Elesio Passuello em 2017 |
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Erechim
se despediu esta semana
de
mais uma personalidade que
marcou
sua história.
Faleceu
aos 98 anos de idade
o
senhor Elesio Passuello,
o
último membro das duas
comissões
que coordenaram
a
construção de um dos cartões
postais
da cidade
–
O Colosso da Lagoa.
É
mais uma vítima da Covid-19
em
nossa cidade.
A
propósito o Alto Uruguai contabilizava
quarta-feira,
102 vítimas
fatais
por Covid – falecidas
em
Erechim.
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Em
2017 fiz uma rápida entrevista
com
o senhor Elesio, que mais
foi
uma conversa – um relato - em um
Café
no centro da cidade,
para
emoldurar ainda mais uma
obra
que a Academia Erechinense
de
Letras (AEL) preparava para
Feira
do Livro daquele ano.
O
livro “Um mosaico sobre Erechim”
explora
a história de 14 lugares
importantes
da cidade
–
pontos pesquisados e descritos
por
colegas da AEL.
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De
minha parte, coube escrever
sobre
a história da construção
do
Colosso da Lagoa e
o
festival de inauguração do estádio.
Para
saber mais sobre o desafio
assumido
por um grupo
de
erechinenes e ypiranguistas,
é
que procurei o senhor
Elesio
Passuello.
Recebeu-me
gentilmente no Café e,
depois
em sua residência.
Reproduzo
aqui aquela
conversa
que tivemos.
É
uma homenagem a este homem
que
ajudou a configurar, aquele
que
se tornou o cartão postal
de
Erechim mais conhecido
no
país (ao lado do nosso
prédio-símbolo,
o Castelinho).
Vejamos
a conversa que tive com
o
“Seu Elesio” como me habituei e tratá-lo.
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“Da copa e bilheteria da Montanha
para a Comissão de Obras do Colosso da Lagoa
Elesio
Passuello, do alto dos
seus
95 anos de idade (isso em 2018),
é
o único remanescente dos dez homens
das
duas Comissões que comandaram
todo
o processo de construção do estádio.
Ele
pertencia à Comissão de Finanças.
No
Café da Galeria Imigrantes
ele
fez uma parada em
sua
tradicional caminhada
diária
para
recordar
um
pouco sobre ele e o Ypiranga.
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Nascido
em 21 de agosto de 1922
(dois
anos antes da fundação do
Ypiranga
F.C., que é de
18
de agosto de 1924),
Elesio
Passuello veio
ao
mundo quando Erechim
se
chamava Boa Vista (entre
30
de abril de
7
de setembro de 1922).
Lembra
que até 1936 viveu
com
a família em outras cidades
até
retornar, em definitivo, para Erechim,
então,
Boa Vista do Erechim.
Nesse
tempo o clube já tinha 12 anos.
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Trabalhando
em uma
agência
bancária da cidade,
começou
a frequentar
o
Ypiranga, especialmente
na
área social. Logo virou ecônomo
e
dirigia a copa da sede na Rua Alemanha,
que
foi consumida por um incêndio
(segundo
informações do
senhor
Ivo Barbieri,
o
incêndio ocorreu em 1960).
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Depois
largou tudo para trabalhar
com
o irmão em um
Posto
de Combustíveis, a partir de 1948.
“Mas
sempre estive na diretoria
ou
na copa do Ypiranga”,
recorda,
tentando reencontrar-se
no
próprio tempo,
que
não volta mais, mas no qual, e
le
esteve. “Fazia qualquer coisa
no
clube.
Se
faltava um na bilheteria,
eu
ia”, lembra.
Sobre
os planos de construção
do
Estádio Olímpico lembra
que
as reuniões eram
semanais
e
sempre no clube.
“Todo
mundo era amigo.
Todo
mundo ajudava.
Não
havia vaidades naquele grupo.
A
parte social e esportiva
era
tudo Ypiranga”, reforça.
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Também
destaca que não
perdia
partidas. Quando foi lançado
o
plano de títulos para
a
construção do estádio
com
direito de concorrer
a
prêmios, “eu também vendia,
mas
só aqui na cidade”.
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À
medida que a conversa ia
evoluindo,
Elesio Passuello foi
se
soltando e se lembrando
de
mais coisas.
“Parece
que a área (onde está
o
Colosso da Lagoa)
foi
comprada de um polonês de
Carlos
Gomes.
Eu
era fanático pelo clube.
Não
sabia perder.
Na
época o estádio virou um
cartão
postal de cidade”.
Ele
recorda que, na escolha da área,
havia
três opções:
a
primeira era construir
no
mesmo local onde estava
o
Estádio da Montanha;
a
segunda, era no final
da
rua Alemanha próximo
a
um frigorífico e,
a
terceira, a que foi escolhida”.
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Hoje
Elesio Passuello não vai mais
ao
futebol e, com isso,
o
Colosso da Lagoa,
que
ele ajudou a construir,
não
faz mais parte do seu cotidiano.
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Único
vivo de nove irmãos,
Elesio
deita-se, no máximo
às
22h, e acorda às 8h. Às 9h,
depois
do café, está pronto
para
sua caminhada matinal.
Às
11h volta para casa onde
vive
com sua companheira Maria.
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Depois
do almoço tira uma soneca
rápida
e sai de novo para
jogar
canastra com amigos
em
um clube da cidade e,
depois,
nova caminhada.
“Faço
de
finaliza
reportando que, para
a
construção do Colosso da Lagoa,
todos
trabalharam bastante,
mas
destaca o presidente da época,
Oscar
Abal.
“Trabalhou
muito o Abal”.
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Elesio
Passuelo faleceu terça-feira, 17,
às
23h50min no HC.
Deixa
além da sua primeira esposa,
quatro
filhos, netos e bisnetos
–
e sua companheira dos últimos
anos
de vida.
A
cerimônia de despedida
e
sepultamento ocorreu no final da manhã,
de
quarta-feira, 17.
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Quem
vive em Erechim
há
muitos anos, acostumou-se
a
encontrar pelas ruas da cidade e,
não
só no centro, mas nos bairros
–
a figura quase retilínea
e
esguia do
“Seu
Elesio”.
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De
manhã e à tarde ele saía
a caminhar, quase sempre de
camisa de mangas
nos
dias mais quentes,
e
quando era mais frio,
não
poupava
um
“pulôver” com paletó.
Calça
frisada e um par de
tênis
confortável.
Não
ligava à moda.
Ligava
ao seu conforto.
De
mão ou mãos no bolso,
atento
ao trânsito,
não
raras vezes
–
segundo me contou
durante
a conversa informal
que
transformei em um texto acima
para
o -, “Seu Elesio”
descia
pela Maurício,
pegava
a Sete se ia até
o
Colosso da Lagoa que
ajudou
a erguer.
Retornava
bandeando-se pelos
lados
do Colégio Imlau,
dava
uma passadinha pela Cotrel
e
voltava à sua residência.
Noutras
vezes andava pelos altos
da
Maurício, pelos lados da RBS
e
descia outra vez ao
centro
da cidade,
de
modos que,
no
seu dia a dia andava
do
Colosso à Montanha,
do
Atlântico a quase Três Vendas.
“Meu
filho – eu não caminho por tempo.
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Eu
caminho por quadras.
Às
vezes poucas - 18, 24 –
às
vezes 30 ou 40... depende...
e
assim vou indo.
Sem
pressa, olhando
a
cidade e as pessoas.
E
me sinto muito bem.
E
ainda dá um tempinho
de
jogar minha canastra no clube”,
foi
o que me disse no Café
no
dia 4 de outubro de 2017.
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Com
a partida do senhor Elesio Passuello,
vai-se
não apenas um dos personagens
mais
antigos da cidade,
mas
uma figura de atuação em diferentes
áreas
– bancária, comércio
de
combustíveis, social,
empreendedorismo
(turismo e esporte)
e
outras atividades na cidade.
Vai-se
um vencedor.
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Apaga-se
um sorriso
afável,
simpático – sem ‘gargalhos’.
Disciplinado
digamos. Ou mehor
-
educado.
Um
sorriso duplo - de boca e de olhos.
Emudece
um erechinense paciente,
ouvinte
de fino trato, sempre disponível;
e
encerra-se uma caminhada
que
conforme ele mesmo,
se
media por quadras
–
jamais por tempo.
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Essa
figura de paz,
de
disponibilidade,
de
conhecimento,
de
fazer questão de ouvir ao outro
-
talvez tudo que já soubesse
e,
de ainda sorrir fazendo-se surpreso
nestes
tempos onde
todos
queremos falar ao mesmo tempo,
contar
o quanto sabemos sobre...
o
que às vezes sequer importa aos outros,
ou
pouco ou até nada importa.
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Pacientemente
ouvia sobre
o
quanto nos abrimos a nós mesmos,
revelando
onde estivemos,
mostrar
nossa viagem que
nem
interessa a muitos outros,
o
que comemos
ou
que brinde levantamos.
O
que devia estar ele pensando
-
e o mesmo vale para tantos outros
mais
experiente e quietos
que
também já trocaram de lado
ou
ainda nos dão seu prazer de ouvintes
“curiosos”
na nossa cabeça.
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“Seu
Elesio”,
era
o contraponto vivo
apresentando,
sem
alarde;
tudo
aquilo que tanto
anda
em falta nos tempos,
tecnológicos
e
bizarros,
que alimentamos
com
nossas,
por
vezes,
supérfluas
ou vazias necessidades,
pelas
redes sociais
com
nossas imagens de
“olhem
onde estou!...”.
Elesio viajou também muito
- mas, obviamente, sem alardes desnecessários.
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Elesio
Passuello fará falta
aos
seus familiares mais próximos
e
que se esparramam país afora,
aos
seus amigos,
mas
em especial,
às
ruas,
à
rotina de uma cidade mais humana,
de
mais paz,
de
menos pressa e,
sempre
disponível ao outro.
A
nós.
Este
fará,
silenciosamente,
falta.
Tal
qual como viveu.
As
ruas de Boa Vista,
de
Boa Vista do Erechim,
de
José Bonifácio e,
de
Erechim
-
com seus personagens,
que
o digam.