quinta-feira, 11 de março de 2021

O jogo mais incrível que Erechim viu (Final)

 


Na foto time base do Atlântico em 1962: Noronha, Paulinho, Maneco, Garcia, Tiassa e Fossati; Moacyr, Índio, Tomasi, Zé Carlos e Cardoso 


39

 

Aos 38 minutos e ainda 4 a 3.

Roque recebe,

segundo a imprensa,

em impedimento

e entra na cara de Paulinho.

Tiassa não hesita e faz o pênalti.

Paulo Muradás sela 5 a 3

e quase eram 40 do 2º tempo.

Agora sim – nem o padre Rigoni

da São Pedro,

nem Nossa Senhora de Fátima

mudariam aquele destino.

Volvi os olhos miúdos de dez natais

por detrás dos eucaliptos,

que os tempos modernos atoraram

e tentei me ver em casa,

já segunda-feira,

com a merenda enrolada

em papel de padaria.

Era Cristo na cruz:

“tudo está consumado!”.


 40

 

Aos 42,

e 5 a 3 para o Lajeadense.

Tomasi ainda corre,

fustiga,

bufa,

e foge como se pudesse

ultrapassar

e driblar e mudar o destino.

Vai pela direita como um búfalo

descontrolado e cruza alto.

Índio sai do chão como nunca

tinha saído,

e golpeia para o chão

fora do alcance do goleiro

Rogério. 5 a 4.

O Índio ganhando de cabeça..

só podia vir um milagre.

 

Quem tinha relógio,

menos via o campo do

que os ponteiros que não andavam

– mas voavam.

Malditos!

 

Inaugurado solenemente novo

prédio do BB.

Prossegue com certa intensidade

calçamento da Maurício Cardoso.

Estrada Erechim – Aratiba 

verdadeira calamidade.

Municipalidade contrária ao 

comércio

de ambulantes.

 

41

 

Todos os relógios bateram nos

45 minutos do 2º tempo

quando Cardoso aproveita

novo entrevero na área 

do Lajeadense

num bate e rebate,

faz o seu terceiro

e empata o cotejo.

Aí sim

– o pavilhão quase antecipa

a própria implosão que 

experimentaria

anos mais tarde em 1991.

Eu pulei.

Meu pai pulou.

O pavilhão pulava,

Os pés de Uva-Japão

atrás da goleira do Lajeadense

tremiam.

Os barrancos pulsavam.

Os vendedores de cerveja

e pastel da copa largaram tudo

e pulavam em cima do que

seria um balcão de tábuas.

Ninguém ligava para o caixa

cheio de dinheiro.

Metade da torcida estava

escalada no alambrado.

 

O Gatão (Franceschetto)

teve de ser segurado porque

queria invadir o campo

o colocar o Atlântico com 12.

 

“Gatos à Paisana” 

de Gladstone Osório Mársico

é sucesso.

Praça Julio de Castilhos ganha

lâmpadas de mercúrio.

Telefones automáticos

- ano que vem.

Fundados sindicatos rurais 

com mais

de 700 produtores.

Aprovado 13º pelo senado.

Kennedy dá ultimato à URSS

na crise dos mísseis.

“Pagador de Promessas”  

ganha Palmade Ouro em Cannes.

Acre vira estado brasileiro.

Lançada a primeira sandália

Havaiana no Brasil

Volkswagen começa fabricação 

no Brasil.

“Fica comigo está noite”

com Nelson Gonçalves e

'Let s Twist Again' com Chubby Ckeker,

Destaques na musica no Brasil.

 

42 


O onze alvi-azul estava

boquiaberto e discutia culpas.

O preguiçoso Cardoso que

‘matava’ treinos

estava com o próprio diabo 

no corpo.

Se até ele suava como

um guaipeca fugidío,

que dirá, o Tiassa, o Sebastião,

o Juca, o Zé Carlos

e... o Gringo Tomasi então!

 

43

 

Era quase noite...

ou digamos, era noite já

e 5 a 5.

Há quem garanta que 

acenderam

os faróis de caminhão atrás da

goleira do Lajeadense.

Essa eu não vi, mas...

Não sei como um caminhão

chegaria lá.

Só lá por trás da árvore das raposas.

Mas – naquele dia 

“nada era impossível”.

 

 

O Lajeadense ainda tinha a vaga,

e o Galo ainda estava desclassificado

à despeito da epopéia.

Depois do que todos sofreram,

não podia terminar assim,

daquele jeito,

empate.

 

Alguma coisa mais

tinha ainda que acontecer

 – nem que perdesse então!

Melhor perder do que

empatar naquelas circunstâncias,

para às quais a história abre

uma exceção a cada 100 anos.

 

44

 

Dada a nova saída,

o banco do Lajeadense

quase dentro do campo, 

exigia o fim da partida.

A bola vinha para a

zaga alvi-azul e

buuuummmmmmmmmmmmm

– lá pros lados do presídio.

E aonde estava a bola reserva.

Eram bolas e bolas

“pras casas de má fama”.

 

Aos 49... 

o Galo faz seu último ataque.

Era como os aviões

contra o WTC...

tudo ou nada!

E vinha de todos os lados.

Igual a um Roberto Jefferson:

seja o que Deus quiser!

Um Tarzan contra o mundo.

Era como o dia “D”.

Tudo ou nada!

E Ele quis

– nos dois casos ao que parece.

 

45

 

Com metade do time do Lajeadense

em cima do juiz,

o endiabrado Cardoso

recebe livre dentro da área.

Era o seu maior dia

como futebolista.

Ele dribla o destino.

Fez

sem jeito,

de trejeito,

o um

- que faltava.

Atlântico 6 a 5.

 

Enquanto a torcida delirava,

com o impossível

com as mãos segurando as cabeças,

e nos beiços do cigarros apagados,

a briga generalizada explodia

no gramado.

O árbitro foi agredido.

 

A Brigada Militar entrou em ação.

A noite engolia o dia

– mas o Galo tinha virado,

tinha feito o seu jogo

mais espantoso, inacreditável

e absolutamente histórico.

 

A Baixada Rubra pulava.

Do meu pai a eu,

dos jogadores ao ‘Véio Graví’

dos bilheteiros ao presidente Lewis.

das damas da noite agarradas à tela

às sociolytes sentadas

no pavilhão sob almofadas.


As primeiras sacudiam as bolsinhas,

as diademas, a pulseirinhas de latão,

os radinhos à pilha.

Alguns peitos mais avantajados 

não respeitavam mais os decotes,

saltavam para fora das blusinhas,

e também vibravam com o Atlântico.

As segundas 

– diante daquelas cenas,

diletantes,

levantaram seus traseiros 

das almofadas e

- balançavam,

cuidadosamente; 

suas jóias de pescoço,

braceletes e relógios de ouro fino.

 

46

 

Depois de controlado

o ‘sururu’ e três expulsões

do Lajeadense,

o alvi-azul retirou-se do gramado.

 

Tomasi ainda bufava

com a camisa pra fora do calção,

e as meias arriadas.

Como um touro,

ainda fustigava e

parecia que 

expulsara da arena todo 

os toureiros, domadores e assanhados.

Queriam mais? – que viessem!

Ele parecia entorpecido

- acreditando que ainda era preciso

fazer mais um ou dois 

ou três gols.

E ele estava pronto.

 

O Atlântico estava impossível.

Nem o destino o pararia naquele dia

ou... naquela noite.

Até hoje,

desconfio que não se via mais  

a bola quando foi decretado 

(decretado?)

o 6º gol do Atlântico.

Mas fazer o quê!

– é a história.

O Atlântico se antecipava

a um Flamengo?

No 6 a 5 a partida

foi dada por encerrada.

E não se via mais nada.

Ficara só o resultado e,

por óbvio,

o mais incrível jogo que

a Baixada Rubra testemunhou.

 

 47

 

Naquele jogo onde a história

cunhou as credenciais

de identidade do Atlântico,

de raça, garra e de nunca desistência,

e... sabe-se lá de quê!

- o Galo atuou com: Paulinho; Tiassa,

Garcia, Sebastião (Maneco)

e Fossati (Sebastião);

Zé Carlos e Maneco (Juca);

Moacyr, Tomasi, Índio e Cardoso.

 

Noronha – titular absoluto –

não jogou porque estava lesionado.

Lesionado não.

Se tivesse só lesionado

– jogaria.

Estava incapacitado.

Não podia nem caminhar.

 

48

 

No dia seguinte,

Euclides Antônio Tramontini

 na Rádio Erechim: “O C.E.R. 

Atlântico

ganhou porque tem raça,

tem amor à sua camiseta...”.

O comentário de Tramontini

chegou a ser transcrito em

A Voz da Serra.

 

Aquele feito,

se me contassem

eu não acreditaria.

Só acredito, pois estava lá.

Naquela noite dormi

o sono dos anjos.

Fora testemunha de um episódio

que só sai como ficção, 

ou na imaginação de quem

ousa sonhar... 

o impossível.

 

49

 

Nas imediações da Baixada

e do aeroporto,

naquela noite de domingo,

2 de dezembro de 1962,

‘casas de tolerância’

foram fechadas

com a festa verde-rubra

- trancada dentro delas.

 

Quando reabriram

era  alto sol de segunda.

A rotina da vida esperava,

mas a história do

Clube Esportivo e Recreativo

Atlântico estava,

irremediável

e definitivamente alterada.

 


Lewis Luis Caron/Preisdente do Atlântico em 1962



Atlânico,

tu és poderoso,

conquistando vitórias com ardor’.