lista.

O que sei é que os idealizadores devem

ter centenas de outros nomes, igualmente

já falecidos – a obra se debruça apenas

a quem tiver tal ‘predicado’ – e, talvez

venham a público em outras oportunidades.

 

8

Pensei em roubar os nomes dos 100

e dar-lhes o verbo – que a equipe deu

para definir cada

um deles. Mas aí já seria demais.

Infringiria a boa ética.

Desrespeitaria quem é

merecedor dos créditos.

Mas – é impressionante a fartura

de homens e mulheres notáveis

que fizeram a história desta cidade

em tempos muito difíceis.

 

9

Como Erechim se abasteceu de

Caixas do Sul, Bento Gonçalves, Flores

da Cunha, Veranópolis, da Serra,

das Colônias Velhas, e comunidades

da própria região, entre outras!

Gente que aqui chegou quase sem nada

– e graças à determinação, à fé e religião,

ao trabalho e à vontade de crescer

e ser alguém na vida -, não só se fizeram

como abriram empresas, criaram

empregos, superaram desafios abrindo

novos horizontes em centros maiores

com suas atividades econômicas

(empreendedorismo de verdade em

setores diversos),

nas artes, na música, literatura,

política

– entre tantas.

 

10

À medida que se vira cada página,

um novo personagem nos surpreende,

porquanto só o sabíamos lá na metrópole,

mas não que correu de calças curtas

por aqui, conquistou ou abriu seu

primeiro ganha-pão por aqui,

enfim, plantou, colheu e viveu aqui,

ou daqui

alçou voos que a maioria

(e me incluo entre esses)

desconhece ou desconhecia.

 

11

Suponho que nomes como

Estevam Carraro, fundador do periódico

mais antigo da cidade e ainda respirando

às vezes com “aparelhos”, na área

da comunicação local,

que um

Milton Doninelli ou

Euclides Antonio Tramontini,

ligados à coberturas históricas na

imprensa do passado,

homens da radiofonia

e dos épicos bailes de carnaval;

um Hermínio Carpegiani

– O Velho Borges –

o maior jogador de futebol que Erechim

viu jogar por aqui, poderiam estar noutro

livro.

Mas essas sugestões não diminuem

a grandiosidade da obra,

ademais, é difícil opinar assim de cabeça.

Por isso a pesquisa.

Mas me é confortável

aceitar a eleição destes 100.

Sei que trabalharam amparados em bom

senso e peneirando a não faltar com

a mais justa das justiças – a despeito

das “injustiças’ que sempre haverão

de habitar e povoar outras cabeças,

outros olhares, vontades e até interesses.

Entre Pelé, Ronaldinho,

Messi, Ronaldo Fenômeno, Garrincha,

Zindane, Johan Cruijff, Zizinho, Beckenbauer,

Eusébio, Puskas, Di Stéfano,

Cristiano Ronaldo, Maradona...

dentre esses quinze, tendo que escolher três

ou quatro;,

quem você elegeria!?

Pois é - quantas pedradas receberia!?

Quantas acusações responderia no

banco dos réus da história?

 

12

A meu juízo, como leitor e, reitero

- apreciador de biografias -, nenhum

dos autores deveria sentar-se no banco

dos réus para ser julgado por desconfianças

de infringir a história ou por publicar

inverossimilhanças descabidas.

Quem podia sentar-se no banco dos réus,

são intelectualidades e

çabios

“residentes” em diferentes áreas

– e também não me eximo destes -

que jamais abriram um livro

porque “não gostam de ler”,

ou “não tem tempo de ler”.

Ou ainda lêem pouco, quase nada.

 

O desalento é maior quando em

muitos casos se faz uso da microfonia

e das letras de massa,

ou quando futricam 

e se remoem em alcovas de má fé,

ou ainda,

mantêm-se acorrentados

“às redes sociais

de recados”

– “ensinando” a outros, aquilo

que desconhecem, não raras vezes

amparados na própria ignorância que

- cega e surda, sonega pesquisas,

estudos e descobertas.

Quando um grande escritor é execrado

como “maldito” – o que sobra a nós,

desinteressados em saber ao menos o que

se perscruta com denodo,

se seleciona, se escreve,

e se entrega em 750 páginas sobre

nossa própria fonte de vida

- enquanto moradores de Erechim!?

 

Peço autorização aos autores

para infringir

em analogia, o título que nomeia esta

grande obra “made in Erechim”

por erechinenses.

 



13

Diria: “Três razões para ler

sem medo de morrer: conhecer,

aplaudir

e perdoar”.

Perdoar pelo silêncio do presente.

Descendo um degrau - diria ainda:

o que preocupa não é “a crítica

do silêncio”

– mas “o crítico

estado do silêncio”.

Para nossos parâmetros uma

obra magnífica, emoldurada

com fio dourado por

Alcides Mandelli Stumpf,

da Academia Erechinense de Letras,

no prefácio.

 

E como no nosso país

tudo que é julgado hoje

pode ser mudado amanhã

- vide últimos lances na seara -,

não deveria ser descartado,

sim,

um assento

no tribunal da história

para a corajosa equipe deste obra

- o que não acredito.

A menos que...

 

14

A menos que...

com um novo livro,

com novos personagens, e então..

por esta lista não seriam julgados.

Mas ao elaborar nova...

como diria Kafka:

cuidado, pois também aqui,

tudo é aparente.

 

Dos quinze, Pelé teria 100%?

Talvez. Quanto aos demais

sempre reinará uma dúvida,

porquanto em se tratando de escolhas

sempre haverá quem enxergue o que

só os seus olhos veem.

 

15

Semana que vem

completam-se 2021 anos

Daquele que, supostamente,

devia ter agradado a todos.

A “lista do um” incontestável.

Leiloado à “escolha” dos comuns,

e jogado ao arbítrio da ignorância;

acabou crucificado.

Então – devagar com as críticas sobre

os 100 do livro.

Preserve-se. Não pague mico.

É o que faço.

Pelo menos da minha parte.

 

De resto cumprimentos aos autores

desta grandiosa obra de pesquisa,

- pela coragem e sensatez.