Guilherme Barp/Arquivo de Família |
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Devia ser 1964.
Ano de inauguração do Colégio Mantovani.
Eu estava na 1ª série do ginásio.
Ou – talvez fosse 1965.
Mas já tínhamos francês.
O professor – Guilherme Barp.
Um homem de estatura baixa, mas
já dava pra
ver que era rígido.
Ensinava e cobrava mesmo.
E para nós, uma turma de “fedelhos”
recém saídos da Admissão na 5ª série
do JB - éramos só ouvidos. Ai de quem...
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Pois naquele ano tínhamos um livro
da capa amarela nas aulas de francês.
Era um livro com inúmeros textos e
uma das tarefas era ler os ditos textos.
Óbvio que havia os mais difíceis, etc.
Mas o texto número 30 ou da página 30
(não sei por que, mas é esse número
que está na minha memória
- talvez não seja, mas
apostaria que sim),
era tido por todos como o mais fácil.
E, uma certa data, o professor Barp
anunciou que nos preparássemos
pois ele tomaria a leitura de aluno
por aluno daqueles textos. O modo
de escolha seria por sorteio. Todos
queriam pegar o texto 30 ou da página 30.
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Minha classe ficava na frente da mesa
do professor. Chegando à sala,
pediu-me que tirasse uma folha
do caderno e rasgasse em
papeizinhos colocando a numeração
de 01 até o último texto.
Confesso hoje, passados assim,
por alto 57 anos, senti uma coceira
de fazer uma marquinha no papelzinho
de número 30. Mas
– o meu medo era maior.
A única vez que tentei enganar
um professor foi colar em física,
com o grande Generali.
Eu tremia tanto que minha mão
deve ter chamado a atenção do professor.
Mas, aparentemente, fez de conta
não ter visto nada.
Hoje eu sei: estava esperando
pra me prender em flagrante.
Quando puxei o papel por baixo da classe,
uma mão enorme me arrancou a cola
das mãos, tirou a prova, amassou-a,
e me mandou pra fora da sala.
Que fosse pastar.
Isso com o Generali.
Então – eu
tinha esse medo de berço
na própria pele. Os outros faziam chover
– mas eu tinha certeza que seria apanhado.
E sempre era. Ou – a vez que tentei
- me pegaram.
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Vai que enumerando os textos
na aula de francês, se fiz ou não
fiz uma marquinha no texto 30
– não lembro, mas apostaria que não
-, e quando tudo estava pronto,
o professor Barp, pela lista de chamada,
convocou um por um para tirar um papelzinho.
O número que
estava no papel era o texto
que devia ler. E o 30 era o que todos
sabiam, o mais fácil e o mais curto.
O cobiçado. Não sei como foi,
mas na minha vez e já tinham
tirado a metade dos papeizinhos
(e ninguém vibrara!),
peguei um é... eureka: o 30.
O 30 na minha mão.
O texto se intitulava “C’est ma Ville!”.
“É minha cidade” – ou algo parecido.
Todos sabiam ler aquele
- em francês. Até eu.
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O tempo passou, cada um foi para seu lado
e, lá pelos idos da segunda metade da
década de 1960, Guilherme Barp
liderou um grupo de professores e religiosos
da época, Grupo Vaticano, buscando
a UPF estender
cursos superiores
para Erechim.
Segundo a professora Doutora
Helena Confortin, o grupo tinha
o professor Franzon, Valdomiro Betoni,
Irmã Nazaré, Girônimo Zanandréa,
Demétrio Valentini e
o grande mestre de História
– Adroaldo Lise.
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Coube ao professor Guilherme Barp
liderar essa turma e tornar-se
o primeiro diretor do
Centro Universitário Erechim
– Extensão de Passo Fundo.
Foi instalado em 7 de setembro de 1968.
Os cursos eram – Estudos Sociais e Letras.
Em 15 de outubro de 1968 foi trocado
seu nome passando a chamar-se
Centro Universitário Alto Uruguai
– CEUAU. Depois disso todo mundo
sabe a história, mas para constar,
na raiz dela, estava Guilherme Barp.
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Ainda viajando com o tempo,
na companhia de Guilherme Barp,
elegeu-se vereador para a gestão
1983 a 1988. Tornou-se presidente
do Poder Legislativo de 6 de janeiro de
1987 a 31 de dezembro der 1988.
Seu partido? – o PDT.
Era, sobretudo, um trabalhista,
um brizolista.
Digamos – um socialista,
ou, quase, quase.
Um trabalhista com absoluta certeza.
De 21 de janeiro de 1988 a 25 de janeiro
do mesmo ano, assumiu a prefeitura
como prefeito em exercício.
No governo do Dr. Alceu Collares,
foi Delegado de Educação
(denominação usada à época)
na 15ª CRE.
De 1991 a 1994.
Foi o 16º Delegado
de Educação na nossa região.
Na sua gestão
foi inaugurada a Escola Estadual de
Ensino Médio Dr. João Caruso lá
nas Três Vendas com Dr. Collares e
dona Neusa presentes.
Antonio Dexheimer era o prefeito.
PDT & MDB no comando.
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Mas – Guilherme Barp
-, professor, incentivador
de instituições italianas,
empreendedor educacional ao liderar
a vinda do ensino superior a Erechim,
advogado, militante
político,
delegado de educação, vereador,
prefeito em exercício, pesquisador,
colaborador com periódicos locais,
ativista urbano por causas sociais,
foi, sobretudo, um homem de
posições.
(Deixo o termo 'posições'
em linha isolado,
porque esta define o Barp,
no meu entender.
E uma das causas que abraçou
e defendeu durante toda sua vida foi
a grafia de Erechim com “xis” e,
mais do que isso, um defensor do uso
da língua portuguesa para denominações
que levavam como escrita outros idiomas.
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Porém, este é um capítulo que não merece
nesta modesta homenagem
a este “erexinense” como diria ele
– ser reaberto
aqui e agora. O fato objetivo é
que Guilherme Barp, com tudo
que encarnou, partiu como mais uma
vítima da Covid 19 aos 92 anos,
no dia 12 de março. Deixa esposa,
dois filhos, cinco netos e três bisnetos.
Sua obra com concordâncias
ou discordâncias está escrita
e incólume nos anais desta cidade.
Tanto isso é verdade que o prefeito
Paulo Polis chegou a decretar luto
de três dias ao tomar conhecimento
do passamento deste homem.
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Morador da mesma quadra
do Mantovani, Guilherme Barp
pode ainda orgulhar-se de ter sido
um homem de prioridades claras:
família, fé/religião, convicções que
por vezes atraíam e fomentavam
debates no campo das ideias,
trabalho,
educação e política
– afora seu ofício
de advogado.
Não obstante,
houve um período onde ao lado
de Neivo Zago, Antonio Andriolli
e da militante e atuante Ondina Piaia
(também já falecida),
formou o grupo “A voz do povo”
que se reunia na esquina democrática
da cidade para defender causas
aparentemente comuns a todas
as pessoas de bem, tanto em nível
local, estadual ou nacional. Uma delas
pedindo a redução de todos os custos
da Câmara de Vereadores recebeu
quase 5 mil assinaturas. Mas
– nada foi atendido pelos edis da
época lá por 2016,
nem nunca. Afora isso,
havia outro grupo que mais
recentemente reunia-se geralmente
às sextas-feiras no “Felicità”
da Tiradentes para cafés
e mais debates e embates.
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Afora uma ou outra discussão
sobre jornalismo e fonte, cada
qual respeitando a fronteira do outro,
prefiro guardar como lembranças
aquela do católico fervoroso
que não perdia missa
de fim de semana na São Pedro,
do político e defensor de convicções
e pontos de vista sobre diferentes
temáticas
e, donde reconheço que sobremaneira,
Guilherme Barp
foi acima de tudo em
todos seus papéis assumidos
e desempenhados na cidade, um sujeito,
como disse, de posições. Não é sempre
que nos deparamos com alguém
que assume posições e as sustenta,
indiferente do que pensam delas e dele.
Ser reconhecido por suas posições soa
como um elogio – um ato de respeito
para quem assim é. A concordância
ou não – fortalece uma e revela
o caráter democrático para com
a outra -, discordante. Ambos se
avalizam como “rivais necessários”,
configurando uma espécie de Grenal,
onde a existência de um,
está ligada diretamente à existência
do outro.
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Por isso mesmo fico com o
Guilherme Barp varrendo
a fronteira externa da sua residência,
ali na Nelson Ehlers, para deixar
tudo em pratos limpos àquela área
– sempre protegido do sol usando
seu chapéu firme, aparentemente
confeccionado em palha ou tipo vime,
quer na cabeça ou nas abadas, mas
um equipamento útil e confiável.
Os ademais que correm de boca
em boca – muita vez sem informações
mais acreditadas - são filigranas
que diante da grandiosidade da vida
não passam de momentos que de uma
ou outra sorte nos marcam para sempre
no contexto histórico – de quem
tem história.
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Uma demonstração da sua determinação,
e por que não dizer, ousadia quando
colocava uma coisa na cabeça,
foi o fato de ter redigido uma carta
em 30 de maio de 1983, em francês,
desejando um ótimo governo
ao nada mais, nada menos,
presidente da França – Francois Miterrand.
Foi o governante mais longevo
da França, governando o país de 1981 a 1995.
E um dos únicos oriundos
do Partido Socialista.
Sempre na língua francesa,
Guilherme Barp recebeu a resposta
em 29 de junho de 1983
– do próprio Presidente Miterrand.
Dir-se-ia ou dir-se-á hoje: coisa de Barp!
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Por fim, a pendenga que ganhou
fama na cidade e até fora dela,
sobre a escrita correta de sua denominação,
se com “x” ou “ch” - credito-a
a uma questão de estudo,
de convicção e de posição,
pois afinal
quem poderia suspeitar que ao
insistir com sua insistência
sobre o assunto, Guilherme Barp,
não estaria apenas nos cutucando,
porquanto, por via das dúvidas,
esta também 'é minha cidade’.
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“José Ódy, é a sua vez.
Texto 30.
Pode começar!”.
Pois não, professor:
“C’est ma Ville!”.