quinta-feira, 18 de março de 2021

Emudece o sorriso de boca e olhos de Elesio Passuello

 

Elesio Passuello em 2017

1

Erechim se despediu esta semana

de mais uma personalidade que

marcou sua história.

Faleceu aos 98 anos de idade

o senhor Elesio Passuello,

o último membro das duas

comissões que coordenaram

a construção de um dos cartões

postais da cidade

– O Colosso da Lagoa.

É mais uma vítima da Covid-19

em nossa cidade.

A propósito o Alto Uruguai contabilizava

quarta-feira, 102 vítimas

fatais por Covid – falecidas

em Erechim.     

2

Em 2017 fiz uma rápida entrevista

com o senhor Elesio, que mais

foi uma conversa – um relato - em um

Café no centro da cidade,

para emoldurar ainda mais uma

obra que a Academia Erechinense

de Letras (AEL) preparava para

Feira do Livro daquele ano.

O livro “Um mosaico sobre Erechim”

explora a história de 14 lugares

importantes da cidade

– pontos pesquisados e descritos

por colegas da AEL.

3

De minha parte, coube escrever

sobre a história da construção

do Colosso da Lagoa e

o festival de inauguração do estádio.

Para saber mais sobre o desafio

assumido por um grupo

de erechinenes e ypiranguistas,

é que procurei o senhor

Elesio Passuello.

Recebeu-me gentilmente no Café e,

depois em sua residência.

Reproduzo aqui aquela

conversa que tivemos.

É uma homenagem a este homem

que ajudou a configurar, aquele

que se tornou o cartão postal

de Erechim mais conhecido

no país (ao lado do nosso

prédio-símbolo, o Castelinho).

Vejamos a conversa que tive com

o “Seu Elesio” como me habituei e tratá-lo.

4

“Da copa e bilheteria da Montanha para a Comissão de Obras do Colosso da Lagoa

 

Elesio Passuello, do alto dos

seus 95 anos de idade (isso em 2018),

é o único remanescente dos dez homens

das duas Comissões que comandaram

todo o processo de construção do estádio.

Ele pertencia à Comissão de Finanças.

No Café da Galeria Imigrantes

ele fez uma parada em

sua tradicional caminhada

diária

para recordar

um pouco sobre ele e o Ypiranga.

5

Nascido em 21 de agosto de 1922

(dois anos antes da fundação do

Ypiranga F.C., que é de

18 de agosto de 1924),

Elesio Passuello veio

ao mundo quando Erechim

se chamava Boa Vista (entre

30 de abril de 1918 a

7 de setembro de 1922).

Lembra que até 1936 viveu

com a família em outras cidades

até retornar, em definitivo, para Erechim,

então, Boa Vista do Erechim.

Nesse tempo o clube já tinha 12 anos.

6

Trabalhando em uma

agência bancária da cidade,

começou a frequentar

o Ypiranga, especialmente

na área social. Logo virou ecônomo

e dirigia a copa da sede na Rua Alemanha,

que foi consumida por um incêndio

(segundo informações do

senhor Ivo Barbieri,

o incêndio ocorreu em 1960).

7

Depois largou tudo para trabalhar

com o irmão em um

Posto de Combustíveis, a partir de 1948.

“Mas sempre estive na diretoria

ou na copa do Ypiranga”,

recorda, tentando reencontrar-se

no próprio tempo,

que não volta mais, mas no qual, e

le esteve. “Fazia qualquer coisa

no clube.

Se faltava um na bilheteria,

eu ia”, lembra.

Sobre os planos de construção

do Estádio Olímpico lembra

que as reuniões eram

semanais

e sempre no clube.

“Todo mundo era amigo.

Todo mundo ajudava.

Não havia vaidades naquele grupo.

A parte social e esportiva

era tudo Ypiranga”, reforça.

8

Também destaca que não

perdia partidas. Quando foi lançado

o plano de títulos para

a construção do estádio

com direito de concorrer

a prêmios, “eu também vendia,

mas só aqui na cidade”.

9

À medida que a conversa ia

evoluindo, Elesio Passuello foi

se soltando e se lembrando

de mais coisas.

“Parece que a área (onde está

o Colosso da Lagoa)

foi comprada de um polonês de

Carlos Gomes.

Eu era fanático pelo clube.

Não sabia perder.

Na época o estádio virou um

cartão postal de cidade”.

Ele recorda que, na escolha da área,

havia três opções:

a primeira era construir

no mesmo local onde estava

o Estádio da Montanha;

a segunda, era no final

da rua Alemanha próximo

a um frigorífico e,

a terceira, a que foi escolhida”.

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Hoje Elesio Passuello não vai mais

ao futebol e, com isso,

o Colosso da Lagoa,

que ele ajudou a construir,

não faz mais parte do seu cotidiano.

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Único vivo de nove irmãos,

Elesio deita-se, no máximo

às 22h, e acorda às 8h. Às 9h,

depois do café, está pronto

para sua caminhada matinal.

Às 11h volta para casa onde

vive com sua companheira Maria.

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Depois do almoço tira uma soneca

rápida e sai de novo para

jogar canastra com amigos

em um clube da cidade e,

depois, nova caminhada.

“Faço de 30 a 40 quadras por dia”,

finaliza reportando que, para

a construção do Colosso da Lagoa,

todos trabalharam bastante,

mas destaca o presidente da época,

Oscar Abal.

“Trabalhou muito o Abal”.

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Elesio Passuelo faleceu terça-feira, 17,

às 23h50min no HC.

Deixa além da sua primeira esposa,

quatro filhos, netos e bisnetos

– e sua companheira dos últimos

anos de vida.

A cerimônia de despedida

e sepultamento ocorreu no final da manhã,

de quarta-feira, 17.

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Quem vive em Erechim

há muitos anos, acostumou-se

a encontrar pelas ruas da cidade e,

não só no centro, mas nos bairros

– a figura quase retilínea

e esguia do

“Seu Elesio”.

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De manhã e à tarde ele saía

a caminhar, quase sempre de  

camisa de mangas

nos dias mais quentes,

e quando era mais frio,

não poupava

um “pulôver” com paletó.

Calça frisada e um par de

tênis confortável.

Não ligava à moda.

Ligava ao seu conforto.

De mão ou mãos no bolso,

atento ao trânsito,

não raras vezes

– segundo me contou

durante a conversa informal

que transformei em um texto acima

para o -, “Seu Elesio”

descia pela Maurício,

pegava a Sete se ia até

o Colosso da Lagoa que

ajudou a erguer.

Retornava bandeando-se pelos

lados do Colégio Imlau,

dava uma passadinha pela Cotrel

e voltava à sua residência.

Noutras vezes andava pelos altos

da Maurício, pelos lados da RBS

e descia outra vez ao

centro da cidade,

de modos que,

no seu dia a dia andava

do Colosso à Montanha,

do Atlântico a quase Três Vendas.

“Meu filho – eu não caminho por tempo.

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Eu caminho por quadras.

Às vezes poucas - 18, 24 –

às vezes 30 ou 40... depende...

e assim vou indo.

Sem pressa, olhando

a cidade e as pessoas.

E me sinto muito bem.

E ainda dá um tempinho

de jogar minha canastra no clube”,

foi o que me disse no Café

no dia 4 de outubro de 2017.

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Com a partida do senhor Elesio Passuello,

vai-se não apenas um dos personagens

mais antigos da cidade,

mas uma figura de atuação em diferentes

áreas – bancária, comércio

de combustíveis, social,

empreendedorismo (turismo e esporte)

e outras atividades na cidade.

Vai-se um vencedor.

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Apaga-se um sorriso

afável, simpático – sem ‘gargalhos’.

Disciplinado digamos. Ou mehor

- educado.

Um sorriso duplo - de boca e de olhos.

Emudece um erechinense paciente,

ouvinte de fino trato, sempre disponível;

e encerra-se uma caminhada

que conforme ele mesmo,

se media por quadras

– jamais por tempo.

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Essa figura de paz,

de disponibilidade,

de conhecimento,

de fazer questão de ouvir ao outro

- talvez tudo que já soubesse

e, de ainda sorrir fazendo-se surpreso

nestes tempos onde

todos queremos falar ao mesmo tempo,

contar o quanto sabemos sobre...

o que às vezes sequer importa aos outros,

ou pouco ou até nada importa.

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Pacientemente ouvia sobre

o quanto nos abrimos a nós mesmos,

revelando onde estivemos,

mostrar nossa viagem que

nem interessa a muitos outros,

o que comemos

ou que brinde levantamos.

O que devia estar ele pensando

- e o mesmo vale para tantos outros

mais experiente e quietos

que também já trocaram de lado

ou ainda nos dão seu prazer de ouvintes

“curiosos” na nossa cabeça.

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“Seu Elesio”,

era o contraponto vivo

apresentando,

sem alarde;

tudo aquilo que tanto

anda em falta nos tempos,

tecnológicos e

bizarros, que alimentamos

com nossas,

por vezes,

supérfluas ou vazias necessidades,

pelas redes sociais

com nossas imagens de

“olhem onde estou!...”.

Elesio viajou também muito

- mas, obviamente, sem alardes desnecessários.

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Elesio Passuello fará falta

aos seus familiares mais próximos

e que se esparramam país afora,

aos seus amigos,

mas em especial,

às ruas,

à rotina de uma cidade mais humana,

de mais paz,

de menos pressa e,

sempre disponível ao outro.

A nós.

Este fará,

silenciosamente, falta.

Tal qual como viveu.

As ruas de Boa Vista,

de Boa Vista do Erechim,

de José Bonifácio e,

de Erechim

- com seus personagens,

que o digam.

 

      Recordação com "Seu Elesio" no Café da então - Galeria dos Imigrantes em outubro de 2017