quarta-feira, 10 de março de 2021

O jogo mais incrível que Erechim viu – 4ª Parte

 

Na foto Atlântico time base 1062/1962: Noronha, Tiassa, Paulinho, Airton Samuel, Garcia e Eneci;Doracy, Tomasi, Zé Carlos, Maneco e Índio.



29

 

O intervalo era feito para tirar a

‘água do joelho’ e as ‘patentes’

da Baixada quase

não davam conta.

 

Não se sabe por que razões os

torcedores não ensaiavam vaias, 

e nem por que não iam embora,

afinal precisava ganhar e tomava

de 2 a 0.

 

Parecia que lhes tinham

prometido um milagre,

sim um verdadeiro milagre,

que baixaria direto do céu no

gramado úmido da Baixada.

 

O sol já se punha por detrás

da copa

e bolão do Atlântico

onde na curva do barranco,

atlantistas sentados em pleno

chão

de grama e terra,

derrubavam uma Serramalte

atrás

da outra.

Os cascos escuros rolavam

no barranco.


30

 

O Véio Graví, com sua

cestinha de amendoins,

já com voz rouca, 

ainda se aventurava com um

versinho aqui, um gritinho de

‘mostra pra eles agora Pinhão!’

ali, 

mas havia um ar de mistério no...ar.


fora, o motorista do ônibus

do Lajeadense parecia só

esperar o cumprimento legal de mais 45,

e depois era só descer a serra com a vaga.

 

Sim – não se perca: era 2 de dezembro

de 1962

‘Atlântico,

vamos para a luta’.

 

31

 

Quando os dois times voltaram

para o segundo tempo,

ninguém podia imaginar o que

estava por vir.

Nem quem viu,

nem quem fez o que fez.

 

Havia uma desconfiança que hoje

me assalta,

de que a camisa do Galo

voltara mais encarnada.

Os jogadores não se falavam e

cada um corria de um lado 

para o outro.

A concentração era plena.

Parecia que não perdiam de 2 a 0,

ou que tudo aquilo não fora nada.


                                    32

 

Na cidade se falava em sinaleiras.

O Rotary Clube doaria duas...,

pois afinal, Erechim, 

já tinha quase 3 mil veículos.

Algo como 25 vezes menos do que hoje.

 

Despacho da UPI informava:

‘Concílio estuda o uso de pão e vinho

na Santa Comunhão’, em substituição

à hóstia, mas havia um problema 

imediato

– “o cálice teria que passar de boca

em boca, e devido ao sistema de

castas, na Índia,

as pessoas se ofenderiam!...'

Hoje então - com a pandemia!

 

33

 

O Atlântico chutava agora contra

a meta do barranco,

aquela que dá para a 

rua Torres Gonçalves.

Aquela era sua meta favorita 

para o Atlântico

atacar nos segundos tempos.

A torcida se concentrava na 

arquibancada de madeira,

“de cima” como se dizia

e pressionava o goleiro adversário

que ficava há um ou dois metros.

Até o Idylio Badalotti viu esse jogo

sob os pés de Uva-Japão.

Ele mesmo me contou um dia.

 

O bombardeio verde-rubro logo

se mostrou.

A pressão veio assim como

quando a noite desce.  

Ninguém segura.

 

A torcida sentiu que era agora

ou nunca mais.

Todos davam sua última arrancada.

O Galo cresceu na adversidade,

como é do seu feitio,

e quando parecia que ainda havia

chances,

Antoninho ‘escalona’ pela direita,

serve a Paulo Muradás

que... do bico da grande área,

aquela que dá para o Mantovani,

bate... a bola entra no ângulo

de Paulinho.

Lajeadense 3 a 0.

Eram 7 minutos do 2º tempo.

Eu só pensava que ainda tinha 

os temas de casa pra fazer e,

"amanhã, segunda-feira, os professores

vão cobrar". 

Fazer temas com um 3 a 0 no lombo,

que saco. 

Mas não tinha escapatória.

Naqueles tempos os pais 

ainda tinham boca

e mandavam nos filhos.

 

34

 

um incerto.

Só um fanático.

Só um Atlântico,

para tentar o impossível

penso eu,

hoje,

59 anos depois.

O Lajeadense vencia por 3 a 0

e faltavam 38 minutos e o empate

não servia ao Galo.

 

‘Atlântico,

tu és poderoso!’

Na vitória ou na derrota,

honremos nossa tradição’.


Atenção: Será calçada a Avenida 

Santo Dal Bosco.

Bueiros colocam transeuntes em

perigo na rua Itália.

Falta de "material humano"

- era matéria de A Voz da Serra -,

inviabiliza policamento Pedro & Paulo.

Aula inaugural na Escola Industrial.


                                 35

 

Sim, eram 7 minutos do 2º tempo,

e o Atlântico perdia de 3 a 0

e não podia nem empatar.

Só a vitória interessava.

E era decisão.

Era 2 de dezembro de 1962

– Baixada Rubra e o adversário,

o Lajeadense.

 

Quero sublinhar o foco aqui:

por que, mas por que a torcida

atlantista não desceu do pavilhão

e dos barrancos

e não foi pra casa

quando estava 3 a 0

já que a vaga só viria

com uma vitória?

Aqui se justifica a história do Atlântico:

porque o Atlântico... é assim!

Teimoso.

Aguerrido.

Sua a camisa até até o último minuto.

Não se entrega jamais.


                                     36

 

Transcorriam 18 minutos

da etapa complementar

quando Moacyr,

de fora da grande área arremata

e encobre o goleiro Rogério.

Eu me mexi,

meu pai se mexeu,

a torcida do Galo se mexeu,

pois afinal,

aquele jogo não terminaria

sem gol nosso.

 

Seis minutos depois,

Tomasi cruza,

Hélio corta com a mão.

Pênalti.

Cardoso bate e encosta

o Galo no placar. 3 a 2.

 

Então eu pulei.

Meu pai pulou,

o pavilhão pulou.

Faltavam só 2 gols

e a avalanche do Galo parecia

que despencaria de uma só vez

sobre o Lajeadense que ainda

insistia em atacar.

 

E foi assim,

os dois times atacando

e atacando,

o Atlântico querendo empatar

e virar

e o Lajeadense buscando

ampliar e liquidar.

Aos 30 minutos a zaga do Galo

se confunde, 

Roque bate fraco,  

e ‘mata’ o Galo: 4 a 2.

As penas voavam.

Agora não dava mais.

O pavilhão vermelho

sentou.

 

                                           37

 

Daí para a frente foi um tudo

ou nada.

Mais para nada do que para tudo.

Aos 33,

de tanto insistir à melhor

pressão portenha,

outro pênalti contra o Lajeadense.

Paulo Kieling corta com a mão

a trajetória da bola

e Cardoso faz o terceiro do Galo.

A torcida se reanima porque

o Galo ainda está vivo 

e, incrivelmente, bate as asas 

desasadas é claro,

 mas cisca inconformado,

as espora.


Assistência jurídica no cível e

no crime concedido pela OAB 

aos carentes.

Marginais invadem terras - surgiu 

uma vila

da noite para o dia, dizia A Voz da Serra.

Doze milhões de cruzeiros 

para desapropriação

de terrenos aeroporto para 

construção de

pista de pouso e decolagem - era notícia.

Melhoramentos no transporte 

urbano: adquiridas

duas Kombis. 

Faltou documentação na doação

de terreno à Mitra.

 

O Lajeadense não para de dar 

balãopara fora do campo.

Para fora do estádio.

As bolas,

uma atrás da outra,

iam

lá para as bandas de onde hoje

é o 13º BPM.

 

Na redondeza havia casas

ou cortiços

de ‘má fama’.

Papéis celofane em vermelho

e roxo desvirtuavam a luz

dos bicos   

nas casas de ‘tolerância’ à noite.

Hoje – um lugar recatado.

 

Suas proprietárias e inquilinas,

ao lado de um mundaréu

que "trabalhava” lá pelos lados

do aeroporto;

formavam torcida agarrada à tela,

cujos lábios mais encarnados

que a camisa vermelha do Atlântico,

desferiam os mais impublicáveis

impropérios aos jogadores do time

adversário e ao árbitro.

À noite eram amantes e escravas

- ali na tela do Atlântico eram fanáticas

atlantistas ou atlantinas.

Gente fina

- da melhor sociedade local.

 

38

 

Lewis Caron/Presidente do Atlântico



Faltam 12 minutos e 2 gols.

Este era o desafio do Atlântico

naquele resto de tarde.

Ninguém arredava pé 

da Baixada Rubra,

a despeito do 4 a 3 para 

o Lajeadense.

Será que todos pensavam 

que aquilo

era como futsal,

onde os gols podem sair assim...

quando faltam segundos?!

 

A pá de cal viria aos 38.

O Atlântico estava inteiro 

na área

do Lajeadense e babava 

o empate.

Me parecia ver até o presidente

Lewis Caron & Cia., na grande área

do time do Vale do Taquari.

Até eu,

se pudesse,

queria entrar no gramado.

Zaga  não havia mais.

A defesa do Galo... 

era só ataque.

O time todo – um ataque.

Ataque dentro de campo,

quase ataques do coração

fora das quatro linhas. 

 

39

 

Aos 38 minutos e ainda 4 a 3.

Roque recebe,

segundo a imprensa,

em impedimento

e entra na cara de Paulinho.

Tiassa não hesita e faz o pênalti.

Paulo Muradás sela 5 a 3

e quase eram 40 do 2º tempo.

Agora sim 

– nem o padre Rigoni

da São Pedro,

nem Nossa Senhora de Fátima

mudariam aquele destino.

Volvi os olhos miúdos 

de dez natais

por detrás dos eucaliptos,

que os tempos modernos 

atoraram (os eucaliptos);

e tentei me ver em casa,

já segunda-feira,

com a merenda enrolada

em papel de padaria.

Estamos nos aproximando da Sexta-Feira Santa.

Era Cristo na cruz: 

“tudo está consumado!”.

(Amanhã - Final)