terça-feira, 9 de março de 2021

O jogo mais incrível que Erechim viu – 3ª Parte



Lewis Luiz Caron - Presidente do Atlântico em 1962


19

 

Quando o Atlântico apontou

no túnel

as cascas de amendoim desceram

pelas calças.

Só havia uma mudança:

Sebastião na vaga

de Noronha. Paulinho era

o goleiro

e Fossatti passara no teste

de vestiário.

Nossa frente era confiável

com Moacyr, Tomasi, Cardoso

e Índio;

mas a frente

do Lajeadense era temível:

Paulo Muradás, Nestor, Roque e Gaiteiro.

 

Do pavilhão eu levantava a vista

de quando em vez por sobre o velho

e grandioso pé de erva-mate atrás

da geral dos visitantes,

a “árvore das raposas”;

aonde hoje fica a entrada do ginásio

do Caldeirão do Galo – batismo

dado pelo repórter

Osvaldo Afonso Chittolina -,

ao ginásio do Atlântico.

 

Na foto time base do Atlântico em 1962: Noronha, Paulinho, Maneco, Garcia, Tiassa e Foassati; Moacyr, Índio, Tomasi, Zé Carlos e Cardoso 

 

20

 

O que queria eu ver afinal,

por sobre as gerais e a majestosa

árvore cujo ‘crime’ de sua derrubada

não podia ter acontecido!?

Em relances me vinha a

segunda-feira

com as aulas na 4ª série no velho

‘Galinheiro’ como chamavam

o prediozinho de madeira do JB...

onde fiquei da 3ª à 5ª série e exame

de Admissão.

Será que me haveria um futuro?

Será que eu iria me lembrar

um dia daquele dia?!

Será que não?

Será que sim?

Por que em repentes me saía

a voar em pensamento para fora

da Baixada e daquele

2 de dezembro de 1962!

Vaaaaaaai saber – como

bregamente

se diz hoje em dia - até para

se desdizer.

 

A verdade é que aquela tarde

ficaria

na história do clube e da cidade.

De atletas e torcedores.

Na minha pequena história

ela calou.

 

21

 

Dizem que um Inter e Cruzeiro

matou dois torcedores no Beira Rio

nos anos 70.

Foi um daqueles jogos onde

a derrota iminente parou, 

e deu o lugar à vitória

do oponente

que não tinha como deixar

de perder

– mas venceu.

Quem viu Inter e Cruzeiro,

no 3 a 2 do colorado que perdia até

o fim e virou,

não viu nada se não esteve

na Baixa Rubra naquele dia.

 

 

22

 

Foi...

depois do Atlanga 126 na Montanha,

onde o Índio em 1961 virou um

clássico impossível – a maior partida

do Galo, 

aquela contra o Lajeadense.

 

Na cidade aparecia outra novidade:

‘Tatuzinho – que mata sozinho’,

enquanto a polícia fazia grande

trabalho segundo a imprensa:

‘preso perigoso gatuno com relógio

para senhora...’. o perigoso meliante

já tinha sido preso noutra cidade

por roubo de fios...

grande trabalho do inspetor

Vasconcelos.

A Ouro preto lançava por estas

bandas

seu novíssimo carro

– o Karman-Ghia.

O delegado Rêmulo Monteiro e

dr. Gladstone Osório Mársico

identificam produto de roubo

da residência do afamado

advogado e escritor 

e a polícia sai ao encalço

dos perigosos assaltantes.

 

23

 

A Baixada Rubra está cheia.

Euclides Antonio Tramontini

confirmaria

mais tarde: passaram pelas

bilheterias

160 mil cruzeiros – um assombro.

O árbitro Ney da Luz Barbosa,

indicado especialmente pela

Federação Gaúcha trila o apito

e chama os dois capitães

ao centro do gramado.

Os amendoins são esquecidos

e cigarros

vão parar nas bocas dos atlantinos

que enfeitam de vermelho o pavilhão

e a enorme arquibancada atrás da

goleira

sob os pés de Uva-Japão.

 

Começa mais uma decisão do Estadual

de Profissionais. Um empate

tiraria

o Atlântico da final... e

o Noronha

não está em campo.

Parecia um prenúncio...

Que azar do Atlântico!

 

‘Avante/

vamos para a luta!’.

 

24

 

Quem vem lendo

sabe que ‘estamos’ em

2 de dezembro de 1962,

domingo à tarde – Estádio da

Baixada Rubra -, onde hoje é

o complexo do Galo no centro.

 

Era a última rodada do campeonato

estadual de profissionais e

o Atlântico não podia empatar.

O Lajeadense era um timaço.

 

Índio e Cardoso perderam dois

gols no começo da partida,

e o meu medo parecia que descera

do pavilhão e tinha ido embora.

 

25

 

Mas logo viu-se que

o Lajeadense,

era o Lajeadense.

Os ataques se davam com

Paulo Muradás, aproveitando-se

de Fossati que fora dúvida e

dava mostras de não estar

recuperado.

 

mais tarde quando tudo

parecia perdido,

é que Juca entrou na meia cancha,

Maneco foi para a quarta-zaga

e Sebastião na vaga de Fossati,

lesionado.

E foi aí que se viu o tamanho

da falta que Noronha fazia

– também 

lesionado.

 

Quase me arrependi: ‘mas

porque

não fui ver ‘O último por do sol’

com o Rock Hudson e

o Kirk Douglas

no Cine Ideal?

 

26

 

A partida logo emparelhou e

os ataques eram lá e cá.

Aos 22 minutos, Paulo Muradás

passou de viagem por Fossati

e cruzou.

Nestor vinha de frente e deslocou

para o fundo das redes de

Paulinho.

O Atlântico que não podia

empatar,

perdia.

 

Na Abal, Giacomuzzi & Cia. Ltda.,

se anunciava a chegada da famosa

máquina de datilografia

‘Hermes – 3000’.

 

Cinco minutos depois,

aos 27,

novo centro sobre a área

do Galo,

a zaga se atrapalha e

Paulo Muradás

entra em velocidade e dá

uma bomba ampliando 2 a 0

- Lajeadense.

O Atlântico, se não quisesse

dar adeus precisaria de 3 gols.

 

27

 

Na Câmara de Vereadores,

naquela semana, o edil

Antônio Pereirade Souza, 

apresentava voto de pesar

pela morte dos erechinenses

Gilberto Alberto Salomoni

(comandante)

e Leonardo Nunhofer (mecânico).

Eles estavam no Boeing 707

que caiu na selva do Peru.

 

O Galo insistia com Moacyr,

Tomasi,

Cardoso e Índio

– mas uma

a uma as oportunidades

paravam

na zaga anilada ou alvi-azul!

E quando o árbitro

Ney da Luz Barbosa

encerrou

os primeiros 45 minutos

o Lajeadense

parecia com a vaga assegurada,

pois era quase impossível

imaginar

que levasse 3 gols na segunda

etapa.

 

28

 

A Voz da Serra mancheteava:

‘aleijado vendeu a cadeira

de rodas’,

e pedia providências contra

um homem deficiente físico

que

ganhara uma cadeira de rodas

noNatal de 1958 das 

‘excelentíssimas

damas Rotaryanas’. 

‘E podemos

até informar aos leitores que......

vendeu

a cadeira de rodas porque

estava prejudicando o seu

negócio

de esmolas’ dizia a matéria

de capa,

pedindo que o sujeito fosse

retirado das calçadas da cidade.

‘Sinal dos tempos’,

firmava a matéria...!

 

29

 

O intervalo era feito para tirar a

‘água do joelho’ e as ‘patentes’

da Baixada quase

não davam conta.

 

Não se sabe por que razões os

torcedores não ensaiavam vaias, 

e nem por que não iam embora,

afinal precisava ganhar e tomava

de 2 a 0.

 

Parecia que lhes tinham

prometido um milagre,

sim um verdadeiro milagre,

que baixaria direto do céu no

gramado úmido da Baixada.

 

O sol já se punha por detrás

da copa

e bolão do Atlântico

onde na curva do barranco,

atlantistas sentados em pleno

chão

de grama e terra,

derrubavam uma Serramalte

atrás

da outra.

Os cascos escuros rolavam

no barranco.

(Amanhã a 4ª Parte)