Na foto Atlântico time base 1062/1962: Noronha, Tiassa, Paulinho, Airton Samuel, Garcia e Eneci;Doracy, Tomasi, Zé Carlos, Maneco e Índio. |
29
O intervalo era feito para
tirar a
‘água do joelho’ e as ‘patentes’
da Baixada quase
não davam conta.
Não se sabe por que razões os
torcedores não ensaiavam vaias,
e nem por que não iam embora,
afinal precisava ganhar e tomava
de
Parecia que lhes tinham
prometido um milagre,
sim um verdadeiro milagre,
que baixaria direto do céu no
gramado úmido da Baixada.
O sol já se punha por detrás
da copa
e bolão do Atlântico
onde na curva do barranco,
atlantistas sentados em pleno
chão
de grama e terra,
derrubavam uma Serramalte
atrás
da outra.
Os cascos escuros rolavam
no barranco.
30
O Véio Graví, com sua
cestinha de amendoins,
já com voz rouca,
ainda se aventurava com um
versinho aqui, um gritinho de
‘mostra pra eles agora Pinhão!’
ali,
mas havia um ar de mistério no...ar.
Lá fora, o motorista do ônibus
do Lajeadense parecia só
esperar o cumprimento legal de mais 45,
e depois era só descer a serra com a vaga.
Sim – não se perca: era 2 de
dezembro
de 1962
‘Atlântico,
vamos para a luta’.
31
Quando os dois times voltaram
para o segundo tempo,
ninguém podia imaginar o que
estava por vir.
Nem quem viu,
nem quem fez o que fez.
Havia uma desconfiança que hoje
me assalta,
de que a camisa do Galo
voltara mais encarnada.
Os jogadores não se falavam e
cada um corria de um lado
para o outro.
A concentração era plena.
Parecia que não perdiam de
ou que tudo aquilo não fora nada.
Na cidade se falava em
sinaleiras.
O Rotary Clube doaria duas...,
pois afinal, Erechim,
já tinha quase 3 mil veículos.
Algo como 25 vezes menos do que hoje.
Despacho da UPI informava:
‘Concílio estuda o uso de pão e vinho
na Santa Comunhão’, em substituição
à hóstia, mas havia um problema
imediato
– “o cálice teria que passar de boca
em boca, e devido ao sistema de
castas, na Índia,
as pessoas se ofenderiam!...'
Hoje então - com a pandemia!
33
O Atlântico chutava agora
contra
a meta do barranco,
aquela que dá para a
rua Torres Gonçalves.
Aquela era sua meta favorita
para o Atlântico
atacar nos segundos tempos.
A torcida se concentrava na
arquibancada de madeira,
“de cima” como se dizia
e pressionava o goleiro adversário
que ficava há um ou dois metros.
Até o Idylio Badalotti viu esse jogo
sob os pés de Uva-Japão.
Ele mesmo me contou um dia.
O bombardeio verde-rubro logo
se mostrou.
A pressão veio assim como
quando a noite desce.
Ninguém segura.
A torcida sentiu que era
agora
ou nunca mais.
Todos davam sua última arrancada.
O Galo cresceu na adversidade,
como é do seu feitio,
e quando parecia que ainda havia
chances,
Antoninho ‘escalona’ pela direita,
serve a Paulo Muradás
que... do bico da grande área,
aquela que dá para o Mantovani,
bate... a bola entra no ângulo
de Paulinho.
Lajeadense
Eram 7 minutos do 2º tempo.
Eu só pensava que ainda tinha
os temas de casa pra fazer e,
"amanhã, segunda-feira, os professores
vão cobrar".
Fazer temas com um 3 a 0 no lombo,
que saco.
Mas não tinha escapatória.
Naqueles tempos os pais
ainda tinham boca
e mandavam nos filhos.
34
Só um incerto.
Só um fanático.
Só um Atlântico,
para tentar o impossível
penso eu,
hoje,
59 anos depois.
O Lajeadense vencia por
e faltavam 38 minutos e o empate
não servia ao Galo.
‘Atlântico,
tu és poderoso!’
Na vitória ou na derrota,
honremos nossa tradição’.
Atenção: Será calçada a Avenida
Santo Dal Bosco.
Bueiros colocam transeuntes em
perigo na rua Itália.
Falta de "material humano"
- era matéria de A Voz da Serra -,
inviabiliza policamento Pedro & Paulo.
Aula inaugural na Escola Industrial.
35
Sim, eram 7 minutos do 2º tempo,
e o Atlântico perdia de
e não podia nem empatar.
Só a vitória interessava.
E era decisão.
Era 2 de dezembro de 1962
– Baixada Rubra e o adversário,
o Lajeadense.
Quero sublinhar o foco aqui:
por que, mas por que a torcida
atlantista não desceu do pavilhão
e dos barrancos
e não foi pra casa
quando estava
já que a vaga só viria
com uma vitória?
Aqui se justifica a história do Atlântico:
porque o Atlântico... é assim!
Teimoso.
Aguerrido.
Sua a camisa até até o último minuto.
Não se entrega jamais.
Transcorriam 18 minutos
da etapa complementar
quando Moacyr,
de fora da grande área arremata
e encobre o goleiro Rogério.
Eu me mexi,
meu pai se mexeu,
a torcida do Galo se mexeu,
pois afinal,
aquele jogo não terminaria
sem gol nosso.
Seis minutos depois,
Tomasi cruza,
Hélio corta com a mão.
Pênalti.
Cardoso bate e encosta
o Galo no placar.
Então eu pulei.
Meu pai pulou,
o pavilhão pulou.
Faltavam só 2 gols
e a avalanche do Galo parecia
que despencaria de uma só vez
sobre o Lajeadense que ainda
insistia em atacar.
E foi assim,
os dois times atacando
e atacando,
o Atlântico querendo empatar
e virar
e o Lajeadense buscando
ampliar e liquidar.
Aos 30 minutos a zaga do Galo
se confunde,
Roque bate fraco,
e ‘mata’ o Galo:
As penas voavam.
Agora não dava mais.
O pavilhão vermelho
sentou.
37
Daí para a frente foi um tudo
ou nada.
Mais para nada do que para tudo.
Aos 33,
de tanto insistir à melhor
pressão portenha,
outro pênalti contra o Lajeadense.
Paulo Kieling corta com a mão
a trajetória da bola
e Cardoso faz o terceiro do Galo.
A torcida se reanima porque
o Galo ainda está vivo
e, incrivelmente, bate as asas
desasadas é claro,
mas cisca inconformado,
as espora.
Assistência jurídica no cível e
no crime concedido pela OAB
aos carentes.
Marginais invadem terras - surgiu
uma vila
da noite para o dia, dizia A Voz da Serra.
Doze milhões de cruzeiros
para desapropriação
de terrenos aeroporto para
construção de
pista de pouso e decolagem - era notícia.
Melhoramentos no transporte
urbano: adquiridas
duas Kombis.
Faltou documentação na doação
de terreno à Mitra.
O Lajeadense não para de dar
balãopara fora do campo.
Para fora do estádio.
As bolas,
uma atrás da outra,
iam
lá para as bandas de onde hoje
é o 13º BPM.
Na redondeza havia casas
ou cortiços
de ‘má fama’.
Papéis celofane em vermelho
e roxo desvirtuavam a luz
dos bicos
nas casas de ‘tolerância’ à noite.
Hoje – um lugar recatado.
Suas proprietárias e inquilinas,
ao lado de um mundaréu
que "trabalhava” lá pelos lados
do aeroporto;
formavam torcida agarrada à tela,
cujos lábios mais encarnados
que a camisa vermelha do Atlântico,
desferiam os mais impublicáveis
impropérios aos jogadores do time
adversário e ao árbitro.
À noite eram amantes e escravas
- ali na tela do Atlântico eram fanáticas
atlantistas ou atlantinas.
Gente fina
- da melhor sociedade local.
38
Lewis Caron/Presidente do Atlântico |
Faltam 12 minutos e 2 gols.
Este era o desafio do Atlântico
naquele resto de tarde.
Ninguém arredava pé
da Baixada Rubra,
a despeito do
o Lajeadense.
Será que todos pensavam
que aquilo
era como futsal,
onde os gols podem sair assim...
quando faltam segundos?!
A pá de cal viria aos 38.
O Atlântico estava inteiro
na área
do Lajeadense e babava
o empate.
Me parecia ver até o presidente
Lewis Caron & Cia., na grande área
do time do Vale do Taquari.
Até eu,
se pudesse,
queria entrar no gramado.
Zaga não
havia mais.
A defesa do Galo...
era só ataque.
O time todo – um ataque.
Ataque dentro de campo,
quase ataques do coração
fora das quatro linhas.
39
Aos 38 minutos e ainda
Roque recebe,
segundo a imprensa,
em impedimento
e entra na cara de Paulinho.
Tiassa não hesita e faz o pênalti.
Paulo Muradás sela
e quase eram 40 do 2º tempo.
Agora sim
– nem o padre Rigoni
da São Pedro,
nem Nossa Senhora de Fátima
mudariam aquele destino.
Volvi os olhos miúdos
de dez natais
por detrás dos eucaliptos,
que os tempos modernos
atoraram (os eucaliptos);
e tentei me ver em casa,
já segunda-feira,
com a merenda enrolada
em papel de padaria.
Estamos nos aproximando da Sexta-Feira Santa.
Era Cristo na cruz:
“tudo está consumado!”.
(Amanhã - Final)